À/Ao:
- Assembleia Nacional - PGR
- Provedoria de Justiça - Tribunal de Contas
- Governo Provincial de Luanda

Para quem visita cidades africanas como Kinshasa, Harare, Libreville, Cape Town e tantas outras, um aspecto que não passa despercebido é a presença intensa e o impacto que os espaços verdes exercem sobre a paisagem urbanística, assim como no semblante das pessoas e na qualidade do ar. Quando confrontamos estas cidades africanas com a frustrante densidade de torres, betão, amontoados desordenados de blocos de cimento combinados com escaldantes chapas de zinco, e o criminoso escândalo do pavimento pintado a verde, entre os separadores de faixas nas vias principais, qualquer estrangeiro concluí que Luanda é reflexo de um país desgovernado. Uma cidade e uma província que têm sido geridas por dirigentes incultos e insensíveis.


Podia citar inúmeros exemplos de fracassos na disseminação e conservação de espaços verdes em Luanda, fracasso que tem resultado não apenas da alergia à jardins e parques botânicos, que muitos dirigentes provinciais e locais têm manifestado, mas também de um grave e flagrante analfabetismo ambiental e de uma incompetência grosseira de titulares de muitos departamentos ministeriais. Mas para não perder o foco e a razão de ser deste protesto e desta denúncia, passo a narrar a tragédia civilizacional, governamental e administrativa que se assiste na centralidade do Kilamba.


Quando a empresa chinesa entregou a centralidade do Kilamba ao governo angolano e nela passaram a habitar pessoas, o jardim central da centralidade, o maior e muito bem concebido, o único que atravessa esta urbanidade de um extremo ao outro, abrangendo quase que oito quarteirões e se estendendo inclusive mesmo na paisagem do edifício da Administração, era um ex-líbris com lindas flores, relva bem cuidada com poda regular e rega automática, espaço limpo e bem iluminado durante a noite, espaço onde jovens, adultos, mulheres, crianças e famílias, desfrutavam um ar puro, faziam exercícios físicos e cuidavam da sua higiene mental sem perturbações, ao ponto de, mesmo os moradores da centralidade do Kilamba, que tivessem contacto visual com este espaço à partir das varadas dos respectivos apartamentos, sentiam-se alimentados por um natural relaxamento psicológico.


Esta era de civilidade paradisíaca no maior jardim da centralidade do Kilamba, durou até aproximadamente ao ano de 2016 ou 2017 quando um conjunto de jovens técnicos angolanos, ao que parecia, ao serviço da empresa chinesa CIF, deixaram de prestar assistência ao espaço e o parque que já foi o orgulho e alegria da maioria esmagadora dos moradores da centralidade, foi invadido por capim que danificou toda a estética do jardim, diante do olhar impávido e sereno do incompetente Administrador da centralidade na época. Mas como afirma a sabedoria popular de que um mal nunca vem só, a pior tragédia dos citadinos do Kilamba, ocorreu logo de seguida quando viram a nascer no espaço um conjunto de barracas de madeira e capim, sustentadas por bases de cimento, britas e grelhas de ferro, argamassa postas em quase toda a extensão do parque, em lugares onde havia relva. Ou seja, foram arrancados e destruídos, não se sabe ao certo quantos metros cúbicos de relva e substituídas por dezenas de blocos espalhados pelo espaço que são os alicerces de cimento que sustentam as barracas de capim e madeira que ultrajam o direito ao bem-estar dos moradores que somente precisam de um espaço decente para fazer caminhadas, exercícios físicos e ensinar as crianças a ter contacto com a natureza.
Para além de terem instalado jangos, casebres feitos de PVC e uma horrível lixeira de calças de gangas espalhadas em lugares onde antes abundavam flores aromáticas, o conjunto de barracas trazidas para o jardim central do Kilamba, trouxe para o quotidiano dos moradores, uma combinação de perigos eminente, que vai
desde esconderijos para delinquentes, que se aproveitando da cobertura que estas abominações proporcionam, praticam assaltos e até violações aos transeuntes que circulam durante a noite, num espaço onde antes desta tragédia urbanística, as pessoas permaneciam fazendo exercícios, ensaiando danças, rindo, conversando e respirando ar puro até altas horas da noite.


O outro risco eminente que este amontoado de lixo trouxe para a centralidade do Kilamba, é o facto gravíssimo das referidas barracas e incluindo o conjunto de sucata que se parece com comboio e carros eléctricos para crianças, assim como o processo de soldadura que tem resultado na instalação desta abominável destruição do meio ambiente, é tudo alimentado por correte eléctrica extraída directamente dos postes de iluminação do jardim, por meio de puxadas que os trabalhadores da empresa destruidora, fazem conectando fios nas conexões internas das referidas luminárias, mantendo abertas tampas de segurança dos postos, que se situam há mais ou menos 25 centímetros do solo, com fios ligados e descarnados, próximo de escavações e charcos de água (resultantes do rebentamento do sistema de irrigação automática originalmente criado pelos chineses), num recinto onde no final do horário escolar e nos fins-de-semana, muitas crianças circulam atónitas e baralhadas, diante do risco de morte, e de barracas em que tendem a carregar já o subconsciente das mesmas com imagens que associam de forma precoce, o convívio ao consumo de álcool ou à práticas sociais adultas.


A destruição e morte deste espaço verde da centralidade do Kilamba, assim como a agressão grosseira contra o direito das centenas de famílias, milhares de moradores, usufruírem de um espaço público, diante do olhar silencioso, conivente e cúmplice da Administração do Kilamba, da Fiscalização, do Governo Provincial de Luanda, do Ministério do Ambiente, da PGR, da Provedoria de Justiça, do Tribunal de Contas e dos órgãos da Bófia (que só sabem perseguir pessoas), será que pretende fazer vincar a ideia de que Angola é efectivamente um país desgovernado? Terá alguma sustentação legal o crime ambiental que foi e está a ser cometido no jardim central do Kilamba? Se todos os Quarteirões desta centralidade já possuem espaços apropriados para a instalação de bares e restaurantes, quê autoridade é que em sã consciência terá concordado que se amplie ainda mais as possibilidades de consumo de bebidas alcoólicas, poluição sonora e delinquência ao homologar uma ideia como esta? Caso esta barbaridade tenha sido cometida tendo de fundo um alegado apoio ao empreendedorismo, porquê de este conjunto de barracas não foi instalado numa das zonas limítrofes no exterior da centralidade, como por exemplo na zona onde se situa uma casa nocturna conhecida? Não tenho nada contra Risortes ou complexos turísticos similares quando em locais apropriados, mas, como é possível que arquitectos e urbanistas afectos à Administração do Kilamba e ao Governo Provincial de Luanda, tenham permitido a blasfémia da instalação das referidas estruturas bem no meio dos edifícios que compõe a centralidade do Kilamba? Será que este conjunto de lixo faz parte do plano urbanístico concebido por quem edificou a centralidade?


Esta tragédia ambiental e cultural vivida pelos moradores do Kilamba, revela a doentia incapacidade da governação provincial e local luandense em preservar espaços verdes; constituí mais um dos mil exemplos da inutilidade de ministérios ou secretaria de Estado para o Ambiente; revela a incompetência de quem é pago para fiscalizar actos que atentam contra a colectividade; a destruição do jardim central do kilamba, demonstra mais uma vez que para além de ser incapaz de proporcionar um serviço de saúde condigno e o bem-estar dos cidadãos, a governação central e todas as suas formas de representação, parece possuir uma habilidade em atentar contra a sanidade psicológica das pessoas. Só isto explica a inércia e a banalização como encara as questões ambientas.

Ao continuar assim, o MPLA pode já ir se preparando para uma humilhante derrota nas autarquias na Centralidade do Kilamba.

Luanda, 17 de Fevereiro de 2019.

Pelos moradores do Kilamba amantes da natureza.