Luanda - O ambiente político que predomina em Angola é singular para quem gosta de ver filmes de ficção que remete as suas personagens para o futuro. A sucessão dos factos e a mutabilidade dos seus protagonistas tornam os acontecimentos tão hilariantes como surreais. É claro que, há pouco mais de dez anos, muitos amantes de futurologia já previam o actual cenário em que os erros e os acertos de José Eduardo dos Santos estariam sobre a balança. Mas duvido que os cálculos tenham sido tão hiper-realistas como agora.

Fonte: Club-k.net

VÍTIMAS DE COMBATE À CORRUPÇÃO

Para a fúria de muitos da geração dos anos 60 e 70 que assistiram à crueldade de um certo guerreiro, hoje, JES é colocado ao nível de Jonas Savimbi, um sanguinário sem igual cuja morte determinou o fim da guerra em Angola. Houve festa em todo o lado, após a sua morte e, no calor do alívio e sossego, José Eduardo dos Santos foi considerado, pelos próprios seguidores de Savimbi, um homem sensato, humanista e patriota.

 

Ao invés de encarar este acontecimento como a chave de ouro do fim da sua acção política, JES, aconselhado pela prole e oportunistas, percebeu todas as glórias como a licença para continuar a governar e mostrar que a guerra fora o obstáculo ao desenvolvimento de Angola e ao bem-estar dos angolanos. À faixa de Arquitecto da Paz e Promotor da Reconciliação Nacional quis acrescentar a faixa de Reconstrutor. Como um raio da chuva novembrina, a glória foi efémera e não tardaria para o seu nome aparecer como ditadores nos cartazes negros de meninos ávidos por fazer história. Engoliu o veneno com o apoio da sua segurança e as portas para o exterior ficaram encerradas e o seu brilho se esvaía no horizonte.

 

Tal como o seu arquirrival, Jonas Savimbi, que, a partir de 1992, não soube interpretar os sinais dos tempos, JES atropelou um princípio estratégico importante: “saber parar sobre as vitórias”. Napoleão Bonaparte, Oliveira Salazar e Adolfo Hitler, só para citar estes casos extravagantes, violaram este princípio e tiveram um fim desastroso. Em política, o fim tem preponderância sobre o princípio e o meio e não o inverso, tendo em conta a fragilidade e a selectividade da memória colectiva.

 

Como resultado desta teimosia de JES sobre a força do tempo, o MPLA foi empurrado para um dilema semelhante ao da pedra preciosa nos órgãos vitais do bebé querido – ou deixa a pedra no organismo do bebé e o povo morre de fome ou abre a barriga do bebé causando a morte desta e salva o povo. Dito de outra forma, o combate à corrupção, eleito como a grande bandeira do manifesto eleitoral do MPLA, coloca em xeque a seriedade do Governo de JES e ofusca o brilho deste, já que a descoberta de monstruosidades decepciona os antigos admiradores. Mas o MPLA tem de escolher entre o seu derrube e a morte política do seu bebé precioso e deixar que o tempo se venha a encarregar do resgate do Arquitecto da Paz.

 

Afinal, o vocábulo corrupção passou, nos últimos dez anos, a dominar o léxico político angolano. A oposição somava pontos, porque os efeitos da corrupção galopante eram tão evidentes quanto ofensivos para a maioria dos angolanos e, inclusive, para os militantes do próprio MPLA. José Eduardo dos Santos chegou a decretar “Tolerância Zero” e promoveu a aprovação de uma lei de probidade administrativa, cujos efeitos foram opacos. Havia um vazio de poder. O leme do Estado perdia a direcção do vento, ante uma doença grave de que todos os governos longínquos padecem: perda de autoridade. Há muito que JES perdera os pedais do poder e se fazia guiar pela força das ondas.

 

O centro de gravidade pairava entre a família, a sua segurança e os bobos da corte. Era uma aristocracia mais próxima da monarquia, onde a nudez do rei era celebrada com o sacrifício do plebeu. O rei já não governava nem sequer conhecia a máquina sobre a qual era posto como motineiro. Não é por acaso que os seus discursos retratavam outro planeta. As palavras eram-lhes postas na boca. Isso estava evidente quando falasse da corrupção, mesmo ladeado pelos corruptos, e quando tentou dar outra definição ao nepotismo.

 

O maior erro de JES foi ter pensando que era eterno e feito de aço. Ou por se convencer que os seus filhos eram a sua perfeita personificação.

 

JES não foi traído por nenhum bajulador, como se procura fazer crer. JES foi traído pela própria prole e parentes. Um exercício simples e honesto levar-nos-á a esta conclusão. Tentem, caros amigos, prestarem atenção aos áudios da M2 (Tchizé dos Santos) em reacção às declarações de Salokombo e Bica.

 

Olhem só para o império financeiro e respectivas parcerias da M1 (Isabel dos Santos). Lembram-se de como alguns ministros das Finanças foram exonerados por desobedecerem às ordens dos dois filhos mais velhos (Zenu e Córion Dú)? Como é que a M1 se fez a mulher mais rica de África? Por que concurso a Cimangola passou para as mãos do marido da M1? Como é que a melhor produtora de televisão em África conseguiu kafrikar o canal 2 da Televisão Pública? Como é que a Semba (empresa da M2 e irmão) ganhou o direito de desbaratar o dinheiro de Estado através do Grecima? Lembram-se como os ministros eram obrigados a organizar e participar nos eventos organizados pelos filhos – como conferência sobre marcas, gala de 35 graus, entre outros?

 

Quem subsistiria politicamente sem ganhar a simpatia dos filhos? Para transpor as muralhas do poder era preciso ter uma senha de acesso cedida pelos filhos e outros graúdos próximos da família. Quantos não terão recorrido quimbandas para ver se conseguissem cair na simpatia da primeira família? Pois, bastava isso para se conseguir o passaporte em direcção ao pote de mel ou ao país das maravilhas.

 

É uma pena que a M1 e a M2 não reconheçam que foi a sua família que criou os macacos e os ratos de laboratórios. Grande parte de mercenários políticos, muitos deles arrastados até ao MPLA, foi criação da M2. Querem provas? É só olhar para os kamikazes que se viraram contra o actual presidente do MPLA.

 

A táctica continua. Apenas mudou o alvo. Se, por um lado, a M1 montou a máquina propagandística para produzir a sua imagem de santa preocupada com a pobreza dos jovens angolanos – quem diria! -, por outro, transformou-se num activo tóxico contra a actual governação do país. Sem moral, com objectivo de desencorajar a luta contra a corrupção, substituiu os opositores do seu pai - os 15+2, Rafael Marques e Graça Campos. Nalguns casos, fez aliança com os antigos detractores do pai para programas radiofónicos, manchetes bombásticas de um jornal bem conhecido e comentários televisivos contra o actual Executivo.

 

Os partidos de oposição têm o trabalho facilitado, porque o Governo sombra está mesmo próximos do MPLA. Não digo dentro, porque estes isoladamente não são o MPLA. Este partido tem uma direcção, embora tolere a rebelião de alguns militantes. Isso por si só não é prenúncio de nenhuma crise, mas manifestação de pluralidade que José Eduardo dos Santos não foi capaz de promover.

 

O exercício de M1 e M2 deve ser percebido e tolerado. Perder o brilho do sol e descer da primeira linha não são um pequeno azar. As duas estão conscientes de que já não são intocáveis, num país que já não é do Pai Banana.

 

A fumaça do fogo contra a corrupção enegrece o horizonte dessas baratas, porque as labaredas vão-se alastrando sobre toda a fazenda. Portanto, as baratas estão tontas e se atiram contra tudo e todos, complicando cada vez mais o seu percurso.

 

O que nos preocupa é que baratas tontas não conseguem prever os efeitos preversos dos seus actos. Quando pensam que estão a defender o pai, levam o nome do Arquitecto da Paz para lama.

 

Que tal se usassem o manual de incêndio dos bombeiros que orienta a andar de cócoras sempre que se estiver num lugar em chamas? Se a Tchizé e a Isabel se mantivessem caladas, fariam um grande favor ao MPLA que quer combater à corrupção e ao mesmo tempo manter a glória de José Eduardo dos Santos, enquanto Arquitecto da Paz e promotor de reconciliação nacional. É uma tarefa hercúlea num campo bastante competitivo como é o político. Mas é possível sem a afronta das baratas tontas. Estas têm dificuldades de perceber que JES não é património da família, mas do partido e do Estado. A inversão desta ordem levou este grande protagonista do século XX a pisar em terreno lamacento e vai com os sapatos sujos na sua caverna de repouso. Isso tudo porque os mesmos filhos que hoje lamentam, ontem, mergulhados na arrogância e na luxúria, passaram a ser os ouvidos e os olhos do pai. Só que se esqueceram que, ao contrário do nosso Arquitecto da Paz, elas têm os ouvidos e os olhos forjados nas ruas insensíveis de Londres e da América, onde a ostentação são sinónimos de grandeza.

 

Para o aumento da tontura das baratas, o Manifesto Eleitoral e o Programa de Governo do MPLA de 2017 não caem em águas paradas. São um projecto para ser executado com rigor, porque disso depende a sobrevivência política do partido governante.

 

A M1 e a M2, ao persistirem nessa sua saga estonteante, estão a trabalhar para o derrube do MPLA e a ascensão da oposição. Desenganem-se que a saída do MPLA do poder significará o regresso da elite eduardista ao pote de mel. Os factos demonstram cada vez mais que, nos últimos dez anos, Angola foi transformada num campo de máfia, com as duas à cabeça do gangue.

 

A verdade é que o combate à impunidade e à corrupção, um projecto lançado por JES - mas não foi capaz de o levar avante -, é um processo irreversível. É uma revolução que, de facto, vai “comer” os próprios filhos. Às baratas tontas e aos seus ratos de laboratório resta a conformação e a prudência sob pena de serem transformados em alimentos de macacos. Nessa luta contra a corrupção, parece-nos haver só um galho seguro: a humildade, o silêncio e a justiça.