Excelência Presidente da Assembleia Nacional,
Ilustres Membros da Mesa da Assembleia,
Auxiliares do Titular do Poder Executivo,
Dignos Deputados, Caros Jornalistas,
Angolanas e Angolanos,


A Constituição da República de Angola refere no seu artigo 104 – nº4, que compete à Assembleia Nacional e ao Tribunal de Contas a fiscalização da legalidade das finanças públicas, em condições definidas por lei, referindo a Lei do Orçamento Geral do Estado.


Diz ainda a CRA no seu artigo 162 que compete à Assembleia Nacional, no domínio do controlo e da fiscalização, alínea a. Velar pela aplicação da Constituição e pela boa execução das leis; alínea b. Receber e analisar a Conta Geral do Estado.


Também importa referir que o Art. 63 – nº6 da Lei do OGE diz que a CGE tem de ser apresentada à AN até 30Set do ano seguinte e portanto esta CGE de 2016 deveria ser apreciada e votada até 30 de Junho de 2018! Estamos assim a efectuar um exercício de apreciação da CGE fora dos prazos que a Lei impõe, portanto em desrespeito ao que a Lei obriga! A quem imputar responsabilidades? Naturalmente ao Executivo, que não pode permanentemente esperar desculpas de transição da governação! Até porque não estamos propriamente a falar de um novo governo! Estes atrasos têm consequências, nomeadamente ao não produzirem efeitos lógicos na preparação dos orçamentos subsequentes. E esta pratica contribui também para uma governação menos eficaz e menos transparente.


Com esta conclusão chamo a atenção que a CGE de 2017, deveria ter dado entrada nesta Assembleia até 30 de Set de 2018 e ser apreciada e votada até 30 Junho de 2019! Tal não vai ocorrer, a menos que queiram remeter e agendar em desrespeito à responsabilidade de uma avaliação cuidada dos seus conteúdos! Deste modo mais uma vez o executivo/governo está a desrespeitar o consignado na lei quadro do OGE e a não retirar do exercício da execução, as lições que se conjugariam para uma governação mais eficaz e mais transparente.


O ano de 2016 foi aquele em que a desaceleração da economia foi maior, e as suas consequências um verdadeiro desastre para os angolanos. Vejamos os resultados reais alcançados:

- de 34.800 empregos previstos, foram criados apenas 990;
b) de 11.000 km de estradas secundárias e terciárias previstas apenas foram alcançados 254km;
c) de 85.000 livros previstos produzir, apenas foram produzidos 1690;
d) previa-se reduzir a taxa de mortalidade por malária, para 15%, mas ela se situou em 39%;
e) previa-se distribuir mosquiteiros a 85% das mulheres grávidas a partir dos hospitais apenas foram atendidas 9%;


O impacto da política orçamental sobre o social foi desastroso, porque se nos ativermos ao facto de que, de janeiro a abril do ano cuja CGE se analisa o País viveu um verdadeiro drama com as mortes por febre amarela

 

De referir ainda que o Art 67 da Lei quadro do OGE refere “que os titulares das unidades orçamentais respondem política, financeira, civil e criminalmente pelos actos e omissões que pratiquem no âmbito do exercício das suas funções de execução orçamental, nos termos da constituição e demais legislação aplicável”!

 

Não posso deixar de referir que esta CGE vem acompanhada de um Parecer substantivo, do Tribunal de Contas! Enquanto o Relatório Financeiro da CGE contém 78 páginas, o Parecer do TC contém 385 páginas, inclusive com inúmeras ilustrações fotográficas da fiscalização efectuada. Muito interessante, porque nunca tal foi efectuado.


Mas entretanto algumas grandes discrepâncias foram assinaladas. Ao analisar-se a actual Conta Geral do Estado a pergunta que mais sobressai é: quantas Angolas afinal existem?! Pelos variados dados macroeconómicos existem no mínimo quatro: a Angola do Instituto Nacional de Estatística (INE), a Angola do BNA, a Angola do Tribunal de Contas (TC), a Angola do Governo, vulgo Executivo.


Nem sequer ao nível da CGE há consenso! Até o TC, solicitado pelo Parlamento para apreciar a CGE, tem a sua própria estatística e difere assustadoramente da estatística do Governo. Não seria exagero se afirmássemos que o Governo em si tem duas ou três Angola’s, entra em contradição consigo próprio, de documento a documento. As evidências são várias que não caberiam aqui neste espaço se tivéssemos que apresentar todas elas. Contudo, citamos alguns exemplos, para termos uma ideia da gravidade da situação:

 

1. O Produto Interno Bruto: 2016, que no âmbito da crise económica já se converteu num ano em depressão económica foi o mais difícil da economia angolana, não foi um ano recessivo sequer, pois, a avultada taxa negativa de 2,6% foi convertida pelo TC numa taxa positiva de 0,1%. O Governo, não obstante, ter considerado também 0,1% para efeitos de CGE, reconheceu a taxa negativa de 2,6% no documento mais recente e importante por si elaborado que é o OGE 2019. O INE, que é a instituição mais autorizada para dizer qual é a série histórica do PIB não reconhece os 0,1% de crescimento em 2016. Adoptamos qual dos indicadores?


2. Dívida pública em 2016: para o TC, o valor da dívida pública externa ronda os 7,3 bilhões de kwanzas, quando o Governo no seu Programa de Estabilização Macroeconómica (PEM) fala em 4,4 bilhões de kwanzas. Uma grande diferença! É sério isso? De realçar que o BNA também apresenta um outro valor para a dívida externa.

 

3. Reservas internacionais líquidas: o TC diz que de 24,6 mil milhões de dólares em 2015, as reservas sofreram uma queda brutal de 10,7 mil milhões de dólares atingindo, assim um valor baixo de 13,9 mil milhões em 2016. Para o BNA, entidade que controla as reservas internacionais líquidas, nesse mesmo período (2015 a 2016) a variação das reservas foi de apenas 372,4 milhões de dólares (1,5% da quebra referida pelo TC!), pelo que, em 2016 o nível de reservas continuou próximo dos 24 mil milhões de dólares, para o BNA! O Governo, não obstante citar o BNA como fonte, também tem o seu número, flagrantemente divergente!

 

Estamos a falar de problemas graves de transparência ao nível do Estado: graves, recorrentes e actuais. As reservas líquidas internacionais são um dos vários exemplos. Ou estamos esquecidos da recente troca de palavras entre o Presidente cessante e o Presidente actual em torno das reservas e também da Conta Única do Estado (CUT)? A equipa económica do actual Governo é a mesma que trabalhou com o Presidente cessante.
Voltemos ao PARECER do TC e às suas 385 páginas!!! Isso levanta sérias dúvidas sobre a pertinência, objectividade e qualidade do Parecer. Parece que o Relatório Parecer do TC também carece de um parecer! A trajectória seguida para a discussão da CGE precisa de ser alterada. A análise e pareceres sobre a CGE não pode depender do parecer do TC. A sociedade deve aceder ao documento na mesma altura que o documenta dá entrada no Parlamento. A não apreciação do TC não pode condicionar o debate. Pelo contrário, o TC irá fazer um melhor trabalho se especialistas e outros pareceres independentes puderem ser divulgados antes.

 

Ora estas discrepâncias acrescem e reforçam a importância da fiscalização da Assembleia Nacional. Torna-se assim oportuno trazer a esta sede a realidade actual, onde continuam a existir limitações à condição fiscalizadora da Assembleia Nacional, por efeito do Acórdão nº 319/2013, do Tribunal Constitucional. Ora é mais do que tempo de assumir coerência entre os discursos, as vontades e os actos políticos.


Aqui nesta mesmo sala Plenária, Sua Excelência o Presidente da República apelou para que a Assembleia exercesse a sua acção fiscalizadora sobre a governação. Também em sede do seu partido, apelou a que os seus membros fiscalizassem os seus actos! Assim sendo e por imperativo constitucional, fará muito mais sentido devolver aos deputados a plenitude do seu mandato, e portanto, a plenitude da sua acção fiscalizadora. Com esse propósito o Grupo parlamentar da UNITA tomou a iniciativa de trabalhar um documento que remeteu a todos os grupos parlamentares, para, partindo do pressuposto de que estamos todos imbuídos da mesma vontade, subscrevermos também todos, o documento a solicitar ao Tribunal Constitucional a reavaliação daquele dispositivo limitador da acção fiscalizadora da Assembleia Nacional e com essa acção resgatarem a imagem muito negativa que impende sobre as nossas instituições, com decisões como esta que atentam a condição de um Estado que se pretende Democrático e de Direito!

 

Essas limitações têm-se conjugado para fazer passar os enormes e escandalosos assaltos ao erário público, ocorridos no passado recente, que esperamos não prossigam hoje; que colocaram os angolanos na actual situação de sofrimento, de desemprego, de elevado número de mortes, elevado número de crianças e outros alunos fora do sistema de ensino, que permitiram a transferência de património público para interesses privados, que permitem e continuam a anular a eficácia dos institutos vocacionados à garantir uma governação democrática!


É chegada a hora de Vossas Excelências, membros desta Assembleia, bem como do Titular do Poder Executivo, tomar posição sobre de que lado de facto está: o de abraçar o papel fiscalizador da Assembleia Nacional ou o de manter este Órgão de Soberania amarrado a decisões inconstitucionais, com o objectivo de evitar o controlo e a fiscalização da governação.


O Grupo Parlamentar da UNITA amanhã iniciará a subscrição do documento a enviar ao Tribunal Constitucional.


Com este resgate da acção fiscalizadora da Assembleia Nacional queremos ver esta Assembleia a formalizar as Comissões Parlamentares de Inquérito que continuam absolutamente válidas, como o caso BESA, a CPI à Sonangol, ao Fundo Soberano e à não menos importante, à Dívida Pública, resgatando assim fundamentais disponibilidades financeiras para investir em programas de recuperação económica e social do nosso país.


Deixo de seguida uma razoável quantidade de outras constactações verificadas na CGE2016 e que permitirão evitar iguais erros nos documentos sequentes:


. Em 2016 tal como em 2015 não houve previsão de Receitas a nível das Províncias no SIGFE, todavia, as mesmas tiveram arrecadação.


. As nossas missões diplomáticas e consulares, tornaram-se verdadeiros paraísos para os seus gestores, umas apresentam contas de forma irregular outras nunca apresentaram contas.


.Incompatiblidade no Balanço Extraído do SIPIP e do Descritivo da CGE, existindo diferenças de Kz 48.826,4 milhões em relação à despesa orçamentada e de Kz 2.865,3 milhões na despesa realizada.


. No âmbito da verificação física do Programa de Investimento Publico- PIP foi possível observar a existência de obras com execução financeira superior a física, obras paralisadas, obras não executadas, obras não inscritas no PIP e contratos não visados pelo Tribunal de Contas.


.Na Avaliação do Desempenho Financeiro e Patrimonial verificou-se uma diferença no valor global de Kz 262.020,4 milhões entre o Descritivo da CGE e o Sistema Integrado de Gestão Financeira do Estado, quanto as Operações de Crédito realizadas. Constatou-se uma diferença de Kz 1.195.672,0 milhões entre o Descritivo da CGE e o SIGFE em consequência das incongruências nos valores da Dívida Interna formalizadas em Contratos, cifrada em Kz 47.023,2 milhões, e Títulos em Kz 1.170.813,3 milhões.


. O endividamento Externo realizado em Kz 2.003.521,6 milhões extrapolou em 44,7% o valor previsto na Lei n.o 19/16, de 24 de Outubro, que foi de Kz 1.384.208,4 milhões, não observando o estabelecido no n.o 1 do artigo 4.o da Lei n.o 1/14, de 6 de Fevereiro.


. As emissões de títulos de dívida pública realizadas em 2016, registadas no Sistema Integrado de Gestão do Mercado de Activos foram de Kz 2.434.897,8 milhões, todavia no Sistema Integrado de Gestão Financeira do Estado foram registados apenas Kz 1.259.006,7 milhões, perfazendo uma diferença de Kz 1.175.891,1 milhões, empolados no SIGMA. Não foi possível fazer a correspondência das emissões dos títulos com os diplomas legais que os autorizam.


. As emissões realizadas além do limite autorizado não observaram as condições complementares estabelecidas no artigo 6.o da Lei n.o 1/14, de 6 de Fevereiro, combinadas com o estatuído no n.o 1 do artigo 14.o do Decreto Presidencial n.o 259/10, de 18 de Novembro. As emissões foram feitas para “capitalização da ENSA”, todavia tiveram a finalidade de “saneamento financeiro do Banco Economico”. Nos moldes em que a operação foi feita, configura uma situação de financiamento não prevista no artigo 4.o da Lei n.o 28/15, de 31 de Dezembro.


. A Dívida Pública, interna e externa, de Curto e Longo Prazos no exercício de 2016, quer a governamental, com 64,4%, quer a global, com 74,4%, excederam os 60,0% do PIB, violando assim o disposto no n.o 3 do artigo 71.o da Lei 15/10, de 14 de Julho. Na formação destes percentuais, teve maior peso a Dívida Externa, para o Stock da Divida Pública Global, com 44,0%, ao passo que para o Stock da Dívida Pública Governamental mais contribuiu a Dívida Interna, com 37,6%.


. As garantias emitidas não foram devidamente registadas no SIGFE, com a inclusão no Descritivo da CGE de 2016 uma garantia da Angola Cables referente ao ano 2017, bem como a Garantia Soberana a favor da empresa BIOCOM cujo Despacho Presidencial de autorização refere-se ao exercício financeiro de 2015 (Despacho Presidencial n.o 193/15, de 6 de Outubro) inobservando o Princípio da Anualidade do Orçamento, consagrado no artigo 4.o da Lei n.o 15/10, de 14 de Julho.


. Celebração pelo INSS de contratos de empreitada em moeda estrangeira com residente cambial, no total de USD 9.827.340,20, contrariando as regras de execução orçamental previstas no n.o 5 do artigo 5.o do Decreto Presidencial 1/15, de 2 de Janeiro e a respectiva remessa ao TC para efeitos de Fiscalização Preventiva, nos termos do disposto na alínea a) do n.o 3 do artigo 8.o da Lei n.o 13/10, de 9 de Julho, perigando o Sistema Nacional de Segurança Social e as geracoes futuras.

 

. Na mesma senda, o resumo dos relatórios da execução do OGE dos órgãos da Administração Indirecta com fins administrativos (de forma indiferenciada enuncia serviços personalizados, estabelecimentos públicos, institutos de investigação cientifica e os actuais instituto de regulação de mercado), continua a apresentar o habitual quadro deprimente que na prática não é representativo deste subsector da Administração do Estado, apesar da sua composição ser obrigatória para todos os Entes que recebam dotações do Estado, conforme plasmado na LOGE!


.O Sector Empresarial Público, continua pavorosamente sofrível, ineficiente e por consequência ineficaz, desencaminhado da realidade social, com perdas em milhares de milhões de dólares para o povo angolano, O SEP, continua a sonegar as participações directas e indirectas do Estado, ora, dispõem os artigos 1o e 58o da LOGE, que o seu âmbito de aplicação são todos os recursos públicos, não se entendendo que o Sector Empresarial Público Sonangol e Endiama de forma especial, (tanto ao nível das empresas públicas ou das sociedades comerciais de capitais públicas), continue a causar incongruências e deficiências dos sistemas de contabilização e controlo com reflexo nos elementos da CGE, não estando descriminado relatório de execução para este subsector da Administração Indirecta do Estado.


. Face às lacunas dos atuais classificadores que, designadamente, inviabilizam o apuramento rigoroso da totalidade dos fluxos financeiros entre o OGE e o sector empresarial público -SEP, recomenda – se mais uma vez a reestruturação funcional do SEP.


. A CGE é omissa na avaliação do cumprimento das metas previstas no Plano Plurianual e a execução dos Programas do Executivo, além de não analisar os resultados quanto à economia, eficiência e eficácia da gestão orçamentária, financeira, patrimonial e operacional das entidades.


. Na CGE, não constam informações e elementos de análise que evidenciem a avaliação das metas previstas em confronto com as realizadas, a análise dos programas em execução, dos aspectos legais e a avaliação dos resultados da acção envolvendo as diversas funções em exercício, através das Unidades Orçamentais elencadas, especificamente quanto aos aspectos da eficiência, eficácia e efectividade, ficando os gestores públicos incumpridores com a ideia de impunidade e não incidência negativa no seu mérito, apesar de recomendação do Tribunal de Contas sobre a responsabilização dos gestores incumpridores.


. Estas insuficiências, são cada vez mais acentuadas porque praticamente não existe informação agregada ou consolidada ao longo do ano, sendo que estas lacunas podem ser colmatas a breve trecho com a aplicação no imediato da responsabilização criminal, civil e disciplinar dos gestores.


. Por fim, não menos importante, é a continua desarticulação entre o processo orçamental e o controlo de execução, daí as inúmeras incongruências entre as receitas e despesas apresentadas no OGE2016 e o apresentado na CGE2016.


Há portanto muito que mudar e melhorar, para alcançar os padrões de qualidade vida que os angolanos merecem e que infelizmente não têm.

Muito obrigado.

O Presidente do Grupo Parlamentar
Adalberto Costa Júnior