Luanda - O artigo é uma contextualização das palavras proferidas pelo professor e historiador brasileiro Leandro Karnal em uma das suas palestras em que afirmou que “não existe país no mundo em que o governo seja corrupto e a população honesta, ética e moral; de igual modo não existe país no mundo em que a população seja corrupta e o governo honesto, ético e moral.” Para o Prof Karnal a questão é simples: se o governo é corrupto é porque existe sociedade corrupta. Não é possível a coabitação de uma sociedade honesta, ética e moral com um governo desonesto, imoral e corrupto.

Fonte: Club-k.net

O que aconteceu em 2017 foi a aceitação e confissão pública, por parte do regime instalado, da existência de vícios e práticas de corrupção e suas ramificações dentro das suas fileiras e que lesavam os interesses da grande maioria dos angolanos e da soberania do próprio Estado. A prática da corrupção não se limitou aos roubos e desvios de milhões de dólares do erário público mas transformou-se essencialmente num sistema de manutenção do poder político e de (des)governação, que domina e perdura em todo o território nacional, a mais de 42 anos.


Activistas da sociedade civil, políticos e académicos que denunciaram estas práticas foram rotulados pela mídia pública como antipatriotas, golpistas, elementos da oposição agentes ao serviço de interesses estrangeiros e inimigos do “povo.” Muitos foram perseguidos, excluídos politica, económica e socialmente, e outros foram levados à tribunal e julgados de forma injusta, vergonhosa e politicamente encarcerados. Os sistemas de justiça e segurança parecem estar hoje na contra-mão da história e está tudo surrealista demais para acreditarmos no que aparentemente está a acontecer. Durante 42 anos, a corrupção tonou-se uma epidemia política, económica e social, que se transformou no modus vivendi de toda a sociedade e modus operandus de governação.


A nova agenda política de luta contra a corrupção assaltou todos os setores da vida pública com constantes debates nos meios de comunicação (rádio, televisão, jornais, redes sociais) nos táxis e mercados. As crianças Angolanas conhecem o que a corrupção e hesonestidade para suas vidas: empobrecimento, degradação da qualidade de ensino, roubo da merenda escolar, hospitais sem medicamentos e elevada taxa de mortalidade materna-infantil, falta de água, energia eléctrica e saneamento básico, falta de habitação condigna mínima, ou seja, comprometeu a sua infância e condicionou o seu futuro. Uma governação desonesta e corrupta é na sua essência uma entidade de pessoas sem alma e sem coração.


No contexto específico de Angola não podemos separar o problema da corrupção com o sistema político e de governação. O Prof Karnal afirma que “não pode existir governo corrupto e sociedade ética e moral.” Nos últimos 42 anos estabeleceu-se em Angola uma ideologia e cultura de corrupção moral e ética que fomentou a desconfiança, a intriga, a mentira, acusações, a manipulação, a inveja e o ódio. Foi neste campo fértil em que os governantes promoviam estas maldições entre os Angolanos que a grande corrupção do colarinho branco encontrou espaço e desenvolveu-se. A sociedade Angolana ficou totalmente contaminada com ódios políticos, mentiras e manipulações, ingredientes necessários para o livre-trânsito dos vícios e práticas de corrupção cujas consequências nefastas enfrentamos hoje e enfrentarão os descendentes da grande maioria da população empobrecida, excluída e reprimida.


A sociedade Angolana está contaminada por inúmeras práticas e vícios que alicerçaram politicamente a corrupção e o roubo, dentre as quais destacamos apenas as seguintes:


1. A demência da vergonhosa e inglória guerra civil que deliberadamente fomentou preconceitos e o surgimento de grupos de oportunistas e bajuladores profissionais que na futilidade das suas vidas usam a intriga e a acusação política partidária como meio de sustento e destruição de outros Angolanos;


2. A institucionalização da política de desconfiança e do medo que divide famílias, amigos, vizinhos, colegas, com o único propósito de dividir para poder “roubar.”


3. A venda fácil e leviana de (des)informação, favores, serviços especiais e privilegiados, e tráfego de influência, como forma de aquisição de bens materiais e ascensão à posições imerecidas como forma de gratificação do serviço indevido prestado, mesmo não tendo qualificações académicas nem competências profissionais;


4. O nepotismo e o tribalismo patológico generalizado, usado pela demência da conjuntura da guerra civil como arma de identificação e destruição de todas as pessoas que têm pensamentos e posições diferentes do poder político estabelecido;


5. A política de governação de exclusão sistemática da função pública de todo Angolano não- afiliado ao poder partido-estado;


6. O empobrecimento sistemático e deliberado da grande maioria da população como forma de subjugação e dominação colonialista; e


7. A indiferença, insensibilidade e o desprezo como pensamos e tratamos da pobreza, da miséria e do sofrimento dos outros Angolanos.


Pode até parecer ser muito fácil combater-se a corrupção do colarinho branco de minorias bem identificadas e localizadas que absurdamente ostentam os espólios da rapina. É muito fácil hoje qualquer cidadão aparecer nas redes sociais, jornais, rádio e televisão e chamá-los de gatunos e bandidos. É muito fácil acusarmos um polícia, um oficial de trânsito, um enfermeiro ou professor de corrupto porque estes são figuras mais frágeis do sistema público. A verdade é que a corrupção está impregnada em todos os segmentos da sociedade de uma forma ou de outra. Podemos não ter tido a oportunidade de roubar milhões, porém, a nossa moralidade, ética e honestidade não está acima dos que roubaram.


Não é difícil prender os governantes que roubaram e empobreceram o povo. O mais difícil é ter-se a vontade e convicção política de o fazer com todas suas consequências. Mas, o mais difícil ainda é reconstruir uma nova sociedade completamente liberta de toda demência, vergonha e inglórias da guerra civil e de todos os elementos nefastos que permitiram a pilhagem sem medidas do erário público. A sociedade Angolana necessita de construir com urgência uma nova cultura ética e moral, de honestidade e respeito pelo erário público que nos são confiados. A cultura da identificação e eliminação do inimigo que perdura há 42 anos só permitiu que o roubo e a corrupção se tornassem a única e a melhor forma de governação do país.


Enquanto exigimos dos governantes honestidade, moral e ética na gestão dos bens públicos é importante que a sociedade, os cidadãos conscientes comecem a quebrar todas as estruturas políticas, económicas e sociais que permitiram tanta ganância, egoísmo e irresponsabilidade na governação. Não existem garantias nenhumas que estes vícios e práticas ensaiados e aperfeiçoados durante 42 anos não continuarão. Na história da humanidade só conheço um ladrão que livremente se prontificou a devolver tudo e um pouco mais o que roubou dos pobres, Zaqueu o Publicano, porque tinha se encontrado com Jesus. A devolução voluntária ou coerciva dos dinheiros roubados passa em primeiro lugar pela transformação do coração e da mente daqueles que praticaram estes crimes contra a humanidade. Poderemos ter as cadeias superlotadas de pessoas que roubaram dinheiros públicos, sem terem devolvido um tostão dos milhões de kuanzas, dólares e euros roubados.


A participação da grande maioria do povo angolano empobrecido, excluído e colonizado pela corrupção não pode ser limitada às campanhas eleitoralistas e populistas quando se necessita do seu voto para a manutenção do poder e dos privilégios que sustentam a corrupção. O povo tem o direito de saber a verdade para poder decidir conscientemente e não manipulado.


Finalmente, parafraseando o Prof Karnal e tendo em consideração toda esta repugnante onda de acusações e factos de corrupção e enriquecimento indevido, está mais que evidente que os processos eleitorais em Angola têm sido sempre a escolha entre Jesus Cristo e Barrabás, o ladrão. O povo enfeitiçado e manipulado pelas mentiras, insinuações e intrigas da casta farisaica e cego pelas promessas populistas e enganosas “opta” por escolher Barrabás, o ladrão e crucificar Jesus Cristo. A luta contra corrupção nunca poderá ser verdadeira e honestamente combatida e muito menos vencida pelo mesmo regime que planificou, promoveu e sustentou este comportamento nefasto e desumano. O povo Angolano enganado, empobrecido e excluído é que tem de assumir este combate porque é uma necessidade urgente de curar a sociedade para sua digna sobrevivência e dos seus descendentes. É urgente que o governo aprenda a capacitar os cidadãos a combaterem a corrupção moral, ética e material.


Elias Mateus Isaac

Activista Cívico