Luanda - Há provas das enormes crateiras que deixou na carteira de crédito do BESA, empurrando o banco para a estrondosa implosão que sofreu. Na recente entrevista que concedeu à revista portuguesa Visão, Álvaro Oliveira Madaleno Sobrinho ampliou, até à rouquidão, os lamentos e gemidos dos seus “segundos compatriotas”. “Isto foi um assalto. Roubaram 3 mil milhões de euros aos portugueses”, declarou o banqueiro luso-angolano à publicação. E Sobrinho fez mais: ampliou também as denúncias que havia feito noutra entrevista, à Televisão Pública de Angola (TPA), altura em que alijou todas as responsabilidades pelo colapso estrondoso do BESA, declarando que foram “decisões políticas” a determinar a sua falência.

Fonte: JVisao

Como é sabido, a comissão liquidatária do Banco Espírito Santo de Portugal diz ter perdido 3 mil milhões de euros em Angola – decorrentes de dívidas não ressarcidas pelo capital injectado para o fortalecimento do BESA – quando em assembleia-geral extraordinária, realizada na manhã de 29 de Outubro de 2014 no Hotel Epic Sana em Luanda, ficou sem a posição de accionista maioritário (55,71%) que detinha na sua filial angolana que acabou entretanto transformada numa nova entidade – o Banco Económico, em cuja estrutura societária a parte portuguesa é agora minoritária.


Entre choros e lamentos, porém, o facto que começa a ficar cada vez mais visível é que Álvaro Sobrinho – que resolveu transformar-se numa espécie de garganta funda, em busca provavelmente dos proventos de uma ‘delação premiada’ – tem andado a sonegar informação sobre as responsabilidades directas que ele mesmo teve na implosão do BESA. Astuto, o banqueiro trata de dizer apenas o que bem lhe convém, com o que tem vindo a enrolar e enganar, indistintamente, angolanos e portugueses.


O que deve ser dito, na verdade, é que muitos dos prejuízos que alegadamente os portugueses acumularam em Angola tiveram concurso, activo e directo, do próprio Álvaro Sobrinho. Mas este, sorrateiramente, tem conseguido, até ao momento, escapar de qualquer responsabilização, criminal ou cívica, das acusações que lhe vêm sendo assacadas de ter gerido de forma ruinosa e malbaratado, em proveito próprio, os fundos do BESA durante os anos em que esteve na presidência desse apêndice que o Grupo Espírito Santo criara em Angola em 2001.


Não foi por acaso, aliás, que Álvaro Sobrinho foi defenestrado de todos os cargos de direcção no BESA em Junho de 2013. Há muito que haviam sido detectadas crateiras enormes na carteira de crédito do banco. E o facto é que Sobrinho nunca logrou explicar devidamente, quer aos accionistas angolanos quer aos seus superiores portugueses, essa situação que acabou por transformar o BESA num poço de riscos elevados para a própria instituição bancária e para os seus clientes, para o sistema bancário nacional e até para o Estado angolano.

Custa até a perceber que ele se tenha escapulido quando foi apertado pela justiça portuguesa no âmbito do processo judicial despoletado com a hecatombe do Grupo Espírito Santo em Portugal; e até das autoridades bancárias e judiciais angolanas, estes que na verdade jamais o molestaram.


A verdade é que, em toda esta saga, é fácil concluir que há vários mentirosos; e um dos que têm as pernas mais curtas é justamente Álvaro Sobrinho. Pelo que até custa a acreditar que ninguém ainda o tenha apanhado e encalacrado como deve ser, dando-se o homem ao luxo de ultimamente passar a vida a atirar pedradas para cima dos outros, quando ele mesmo tem o telhado perigosamente envidraçado.


Há realmente inúmeras evidências de que Álvaro Sobrinho está longe de ser um santinho. O banqueiro até pode escudar-se, como tem vindo a fazê-lo, que elementos influentes do poder que gravitavam em torno do anterior PR José Eduardo dos Santos – o mesmo que autorizara a concessão de uma garantia soberana de USD 5,7 mil milhões para evitar o colapso do BES – atiraram-se aos cofres do BESA como se fosse a casa da mãe da Joana sem que ele, na condição de PCE, pudesse evitá-lo; mas o facto é que não se livra da acusação de ele próprio se ter apropriado de dinheiros do banco de que era o administrador número 1.


Este é, de resto, o ponto mais fraco de Álvaro Sobrinho. Aquele onde terá cometido vários deslizes que acabaram por expô-lo. Mesmo sendo um matemático de reconhecidos créditos e especializado em ciências actuariais – atributos de resto que favoreceram decisivamente a sua escolha para CEO do BESA –, Sobrinho acabou deixando pegadas visíveis no terreno, comprovando que fez de algumas empresas suas ou associadas à sua família – os Madaleno – plataformas para a realização de diversas operações de transferência sem cobertura e depósitos de dinheiros à guarda do banco que presidia para suas próprias contas.


O Club-K teve acesso a alguns extractos de movimentos de conta que constituem exemplos de parte do ‘modus operandi’ utilizado pelo banqueiro luso-angolano para ‘raspar’ os cofres do BESA. Detectou-se que, só no período que foi entre Maio de 2010 a finais de 2011, foram parar a contas tituladas por Álvaro Sobrinho um montante em torno de USD 15 milhões, depositados directamente, em numerário, por empresas como a Govest –Empreendimentos, SA, com escritórios em Luanda, na Rua Comandante Valódia no 79, e a Ocean Private Limitada, esta sedeada no 9o andar de um edifício localizado na rua Marechal Josip Broz Tito, nos 35 e 37, da zona de Alvalade.


Parcelarmente, tais movimentos em favor do banqueiro luso-angolano corresponderam a cerca de USD 12 milhões apenas por conta da Ocean Private, enquanto os restantes USD 3 milhões constituíram depósitos da parte da Govest- Empreendimentos SA. Relativamente à Ocean Private, de resto, está mais do que comprovado que se trata de uma empresa que integra o portefólio empresarial da família Madaleno, ao lado, entre tantas outras, da ANJOG-Participações e Serviços Lda, bem como da Pershing, da Newbrook Internacional inc. e da Pineview Overseas; esta última, uma offshore que se sabe ser dona da Newshold, detentora da ‘Sol’, uma publicação lusa.


Em mais um exemplo das operações bancárias fraudulentas de Álvaro Sobrinho em proveito próprio, tem-se que, a 11 de Agosto de 2009, as acima aludidas Pershing e ANJOG-Participações e Serviços, foram utilizadas pelo banqueiro luso-angolano como cavalos de Tróia de uma transferência internacional sem cobertura, que envolveu o Credit Suisse AG, no montante de USD 3 milhões e 140 mil (3.140.000,00). A ANJOG, com escritório-sede na Rua Nicolau Gomes Spencer, Bairro Maculussu, em Luanda, ordenou a transferência da referida soma, via Credit Suisse, de que foi beneficiária a Pershing, outra offshore dos Madaleno.


Noutra movimentação internacional irregular de fundos do banco, a 21 de Novembro de 2011, foi Álvaro Sobrinho, agora directamente, quem ordenou a transferência, sem cobertura, de USD 674.750,00 de que ele foi próprio foi beneficiário em Lisboa.


Recorde-se que quando o BESA bateu no fundo, em Dezembro de 2013, num memorando sobre a situação patrimonial do banco (já sem Álvaro Sobrinho), a nova equipa de gestão fazia alusão a uma “grave situação patrimonial”, considerando mesmo que tal situação resultava da “detecção de uma fraude ao nível da sua carteira de crédito e do seu portefólio de activos imobiliários”.


O memorando indicava, concretamente, que aquele que era então o segundo maior banco em Angola em dimensão de activos abeirava-se da hecatombe exactamente porque realizara, desregradamente, créditos e transferências de recursos que eram grosso modo irrecuperáveis. Nisso, uma parte substancial das transferências tivera como destinatário final empresas aparentemente relacionadas ou pertencentes a Álvaro Sobrinho, num montante aproximado de USD 700 milhões.


Mais: de acordo com o memorando, Álvaro Sobrinho tratara de criar um sistema para apagar as pistas de quaisquer irregularidades, eliminando os mecanismos de controlo interno. “Tudo aponta para um caso de fraude e não apenas de negligência ou de má gestão, uma vez que o sistema de controlo interno e de aprovação de crédito foi eliminado para que estas funções não pudessem identificar as práticas abusivas aqui relatadas”, indicava o documento, pondo em relevo que existiam evidências que muitos dos financiamentos “eram aprovados por apenas uma pessoa”, sem serem submetidos à aprovação do Conselho de Crédito ou da Comissão Executiva, sendo executados por uma área de operações segregada.


Alguns financiamentos não eram incluídos no report obrigatório do BNA e as operações que deviam ser relatadas ao banco central angolano e à casa-mãe (BES) “não espelhavam a situação real das mesmas”, além de que não “eram sujeitos a auditoria interna ou externa”, situação que, de acordo com o memorando aqui compulsado, era atestada pelos recorrentes pedidos de informação efectuados pelo BNA e pelas reservas incluídas em pareceres de auditoria realizados pela KPMG, aludindo em concreto à impossibilidade de se pronunciarem sobre a carteira de crédito exactamente por falta de informação aos auditores.