Luanda - Numa altura em que o Governo se comprometeu em fazer novamente da Recredit o "Banco Mau" exclusivo do BPC, o PCA da instituição admite ao Expansão as dificuldades encontradas para cobrar dívida a mutuários do maior banco público.

Fonte: Expansao

A Recredit foi criada em 2016 para gerir os activos "tóxicos" do BPC, mas entretanto alargou a sua intervenção a toda a banca. A quantos bancos a Recredit já comprou crédito malparado e quanto custou?


Desde a sua criação, a Recredit já adquiriu processos de crédito malparado a dois bancos: 297 mil milhões Kz ao Banco de Poupança e Crédito (BPC) e 24 mil milhões Kz ao Banco de Negócios Internacional (BNI), num total de 321 mil milhões Kz.


Como está o processo do malparado do BPC?


A dimensão do crédito malparado do BPC ultrapassa muito os 297 mil milhões Kz, sendo esse valor apenas a primeira carteira adquirida. A Recredit vai adquirir outras carteiras porque o processo negocial está em curso, pelo que vamos aplicar mais recursos. A negociação de aquisição de crédito malparado ao BPC, que regista a maior concentração em termos de sector bancário nacional, é um processo complexo e que mais difícil se torna precisamente pelo facto de os processos não estarem devidamente formatados. Seguimos agora o processo de formalizar com os mutuários a dívida efectiva. Não recuperámos ainda nenhuma parte deste valor afecto ao BPC, mas devo dizer que já recuperamos algum valor da carteira de crédito malparado do BNI.


Porque que até agora não se recuperou nada do crédito do BPC?


Os processos do BPC foram fechados em 2018, em Junho, depois de termos formatado os contactos, ou seja, são processos que vieram sem parte significativa dos documentos, tivemos que reunir os documentos e estamos a contactar os mutuários no sentido de clarificar os valores em dívida, definir as garantias que eles devem apresentar ao cumprimento das suas obrigações e aprovar os planos de pagamento, e isso pode levar 12 meses a ser concluído.


Que valor foi recuperado no processo do BNI?


Não posso agora divulgar esses dados, mas hão-de constar no relatório e contas de 2017 e 2018 a ser publicado no início de 2019.

 

A respeito da publicação de relatórios, porque é que a instituição não publicou o relatório e contas de 2017?


Houve algum conflito no que respeita à nossa supervisão, devido às nossas duas esferas de actuação, nomeadamente a compra de crédito malparado supervisionada pelo BNA e também supervisionados pela Comissão de Mercado de Capitais (CMC), devido à recuperação de activos. E só agora é que ficou clarificada essa situação, a nossa obrigação de publicar as contas vai ser agora em Março de 2019. As contas foram apresentadas e apreciadas pelo accionista, tendo os seus resultados e actividades sido discutidas em Conselho de Direcção do MINFIN e em sede da Comissão Económica do Conselho de Ministros.


Qual era o conflito que impedia a Recredit publicar as contas?


Não temos qualquer conflito. Note o seguinte: no nosso País, actividades como as que desenvolvemos - aquisição à banca de créditos malparados e gestão e recuperação dos activos - não têm regulador definido, pois se é certo que na vertente de aquisição de crédito malparado, se trata de uma intervenção de grande interesse para o Banco Nacional de Angola (BNA), já a gestão e recuperação de activos, não cabe na esfera deste, mas sim da Comissão de Mercado de Capitais (CMC). Estas matérias apenas no 2.º semestre de 2018 se clarificaram junto do BNA.


As contas da Recredit são auditadas?


Sim, são auditadas por um auditor internacional que foi escolhido em concurso.


Voltando às cobranças, quais têm sido, até ao momento, as principais dificuldades da Recredit no que respeita à cobrança de dívidas?


Uma das grandes dificuldades que a Recredit regista é muitas vezes o mutuário não perceber ou não aceitar o valor da dívida, pois a dívida integra normalmente o capital, os juros normais e de mora, e os mutuários por vezes não englobam essas três componentes.


O que está na base desta falta de compreensão?


Algum alheamento e falta de diálogo, dificuldades do mutuário que lhe levam a sentir alguma falta de responsabilidade em relação às obrigações assumidas. O processo negocial com cada mutuário é um processo complexo. É necessário primeiro clarificar o montante em dívida, fazê-lo compreender e depois formatar novos contratos no qual o mutuário assume perante a Recredit a responsabilidade de liquidar a dívida nas condições que forem acordadas. Porque cada mutuário tem uma condição própria, uns têm vários negócios, de maneira que nós vamos buscar o conjunto dessas informações técnico-económicas para que o contrato que assinarmos com ele tenha bases para ser concretizável.


O que acontece quando estas condições não são cumpridas por parte dos mutuários?
Pode acontecer que o mutuário não aceite o valor a pagar e temos um processo de litígio, logo inicial. Outra questão é que o mutuário não apresenta garantias suficientes de que vai pagar a dívida, ele tem que encontrar solução e nós apoiamo-lo nesse sentido para que a dívida efectiva seja reconhecida, seja colocada em contrato e depois vamos acompanhá- lo no sentido de sabermos, a par e passo, que as prestações acordadas são pagas, pois a Recredit não quer sufocar os empresários, estamos a falar de empresários angolanos que têm que ser apoiados sem dúvida, a nossa intenção é ajudar esse mutuário a criar as melhores condições para pagar a sua dívida.


Já avançou com acções em tribunal para recuperação de créditos?


Ainda não foi necessário seguir este caminho.


Mas como é que a Recredit procede à cobranças de crédito malparado de devedores que se negam a reembolsar o banco visado, especialmente as Pessoas Politicamente Expostas (PEP)?


Para a Recredit, PEP não existem, existem sim os mutuários, pessoas que solicitam ou detêm empréstimos bancários. A Recredit compra o processo do crédito malparado e assume os direitos do banco em relação ao mutuário. A partir daí desenvolvemos processos negociais com esse mutuário que na maioria dos casos são empresas, com quem negociamos as condições de ressarcir a Recredit.


O combate à corrupção que decorre no País é uma medida que facilita, de algum modo, a recuperação de crédito malparado?


Certamente que sim. Ajuda todos os intervenientes a terem mais consciência do seu papel, por um lado a nível da banca a necessidade que a concessão de crédito seja feita em modos normais e, por outro lado, dos mutuários a necessidade que existe em levar a sério o compromisso. Ou seja, a ideia de que antigamente se podia ir à banca buscar dinheiro e esquecer o pagamento, na nova era essa ideia não tem espaço. Relativamente à questão da importância do combate à corrupção pela via da actividade da Recredit, temos noção clara que seremos um instrumento activo, relativamente aos financiamentos que foram obtidos ao arrepio de qualquer intenção de reembolso à entidade financiadora pois, por um lado, a Recredit vai usar todos os meios legais para a recuperação desses valores e, por outro, exerceremos um efeito dissuasor, pois dificilmente voltaremos à fase de "empréstimos grátis".


Como é que são feitas as negociações com bancos para a compra de malparado?
Tudo parte de uma base negocial. Os bancos contactam-nos e negociamos o valor a pagar, que pode ser a metade ou ainda um valor que sabemos que pode ser recuperado, atendendo à qualidade das garantias que nos são apresentadas, mas a nossa relação negocial com o mutuário é nos termos do valor global da dívida.


O FMI tem estado atento ao papel da Recredit e num dos relatórios das visitas a Angola escreveu que se corria o risco de ser um depósito de activos "tóxicos"...


Na sequência da abordagem do FMI foi definido que a Recredit tivesse 10 anos de vida útil, depois seria extinta, a não ser que hajam razões para que o seu accionista, o Estado, entenda acrescentar outro ciclo. Agora, não acreditamos que sejamos influenciados pelas pessoas envolvidas nos processos de crédito malparado, pois a nossa actuação com os mutuários não depende de pessoas influentes, depende sim dos processos, sejam PEP ou não.


"Orientações do FMI coincidem com os termos de aquisição de malparado"


De acordo com o documento sobre o acordo de Angola com o FMI (EFF, na sigla inglesa), o Governo comprometeu-se, até final de Março, em limitar o mandato da Recredit apenas à compra de créditos malparados do BPC, basicamente, voltando ao plano original.

 

Já começaram a trabalhar nesse sentido?


O BPC, como banco público e o maior banco do nosso sistema, sempre mereceu uma atenção preponderante da Recredit. As orientações do FMI e os trâmites decorrentes do EFF relativos à nossa sociedade e sobre o BPC, coincidem com os termos que conduziram ao fecho do processo de aquisição da primeira carteira de crédito malparado, iniciada em 2017 e finalizada no termo do primeiro semestre de 2018. Estando em curso as negociações para a transferência da segunda carteira, naturalmente que terão a devida sequência, sendo monitorizadas no quadro dos mecanismos acordados.


O que vai acontecer aos créditos entretanto já comprados a outros bancos?


Estão a ser tratados nos moldes que são usados pelas sociedades congéneres, ou seja, assegurando a gestão dos activos envolvidos, no sentido de recuperar o investimento realizado, em moldes positivos para os interesses do Estado. Acresce referir e para melhor clarificação da dimensão destes créditos no total adquirido até esta data, que o seu peso é de 9,4% no total dos recursos utilizados pela Recredit.


A empresa continuará a ser financiada através de Obrigações do Tesouro?


Está prevista para 2019 mais uma dotação para a empresa, para que ela possa ser capitalizada e prosseguir o trabalho de aquisição de créditos malparado mas na medida que decorrer o processo de recuperação nós podemos depois reinvestir na aquisição do malparado, ou seja, o recurso que o Estado coloca na empresa não são recursos perdidos, o Estado aplica-os e depois recupera-os.


De professor a gestor


Licenciado em Finanças, Vicente Leitão foi professor na Faculdade de Economia, da Universidade Agostinho Neto, ministrando as cadeiras de Preços, Finanças Públicas e Gestão Financeira. Foi também gestor e empresário, bem como consultor em diversos sectores da actividade económica. Dirigiu a elaboração do Plano Director da Justiça e lançou as bases do Sistema Nacional de Preços em 1983/85. O PCA da Recredit coordenou também a elaboração do Plano Director das Pescas. Dirigiu também mais de 150 trabalhos de avaliação e recuperação de activos empresariais em Portugal, Moçambique e em Angola. Desde Agosto de 2016 é Presidente do Conselho de Administração da Recredit, uma sociedade de direito privado, anónima e de capitais públicos, cujo único accionista é o Estado e que quando nasceu, surgiu como o banco mau do BPC.