Luanda - O debate de ontem (20.02.2019), na Assembleia Nacional - no cumprimento tardio da sua competência de controlo e fiscalização, nos termos da alínea b) do artigo 162.° da Constituição da República de Angola - em torno da aprovação (legitimação da ilegalidade) da Conta Geral do Estado, foi o pior desempenho de João Lourenço enquanto Presidente do Partido, superando com larga margem a imprudência que foi a aprovação da proposta do OGE 2019.
Fonte: Club-k.net
Na perspectiva política, sabe-se que o posicionamento das bancadas parlamentares é resultado de uma concertação prévia - reflecte a visão da cúpula dirigente - em sintonia com a "visão estratégica" do líder.
Em 2018, como resultado da actividade inspectiva da Inspecção Geral da Administração do Estado - IGAE, concluiu-se que nos exercícios económicos de 2016 e 2017 agentes e funcionários públicos desviaram cerca de 5 mil milhões de dólares, em esquemas fraudulentos!
ASSEMBLEIA NACIONAL VS TRIBUNAL DE CONTAS
Decorrente do sistema de freios e contrapesos, os Poderes têm funções típicas e atípicas. As funções típicas da Assembleia Nacional são aquelas que derivam das disposições constitucionais (implícitas e explícitas), do sistema político de governo (para o caso concreto de Angola presidencialista hegemónico) e do direito.
As funções típicas da Assembleia Nacional são legislar (que inclui também promover a fiscalização orçamentária) e fiscalizar os actos do Executivo.
A Constituição da República de Angola, colocou na Assembleia Nacional, o Centro do Poder de Fiscalização, por via da "toda-poderosa" alínea a) do artigo 162.°, o controlo e a fiscalização da aplicação da Constituição e a boa execução das leis.
Não há maior disposição constitucional de garantia do Estado Democrático de Direito!
É a mais completa previsão da existência de "freios e contrapesos", exercida pelo Parlamento.
A Assembleia Nacional exerce o controlo e fiscalização sobre os actos, dos outros Poderes, que violem os dispositivos da Constituição ou das Leis, onde se inclui o controlo das contas públicas.
FISCALIZAÇÃO DAS CONTAS PÚBLICAS
A fiscalização das contas públicas é exercida de duas formas:
1 - fiscalização interna: exercida pelos sistemas de controlo representado pelo IGAE;
2 - fiscalização externa: fiscalização a cargo do Parlamento (fiscalização das contas de todos poderes), auxiliado pelo Tribunal de Contas, por via dos seus relatórios.
O Tribunal de Contas é o órgão que auxilia o Parlamento no controlo externo das contas públicas.
Embora o Tribunal de Contas tenha a designação de Tribunal, ele não "pertence" ao Judiciário. Assim, o Tribunal de Contas é um órgão técnico e não "jurisdicional" - as suas decisões, por conseguinte, são decisões administrativas e não judiciais, logo podem ser revistas pelo Poder Judiciário, devido ao princípio da inafastabilidade do Poder Judicial.
Embora seja bastante discutível no âmbito da doutrina, a prática em Angola tem aos poucos demonstrando esta direcção.
O Tribunal de Contas auxilia a Assembleia Nacional na concretização da competência de controlo e fiscalização, prevista na alínea b) do artigo 162.° da Constituição da República de Angola, integra a fiscalização contabilística, financeira, orçamental, operacional e patrimonial do Estado e das entidades da administração directa e indirecta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação e fonte das receitas, admissão de pessoal, no exercício do controlo externo.
No que concerne a admissão de pessoal, o Tribunal de Contas apreciará a legalidade, e não o mérito dos actos de admissão de pessoal.
Se da fiscalização do Tribunal de Contas recaírem decisões de que resultem imputação de débito, aos agentes ou funcionários públicos, terão eficácia de título executivo, quando a PGR promover a acção penal.
O Tribunal de Contas, tal como os Gabinetes de Auditoria e Controlo Interno - GACI, aprecia apenas a legalidade dos actos, e não o seu mérito, reportando ao Poder competente sobre as irregularidades ou abusos apurados.
Como todos órgãos públicos o Tribunal de Contas, no exercício das atribuições, está obrigado a apreciar a constitucionalidade dos actos.
Lembremos que o Tribunal de Contas apenas aprecia as contas e emite um parecer. Não cabendo a ele julgar as contas públicas. Este exercício é feito pelo Parlamento, nos termos das alíneas a), b) e d) do artigo 162.° da Constituição, com rigorosa subordinação aos comandos dos artigos 6.° e 226.° ambos da Constituição.
COERÊNCIA POLÍTICA
É escusado lembrar quais são os 4 grandes males identificados, que compõem a espinha dorsal de combate do actual Executivo - Peculato, Corrupção, Impunidade e Bajulação - identificados como o centro do estado catastrófico em que se encontra mergulhado o país.
Os partidos políticos, em homenagem ao n.° 1 do artigo 17.° da Constituição, concorrem em torno de um projecto de sociedade e de programa político, para a organização e para a expressão da vontade dos cidadãos, dando amparo constitucional ao programa político legitimado.
Ora, foi acreditando no programa político do MPLA , onde se enquadra o combate aos 4 grandes males, que o Soberano (Povo), elegeu o seu Cabeça de Lista. As regras contratualistas recomendam à quem foi depositada a confiança nas urnas, a cumprir com a sua parte do sinalagma.
O programa eleitoral sufragado tem a mesma força e eficácia do contrato sinalagmático, e qualquer modificação por alteração das circunstâncias, está sujeita as condições de admissibilidade.
Em outras palavras, qualquer acção ou omissão que viole as promessas públicas eleitorais, representam uma violação a Constituição e a Lei , segundo entendimento extensivo dos artigos 1.°, n.° 1 do artigo 2.°, n.° 1 do artigo 4.°, n.° 1 do artigo 17.° e 226.° todos da Constituição e n.° 1 do artigo 227.°, 405.°, 406.°, 798.°, 801.°, 817.° do Código Civil.
Diante das constatações feitas pelo IGAE, em relação ao descaminho de 5 mil milhões de dólares referentes aos exercícios económicos 2016 e 2017, a expectativa geral, em atenção aos princípios da legalidade da constitucionalidade dos actos (artigos 6.° e 226.° da Constituição) era a da não aprovação da Conta Geral do Estado, referente ao ano 2016, por terem sido violados, de forma gravosa, os princípios da legalidade, da supremacia do interesse público, do dever de boa administração, etc.
Portanto, ao aprovar a Conta Geral do Estado, ignorando por completo as constatações feitas pelo IGAE, a Assembleia Nacional, controlada pela bancada parlamentar do MPLA, acaba "legalizando", "legitimando" e "amnistiando" todos actos danosos, decorrentes da gestão do exercício em causa, deitando por terra toda narrativa de combate aos 4 grandes males.
Como responsabilizar os presumíveis autores pelo descaminho dos recursos públicos, se a Conta Geral do Estado foi santificada pelo órgão fiscalizador?
Felicitamos e estamos com quem votou contra!
Entre a narrativa e a constatação da prática está a verdade.