Luanda - Nota prévia: É facto irrefutável que o ser humano, desde dos primórdios da história da humanidade, sempre recorreu aos vários meios e motivos inengolíveis para matar seus congéneres. Obviamente, dos tais motivos que as pessoas empáticas, com amor ao próximo e solidários seriam incapazes de compreender. 

Fonte: Club-k.net

O famoso provérbio do escritor latino, Plautus, é mais que evidente “homo homini lúpus est” (Asinaria, Sec. III: 254-184) - o homem é lobo do próprio homem)): infelizmente, os homens não e nunca pararão de matar os outros homens. Ora, mergulhemo-nos nas escrituras dos textos bíblicos, partindo de base de que Adão e Eva foram os primeiros humanos (Gen.2:7,21,22), cujos filhos foram Caim e Abel (Gen.4:1,2).

O famoso fratricídio, que em tese, se manifestou no assassinato de Abel diante das mãos sanguinolentas do seu irmão mais velho Caim (Gen.4:8). Estamos diante de um dos crimes mais documentados na história criminal da humanidade. A verdade nua e crua é que desta data em diante, o mundo assistiu (e continua a assistir) vários males graves, assassinatos incompreensíveis, nomeadamente, uxoricídios (feminicídios), parricídios, infanticídios, neonaticídios, magnicídios, genocídios etc).

A nossa Angola adolescente, que parecia tão pacifica, embora tenhamos vivido num clima de assassinatos em massa, em razão da luta pela conquista da paz, nestes últimos anos, esta Angola pacífica já vive de tudo, assassinatos macabros e felinais com todos os ingredientes, cujo acções dos seus praticantes clamam por estudos sobre estes autênticos maníacos, entre sociopatas, psicopatas e psicóticos. Oremos! Amém.

MARIDO ASSASSINA MULHER ADVOGADA

Luanda, Zango III, quarta-feira, 23 horas do dia 29 de Novembro de 2018. Noite de luar comovente com temperaturas amenas convidativas à troca de olhares cúmplices e, evidentemente propensos ao exercício de kamasutra. Mas mesmo assim, Olívio Silva, esposo de Carolina Silva, decide recorrer a uma pedra, arma branca letalíssima, parecia ameaçar, mas impiedosamente projecta-no à cabeça de sua esposa enquanto saia do banho.

Carolina resvala ao chão, há sangramento e hematomas intracranianos, cai em choque hipovolêmico e, minutos depois, entra em paralisia palpebral bilateral. Olívio, alvitrado por infusos de pávio-curto e em pleno delírio persistente, envolve Carolina numa colcha, engendra ardilosamente a projecção do corpo da esposa à fossa de dejetos fecais para despistar-se dos homens dos Serviços de Investigação Criminal (SIC) e da Justiça.


Olívio Silva, meticuloso, com ares felinais e calculista, dizia “naquele dia tivemos uma forte briga, peguei num bloco de cimento e atirei na cabeça da Carolina, caiu ao chão, saí, dormi fora, ao dia seguinte tinha esperança de encontrá-la viva, mas!” (TPA). A mãe da Carolina, tia Maria Armando, psicóloga clínica, diz seu genro ser uma pessoa dedicada à filha. Tia Maria, não conseguiu ler os olhares traiçoeiros do genro, pela frieza e manipulação de terem estado 5 dias à procura, juntos e no mesmo tecto, pela Carolina. Que demónio aviltrou Olívio Raúl Miguel da Silva, confidente e afilhado do Pastor António Alexandre da Igreja Peteconstal!


INTROITO

Faço-vos, ilustres leitores, um convite ao mundo da perícia criminalístico-forense, mormente na perícia de pendor psicológico e psiquiátrico forenses para buscarmos subsídios para a compreensão do putativo comportamento de Olívio. Nesta senda, seria profícuo que fossemos, em primeiro plano, buscar explicações legais sobre as Perícias Criminalístico - forenses e depois navegarmos no mundo das áreas científicas que se dedicam as questões de estudos do comportamento criminal dos acusados de práticas macabras e hediondas.

Recorre-se aos artigos 388oe 389o CC (Perícias); aos 47o e 68o CP e, colando-os ao 351o CP (pelo homicídio que julgamos ser premeditado) por abordarem, do ponto de vista Jurídico-Penal, a temática que nos chama atenção (o por que matar a mulher). Não deixando, porém, de parte os art 125o CPP (Exames Médico-Forenses), 170o CPP (Corpo de Delito), 180o CPP (Peritos) e ao 186o CPP das inquietações sobre a perícia (Quesitos ao Laudo), todos, servindo-se de respaldo legal e base instrumental para a investigação criminalística e/ou criminal. Que fique bem claro, a abordagem sobre exames/perícias à conduta de Olívio, não significa que se esteja a defender a sua insanidade mental.


Qualquer tipo de pistas sobre a morte da Carolina é tido como algo complexo, mormente quando se trata de trazer à investigação e à justiça o autor material deste ilícito penal e compreender de forma plena a dinâmica e o modus operandi do crime. Neste ilícito, em particular, embora nos primeiros dias, Olívio tenha tentado produzir uma girandola de argumentos na pretensão de ludibriar os investigadores criminais, estes (SIC), não dançaram a sua música.

Previam claramente haver um trabalho árduo, pois as mitomanias de Olívio pareciam tão cirúrgicas e que derrubá-las, era necessário inteligência conectiva dos investigadores. Desconfiados, intuitivos e sem pistas tangíveis para a investigação a missão parecia difícil. Mas, a punção investigativa aplicada ao suspeito deixou-o cair no “error criminis”.

Embora Olívio tenha sido calculista, manipulador, anético e produzido mitomanias bem alfaiatadas, os homens do SIC estavam dispostos a desvendar este mistério paradigmático. Olívio, crédulo nas suas convicções defendia ter acompanhado a mulher até a paragem do táxi; deslocou-se à casa da mãe da Carolina em busca de consolo, manifestando seu desespero diante da sogra. Que frieza! Olívio achou estar enroupado de cultura e consciência forense bastante para ludibriar os investigadores criminais.

Enganou-se, pois, a Técnica Cinéstica e de Reid de uso corrente na investigação criminal e posta em curso pelos homens do SIC, surtiu os feitos desejados. Estes homens tiveram brio e faro profissional espectacular, parecendo ser autênticos cães farejadores de cadáveres em estado macrossômico e em superfícies recônditas em razão do estágio enfisematoso do cadáver da Carolina. Pura jogatina mágica a moda da CSI.


INTRADISCIPLINARIDADE E CONDUTA CRIMINAL: A MENTE DO AGRESSOR

A Psicologia Criminal e Forense compreende os estudos de comportamento desviante/criminoso do indivíduo (ou não), englobando vários estudos: Criminalidade, tratamento de delinquentes e vitimização delitiva. Na maior parte das vezes, estas áreas da Psicologia Jurídica interessam-se na compreensão do fenómeno da delinquência, motivações, causas, consequências e ressarcimento de danos.

A pedido dos juízes, procuradores, tribunais e advogados ou outras autoridades, os psicológos/psiquiatras forenses devem aplicar os seus conhecimentos para estabelecer a existência de alguma anomalia psíquica/mental e com estes subsídios aplicar-se a Legislação penal, em casos de alguma patologia grave fazer-se recurso a inimputabilidade penal, medida de segurança, (internar o réu) e na ausência de anomalia, imputar o réu, condenando-o plenamente pelo crime cometido.


Na visão da Psiquiatria, há situações em que um indivíduo apresenta traços emocionais e comportamentais inflexíveis, vazios e desajustes racionais, que causam sofrimento a ele e a todos com quem ele vive e convive. A literatura psicopsiquiatrica assinala que estes vazios aparecem em razão do indivíduo viver, de um lado, de alguma indisponibilidade afectiva por parte de quem o cuidou/cuida e, do outro, por ter havido bastante atenção em alguns momentos e depois sofrer de um abandono abrupto (tipos ansiosos ambivantes).

Nestas circunstâncias, o indivíduo aprende que deve virar-se sozinho, e que não pode contar com ninguém mais. Os indivíduos que vivem nestas circunstâncias, no futuro valorizarão apenas a conquista da parceira e não o desenvolvimento ou empoderamento da relação. Quer dizer, conquistada a parceira, depois de alguns dias o interesse pela relação entra em desuso e perde toda a graça, caindo na coisificação do outro/outra, fazendo nascer uma posse exagerada, ciúmes patológicos e a violência passional.


O conceito de ciúme patológico compreende vários sentimentos perturbadores, desproporcionais e absurdos, os quais determinam comportamentos inaceitáveis ou bizarros DSM-IV (2005). Estes comportamentos envolvem medo desproporcional de perder o parceiro para um(a) rival, desconfiança excessiva e infundada, gerando significativo prejuízo no relacionamento interpessoal.


Ora, adentrando-se no Caso Olívio e Carolina, interessa-nos deduzir que viviam numa espécie de inferno em casa, autêntico convívio de maltrato doméstico manifestamente traduzido em excesso controlo telefónico, sempre de alerta as chamadas atendidas pela vítima, PINs de cartões de crédito controlados. Com esta conduta, a avenida para um possível crime passional estava aberta.


Em matérias de diagnósticos sobre possíveis transtornos, recolhe-se toda a informação social de Olívio, os seus antecedentes pessoais e familiares. Nos antecedentes pessoais recorrer-se ao seu ciclo de desenvolvimento, partindo da sua infância, como nasceu, como cresceu, com quem (pais ou em família monoparental), possíveis problemas de saúde na infância, adolescência, grupos e pares de convívio, dinâmica relacional com o primeiro passo ao namoro, fantasias nas suas relações sexuais, etc. Quer dizer, míster é fazer-se estudos multidisciplinares e, destes buscar-se as reais motivações que o levaram a prática hedionda.

Tal como foi aflorado acima, fazer-se um estudo sobre o desenvolvimento psicoemocional e socio-cultural nas várias fases da vida social de Olívio. No alvedrio da literatura, comportamentos similares aos de Olívio são aflorados com alguma profundidade no grupo do Transtorno emocional do espetro obsessivo compulsivo, DSM- V(2014), trazendo-se explicações sobre ciúmes delirantes, principalmente na perspectiva dos ciúmes delirantes persistentes.

Na verdade, o ciúme é um sentimento natural do ser humano, e também é normal que caía algum sentimento de insegurança no que diz respeito ao outro, principalmente no início da relação. Quer dizer, há frequentes problemas causados na relação devido a conflitos gerados pela insegurança e por ciúmes. Mas, há que saber diferenciar uma reacção aparente de ciúmes ocasionais e moderados de um transtorno patológico que prejudica as pessoas envolvidas. Todavia, estando estabelecidos os parâmetros ou acordos de confiança e respeito, esses sentimentos tendem a perder força e estabelece-se o bom ambiente relacional, Alcosta (2000).

Deste modo, naqueles casos em que os ciúmes e a insegurança atingem proporções exageradas e até patológicas, deve saber-se diferenciar entre amor depressivo e ciúme patológico. Neste caso, o medo e a insegurança são causados por uma ameaça desconhecida ou mesmo inexistente - “o ciúme doentio”. Este faz com que o indivíduo desenvolva sentimentos e pensamentos negativos, opte pela privação de liberdade de outrem, pelo controlo doentio em tudo que é do outro, chegando a atingir a pirâmide da sindrome de infidelidade persistente.

Ora, nasce aqui, na cabeça do ciumento-inseguro o gatilho que pode disparar a qualquer momento (sente que vai ser abandonado, que não lhe prestam atenção, existe outra pessoa que melhor estimula a sua parceira, etc). Ao se instalar tais delírios dos ciúmes patológicos e insegurança, também aparecem os quadros emocionais (ansiedade, depressão, raiva, vergonha, insegurança, humilhação, egoísmo, perplexidade, culpa, aumento de desejo sexual e desejo de vingança).

Olívio, mergulhado nestes quadros, começara por abrir SMSs, ouvir telefonemas, examinar bolsos e bolsas, roupas íntimas, às vezes, seguia-na a pretexto de protegê-la dos perigos da metrópole Luandina. Olívio, de afecto e encanto estranhíssimos, vivia afectivamente dependente da esposa. Daí, até a data do acto bárbaro estava mergulhado em momentos de autêntico tormento.

Precisava de ajuda de especialistas em comportamento humano, tal ajuda não chegou a tempo e, este caiu na imaginária síndrome de infidelidade. Chegado a este ponto, começara a emergir o irreversível vulcão emocional. A erupção era inevitável, o assassinato estava vivamente presente, apenas a apaixonada Carolina não deu conta. Olívio havia decidido enviar a jura do dia do casamento “até que a morte nos separa”... na doença e na alegria prometo amar-te para sempre” ao manto velorial.

ESTAVA CAROLINA VIVA QUANDO FOI POSTA NA FOSSA?

A Medicina Legal Forense, mormente no âmbito das perícias tanatológicas, traz-nos respostas claras sobre esta matéria. Ora, não é difícil aflorar-se dados sobre os fenómenos cadavéricos abióticos e bióticos sempre que se apreciam explicações de asfixiologia criminal no pálio do exame de necropsia. Do exame e dos fenómenos analisam-se os períodos cromáticos, enfisematosos e colicuativos que são os subsídios científicos a recorrer em busca de respostas sobre a morte antes ou depois de ter sido posta na fossa.

Ora, a água da fossa fecal provocou algum avanço da coloração (cromático), sendo que nestes casos verifica-se algum atraso para que o corpus criminis entre em estado macrossômico. Deste modo, aos legistas ficaria a missão facilitada para exames sobre qualquer inundação pulmonar/fossas nasais, laringe, etc. Via de regra, o afogado em água doce apresenta inundação aguosa hipotónica nos pulmões, para além de uma absorção maciça de água (hemodiluição e hipervolemia) e existindo também uma libertação de potássio - hiponatemia dilucional, acidose mista e fibrilação ventricular com edema pulmonar fulminante.

Nestas condições a morte acontece em 2 a 4 minutos. O laudo médico declarou asfixia por confinamento como causa jurídica da morte da Carolina. Quer dizer que a vítima foi posta na fosse já morta. Pois os pulmões e a laringe apresentaram desinundação aquosa, mas com rastros de não ter havido inovação do ar respirável.

Sangue no quarto? Ora, o luminol (5 amino, 2, 3 di-hidro-1, 4 - ftalazinadiona), obtido através do ácido 3- nitroftálico para o rastreio das salpicaduras de sangue espalhado pelo corredor após o golpe seria a ferramenta indispensável para densificar as explicações sobre golpes por Olívio.

PORQUE MATAMOS!?

A motivação do por que matar os outros apresenta N explicações: sabemos que alguns autores de crimes aderem as práticas criminais por motivação económico-financeira; outros ainda, por motivação de interesse invencível ou uma primitiva fascinação pela morte; há aqueles que matam por pura vingança/raiva e um descarregar de nervos acumulados ao longo do tempo, ou mesmo uma pura disfunção da serotonina e possível queda ou acumulação do cortisol.

Outrossim, mata- se por domínio e poder, espécie de demonstração de poder por parte do chefe/parceiro, são tipos de pessoas que pensam que têm poder, ameaçam os outros de executá-los e, caso não cumpram o que lhes dizem, matam num piscar de olhos.

CIÚME E DOENÇA MENTAL

Na prática clínica, diante da pessoa com preocupações de ciúmes é importante avaliar a proporção, adequação, racionalidade e eventual carácter delirante dessas preocupações, assim como o grau de sofrimento que tais preocupações acarretam. O grau de sofrimento costuma ser directamente proporcional ao carácter patológico. Quer dizer, se deve buscar um entendimento psicopatológico do sintoma e diferenciar se o mal tem origem em ideia obsessiva, prevalente ou delirante.

Na mesma senda que é fundamental avaliar o grau de crítica do indivíduo em relação à essas preocupações. Avaliam-se, também o grau do trabalho, a vida conjugal, o laser e a vida social, o risco de actos violentos e a qualidade global de interações e relacionamentos com os outros. Destas avaliações será possível compreender que as obsessões podem acompanhar outros quadros psiquiátricos como, depressões, demências, esquizofrenias, etc.


Olívio tem coordenação linguística no seu discurso (sem logorreias nem tão pouco ecolalias), sem fugas nem elações retóricas, tem ciência e consciência do acto cometido, está orientado e sem memórias lacunares pronunciáveis ao longo da entrevista. Existem putativos infusos de ausência de carácter, pois carácter é o quanto alguém respeita o outro.

Na ausência de carácter o indivíduo não tem empatia pelo próximo. Daí inferir-se, defeito no lobo frontal do cérebro que provoca intervalos de tempo desajustados. Quer dizer, existiam intervalos de tempo em que Olívio sentia admiração superficial pelos outros, respeitava-os, era boa gente, lúcido, empático, mas noutros momentos, estes bons valores prossociais quarentenavam-se e caía num vazio racional.

Portanto, apoiando-se aos subsídios da literatura Psicopsiquiatrica, Olívio não é definitivamente doente, apresenta sim, infusos de transtorno emocional do espetro obsessivo compulsivo, com alterações de carácter, embora futuros exames psiquiátrico-forenses possam possivelmente aduzir quadros psiquiátricos adicionais. De qualquer das formas, nos quadros retromencionados (excepto os da demência e da esquizofrenia), Olívio é juridicamente imputável.


*Investigador PostDoctor em Direito Processual Penal
- Doutor em Criminalística e Ciências Forenses/Mestre Inteligência Criminal


BIBLIOGRAFIA

Alcosta Berdinardinel (2000). Mortes de por vingança. Armas. SP: edições Brasília Asinaria, Sec. III (254-184) - 1991: Enciclopedea. Acts, London: Oxford
Bilbia Sagrada (1990): Extratos de textos comentados. SP: Atlas
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