Luanda - Nos últimos dias temos ouvido grande parte da sociedade, maioritariamente leigos em matérias jurídicas (não entendamos leigos como sendo uma expressão pejorativa, pois todos somos leigos em alguma matéria) usando expressões como as seguintes:

Fonte: Club-k.net

- Se conduzires em estado de embriaguez agora, podes apanhar até 5 anos;


- A moldura penal dos Crimes de Violação foi agravada;

- O novo Código Penal é mais rígido e adequado ao nosso contexto actual;

- A pena máxima agora é de 35 anos, etc.;

Estas expressões são proferidas como se o novo Código Penal já tivesse existência e, quando falamos em existência, nos referimos à existência no sentido técnico-jurídico, mas para melhor compreensão dessa afirmação é necessário aquilatarmos bem os conceitos. A Lei é no Estado Moderno a principal fonte de Direito e, neste sentido para que as leis possam cumprir efectivamente com os seus desideratos e fazerem parte de um determinado Ordenamento Jurídico é necessário cumprir com um ITER, isto é, um caminho que comporta quatros (4) fases:

1- Iniciativa Legislativa: esta fase pode ser exercida pelos Deputados, pelos Grupos Parlamentares e pelo Presidente da República (doravante designado por PR), (art. 167 n.° 1 CRA), bem como Cidadãos Organizados em Grupos e Organizações Representativas (art. 167 n.° 5 CRA). Em função do órgão proponente, a iniciativa legislativa reveste três formas:

Pelos Deputados ou Grupos Parlamentares, esse acto reveste a forma de “ Projecto de Lei “ (art. 167 n.° 3 CRA), ao passo que a iniciativa do PR reveste a forma de “ Proposta de Lei “ (art. 167 n.° 4 CRA) e, a iniciativa legislativa referente ao novo Código Penal foi apresentada ao abrigo da al. e) do artigo 164, da al. d) do n.° 2 do artigo 166, e dos n.os 1 e 4 do artigo 167, todos da Constituição da República de Angola (doravante designada por CRA), sob a forma de Proposta de Lei. A matéria em causa está sujeita à reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia Nacional, nos termos da al. e) do artigo 164 da CRA e deve ter a forma de lei (em sentido formal) isso que também decorre do próprio princípio da legalidade e intervenção penal (por esse facto alguma doutrina defende a inconstitucionalidade das normas penais extravagantes). Sendo a iniciativa legislativa exercida pelo Executivo, decorre dos n.os 1 e 4 do artigo 167 da CRA que o diploma reveste a forma de Proposta de Lei. Pelo que é de se afastar as vozes que defendiam a inconstitucionalidade de tal acto pelo facto de ser uma matéria de competência absoluta da Assembleia Nacional.
Cabe dizer que não obstante ser matéria de competência absoluta da AN, o PR pode propor para posteriormente a AN legislar e, por último, temos os Cidadãos Organizados em Grupos e Organizações Representativas cuja iniciativa reveste a forma de Propostas de Projectos de Iniciativa Legislativa (caso ainda não verificado).

2- Discussão e Aprovação pela AN: A discussão e aprovação dos Projectos ou Propostas de Lei decorre num primeiro momento na generalidade (Discussão e Aprovação na Generalidade), isto é, nas grandes linhas que informam os fins que a mesma intenta promover. Se a votação for favorável, isto é, se for aprovada, seguir-se-á para a segunda etapa (Discussão e Aprovação na Especialidade) em Comissões Especializadas em função da matéria que incide sobre cada um dos artigos na linguagem vulgar “ artigo por artigo “ que a compõem. Neste momento é permitido aos deputados apresentar propostas de emendas ao texto, sugerindo modificações, supressões ou aditamentos. Concluído os trabalhos na especialidade, deverá o texto ser de novo apresentado à Assembleia Nacional para a Votação Final Global (e o novo Código Penal obedeceu a tais requisitos tendo tido 155 votos a favor, 1 contra e 7 abstenções).

3- Promulgação: Depois de aprovado, o diploma é remetido para o Presidente da República que tem 30 dias para promulgar após a sua recepção (art.124 n.° 1 CRA). A promulgação é o acto solene através do qual o Presidente da República( enquanto Chefe de Estado art. 119 al. r) CRA) afirma a existência da lei e ordena o seu cumprimento, passando a mesma a fazer parte do Ordenamento Jurídico Angolano, pelo que a falta de promulgação de uma lei tem como consequência a sua inexistência jurídica, o que significa que o novo Código Penal ainda não existe no sentido técnico, ou seja, ainda não faz parte do Ordenamento Jurídico Angolano e consequentemente não poderá ser aplicado pelos tribunais nos casos colocados a sua apreciação.

4- Publicação: A última fase do processo de criação das leis consiste na sua publicação no Diário da República (Jornal Oficial do País), pois só assim a mesma se torna obrigatória( art. 5 n.° 1 Código Civil). Essa obrigação que tem por base o Princípio da Segurança e Certeza Jurídica dos cidadãos. O mesmo pretende servir de valor de boa-fé nas relações entre o Estado e os particulares, da regularidade e previsibilidade de toda actuação estatal e da protecção das expectativas legitimamente sedimentadas pelos cidadãos. A consequência da falta de publicação das leis é a sua Ineficácia Jurídica, o que quer dizer que depois de promulgado, o novo Código Penal deve ser publicado em Diário da República sob pena de Ineficácia Jurídica.


Mas mesmo depois de ser publicado não significa que o mesmo entrará logo em vigor. O início da sua vigência dependerá do que o próprio diploma dispuser(art. 5 n.° 2, 1ª parte do Código Civil) poderá entrar em vigor à data da sua publicação ou poderá entrar em vigor em data posterior.


Esse período que decorre entre a data da publicação até a entrada em vigor da lei chama-se “ vacatio legis”. No entanto, poderá acontecer que a lei nada diga relativamente a sua entrada em vigor, e nesse caso faz-se recurso à Lei n.° 7/14 (Lei sobre Publicações Oficiais e Formulários Legais), por imperativo do (art. 5 n.° 2 CC in fine) que no seu (art. 4 n.° 2 da L7/14) ilustra que na falta de fixação de tais diplomas entram em vigor após a sua publicação:


Luanda- 4 dias;
Nas outras províncias - 15 dias; No Estrangeiro - 30 dias após a sua publicação.

De uma forma lacónica, tiram-se as seguintes ilações:
- Quem beber e conduzir não comete um crime.
- A pena máxima continua sendo de 24 anos.

Por outras palavras queremos dizer que até ser promulgada e publicada a lei que aprova o Novo Código Penal, o Código vigente continua sendo o de 16 de Setembro de 1886.

Obras de Referência:

ANTÓNIO DOS SANTOS JUSTO, Introdução ao Estudo do Direito, 4.a, Coimbra, Coimbra Editora,

JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito. Introdução e Teoria Geral, 13.a edição, Coimbra, Almedina, 2016;

Sites:

https://pt.m.wikipedia.org/ Promulgação

Artigos:

Proposta de Lei que Aprova o Código Penal