Luanda - A directora nacional de Prevenção e Combate à Corrupção, Inocência Pinto, declarou, em Luanda, que o órgão tem sabido liderar o processo de investigação de crimes económicos e financeiros, sublinhando que estão a vencer a batalha contra este mal. A magistrada negou a existência de um processo selectivo de investigação contra figuras políticas e apelou à sociedade para maior colaboração na apresentação de denúncias públicas.

Fonte: Angop

Ministério das Relações Exteriores investigado pela PGR


Durante a conversa, Inocência Pinto dá detalhes sobre processos mediáticos, como do antigo presidente do Fundo Soberano de Angola, José Filomeno dos Santos, da ex-presidente do Conselho de Administração da Sonangol, Isabel dos Santos, do antigo ministro dos Transportes, Augusto Tomás, e de outras figuras políticas de peso.

Eis a íntegra da entrevista:

Na tomada de posse, o Presidente da República, João Lourenço, afirmou que "a impunidade teria os dias contados em Angola". Estão em condições de liderar esse processo de combate à corrupção?
Não só estamos em condições, como também estamos a liderar este processo. A Procuradoria-Geral da República (PGR) é, por excelência, o órgão fiscalizador da legalidade. Todos os actos que lesem os interesses do Estado passam pelo seu crivo. Por isso, estamos prontos para este desafio.

O país vive novo contexto político. Como os vossos profissionais estão a adaptar-se às novas exigências?
Na verdade, estes crimes que têm agora este mediatismo já existiam. Temos legislação que os prevê. Foi apenas um incremento daquilo que é a nossa actividade. Ganharam mais visibilidade, daí que se tem a percepção de que o trabalho aumentou. Há recursos humanos formados nesta área.

Não são muitos, mas alguns que dão conta daquilo que são as nossas atribuições neste momento e desde sempre. Temos algumas dificuldades, como é óbvio. Temos falta de recursos humanos, efectivamente. Os magistrados ainda não são em número suficiente. Os funcionários, os técnicos da Justiça, igualmente, também ainda não são suficientes. Em termos de recursos materiais, temos as debilidades, mas vamos trabalhando.

Até que ponto a PGR tem sabido ultrapassar este défice de profissionais e como isso tem alavancado a vossa actuação?
A PGR, como todos os órgãos do Estado, faz aquilo que está ao seu alcance, com os recursos que tem ao seu dispor. Temos uma missão a cumprir. Independentemente dos recursos que existem, temos estado a cumpri-la.

A sociedade está a colaborar da melhor maneira neste processo?
Não, porque ainda não encontramos o feedbak pretendido da sociedade. Queremos dela maior engajamento, uma vez que este combate é de todos nós. A corrupção não é algo que se combate só nos órgãos de justiça. Toda a sociedade é chamada a concorrer para prevenir e lutar contra este mal.

Nos últimos anos, têm ocorrido inúmeras denúncias contra a gestão danosa do erário, quer a nível governativo, quer empresarial. Dada a insuficiência de quadros a que se referiu, como a PGR tem reagido?
Como lhe disse, embora sejamos poucos em termos numéricos, não deixamos de cumprir com as nossas atribuições legais. Os casos que chegam ao nosso conhecimento têm tido tratamento devido. Temos inquéritos em curso, processos em instrução preparatória, processos em fase de acusação, processos que já foram, inclusive, introduzidos em juízo. Depende de outros factores que também concorrem. Os crimes de natureza económico-financeira são, na maioria das vezes, transnacionais e envolvem várias jurisdições. Esta situação faz que a investigação leve algum tempo, pois precisamos dos subsídios de outras entidades estrangeiras, para podermos recolher prova. Portanto, isso leva tempo.

Saindo desta parte introdutória, João Lourenço afirmou, recentemente, ao Jornal Expresso que "não seriam os políticos a levar os casos mediáticos de corrupção a tribunal, mas, sim, a Justiça, no caso concreto a PGR". Considera que ela está a corresponder às exigências?
Acredito que sim. Não tenho dúvidas de que assim seja.

Quantos casos de corrupção foram tratados pela PGR em todo o país, desde que o novo Governo tomou posse?
Existem vários casos de corrupção, não só a corrupção activa e a passiva, como também o tráfico de influências e o recebimento indevido de vantagens. Todas essas formas de corrupção têm merecido o tratamento da PGR em termos investigativos. Para além destes crimes, temos aqueles cometidos por funcionários públicos durante o exercício de funções, como é o caso de peculato. Temos muitos casos de peculato. No âmbito da criminalidade económico-financeira, não nos bastamos só pela corrupção. Há outros tipos, para além da corrupção. A nível nacional, reportando-nos especificamente à corrupção, temos em investigação 434 processos em instrução preparatória e cerca de 170 processos de inquérito. O inquérito visa apurar matéria criminal para ulterior tramitação processual, que é concretamente a instrução preparatória.

Quais as províncias com maior número de casos registados nesse período?
A província de Luanda lidera, como é óbvio. Temos também a Lunda Sul, o Huambo, o Cunene e Benguela.

É possível apresentar um quadro ilustrativo das províncias?
A província de Cabinda tem um registo de quatro processos, mas de carácter mediático, que envolvem pessoas com certa relevância social; Zaire (quatro processos); Uíge (cinco); Cuanza Norte (quatro de inquérito e 13 em instrução preparatória); Malange (31 em instrução preparatória e três de inquérito); Cuanza Sul (58 processos-crime e 15 de inquérito); Bié (sete processos-crime e um de inquérito na instrução preparatória). No Huambo, temos em curso 31 processos-crime em fase de instrução preparatória, Benguela (27 processos-crime em instrução preparatória); Lobito (cinco processos na fase de instrução preparatória); Huíla (51 processos de averiguação); Namibe (22 processos-crime em instrução preparatória); Cunene (30 processos em instrução preparatória); Cuando Cubango (11 processos na mesma condição); Lunda Sul (33 em instrução preparatória); Lunda Norte (22 processos); Moxico (dois processos mediáticos); Bengo (15 processos em instrução preparatória).

No SIC-Luanda, foram abertos 14 processos em instrução preparatória, no SIC, em geral, outros tantos. Na DNPCC, que é a direcção que titulo, há 102 processos de inquérito em curso, mas ainda não estão em instrução preparatória. Estamos a averiguar a existência de indícios criminosos, para, tão logo se efective ou se conclua que existem factos que constituem crimes, passarmos para a fase seguinte, que é a de instrução preparatória. A DNIAP tem em curso 101 processos em instrução preparatória.

Afirmou que, em Cabinda, estão em curso quatro processos mediáticos. É possível avançar os envolvidos?
Estes processos envolvem funcionários da Direcção Provincial da Saúde, Educação, INEA e EPAL.

Do número de casos registados e investigados, quantos já foram julgados?
Alguns processos já foram acusados e introduzidos em juízes e existem outros julgados, cujos envolvidos estão condenados, a nível de todo o país.

Pode ilustrar com dados?
Embora não seja corrupção propriamente dita, no verdadeiro sentido dogmático, está em curso o julgamento do famoso caso "Burla à Tailandesa". Não tarda, creio que também estará já, na fase judicial, o processo que visa os cidadãos Jean Claude e José Filomeno dos Santos.

Em breve estarão concluídos?
A acusação já está praticamente concluída, à espera apenas de serem introduzidas em juízes.

Quanto tempo é que deve levar?
Nos próximos dias.

Nos próximos dias, estamos a falar em cinco, 10…?
Dentro dos próximos 10 dias.

Quanto ao ex-ministro Augusto Tomás?
Já foi introduzida a acusação pública.

Que isso significa?
O processo já foi introduzido em juiz.

Falou de Jean-Claude Bastos e de José Filomeno dos Santos. Sendo eles e outros envolvidos pessoas influentes, com grande poder económico, isso tem criado constrangimentos no processo de investigação?
Não.

'Norberto Garcia é o único que está em prisão domiciliar'

A cruzada contra a corrupção parece ser um caminho sem volta. Pelo menos, à luz dos discursos políticos, fica essa impressão. Quantos mandados de prisão preventiva já foram emitidos desde 2017, nesse quadro?
A nível do país?

Sim, a nível do país.
Foram emitidos vários mandados de captura. Não consigo quantificar, mas foram aplicadas as medidas cautelares de prisão preventiva a várias pessoas.

Entre as quais Jean-Claude Bastos de Morais e José Filomeno dos Santos?
Com certeza, incluindo o antigo ministro dos Transportes, Augusto Tomás.

Além destes, há outras figuras mediáticas em prisão preventiva?
Que tenham sido privadas de liberdade, não.

Quem são as figuras políticas em prisão domiciliar, além do ex-director-geral da Unidade Técnica de Investimento Privado (UTIP), Norberto Garcia?
Sem medo de errar, parece-me ser o único que está nesta condição.

Já agora, em que pé está o caso da empresária Isabel dos Santos?
Está em curso. O processo de inquérito já terminou e vamos remetê-lo à Direcção Nacional de Investigação e Acção Penal (DNIAP) para a instrução preparatória.

Falou-se nas redes sociais e em alguma imprensa que a empresária Isabel dos Santos não respondeu a qualquer das vossas convocatórias. Confirma isso?
Não! Ela respondeu sim, por via do advogado que remeteu à Direcção Nacional de Prevenção e Combate à Corrupção (DNPCC) uma carta, dando nota que a empresária, efectivamente, teve contacto com a notificação.

Já se apresentou?
Ainda não.

E quando voltam a notificá-la?
Na altura, o advogado, em resposta à notificação, disse-nos que a sua constituinte estaria cá (em Angola) em Dezembro e, no mesmo mês, podia ser cumprida a diligência. Não se tendo efectivado o regresso no devido momento, vamos voltar a notificá-la, com certeza.

Aproveitando a oportunidade, o que levou a PGR a notificá-la?
Havíamos recebido uma denúncia pública. Aliás, toda a gente teve contacto com a acusação, porque foi amplamente divulgada pelos órgãos de comunicação social. Pegámos naquilo e instaurámos um processo de inquérito, por via do qual ela foi chamada.

Não seria bom especificar ou lembrar às pessoas que não se tenham apercebido do que ela é exactamente acusada?
Não digo acusada, dado que acusação é um termo mais avançado. São-lhe indicadas práticas que têm a ver com a lesão de alguns interesses do Estado.

Há interdição aplicada à empresária Isabel dos Santos?
Não.

Em relação ao processo do antigo secretário do Presidente da República para os assuntos económicos, tem algum dado que possa fornecer?
O processo está em curso.

Que significa em curso do ponto de vista jurídico?
Está em instrução preparatória.

Desde quando?
O processo de inquérito terminou no ano passado e remetemo-lo à DNIAP para ulterior tramitação.

Quais são as denúncias que pesam sobre ele?
Aquelas de que todos nós sabemos. Isso foi tornado público.

Em 2018, foram levantadas denúncias sobre eventual má gestão no Ministério das Relações Exteriores. Há algum dado consistente para investigar?
Há uma investigação em curso. Recebemos duas ou três denúncias vindas do Ministério das Relações Exteriores. As investigações estão em curso. Não sei a que caso específico se refere, mas temos uma averiguação que visa funcionários do MIREX.

Altos funcionários?
Sim.

Incluindo o senhor ministro das Relações Exteriores?
Não!

Nos últimos tempos, as denúncias de má gestão vêm de todos os lados. A nível do sector da Comunicação Social, a PRG está a investigar algum caso que envolve antigos gestores?
Sim. Houve uma denúncia proveniente do Ministério da Comunicação Social e instaurámos um processo de inquérito.

Contra quem?
Contra alguns órgãos públicos de comunicação social.

Não pode especificar?
Prefiro não especificar.

Só para precisar, quantas denúncias receberam do Ministério da Comunicação Social?
Apenas tenho conhecimento de uma. Deu entrada na DNPCC.

Quais são os indícios dessa denúncia?
Má gestão. O processo está concluído. A denúncia foi feita pelo próprio ministro e deu lugar a um processo de inquérito que, por falta de indícios, se arquivou.

Nos últimos dias, também se falava da detenção da ex-administradora da Baía Farta e de gestores públicos de outras províncias. Além deste caso específico, pode avançar outros a contas com a justiça, fora de Luanda?
Os dados que temos, provenientes das províncias, permitem-nos revelar que há casos em curso, contudo estão em segredo de justiça. Tendo em conta o princípio da presunção da inocência, reservo-me no direito de não responder.

Mudando o foco, terminou, em Dezembro último, a fase de repatriamento voluntário de capitais desviados do Estado. Agora que se entrou para esta etapa coerciva, a PGR já dispõe de prova para ajudar o Executivo a despoletar esse processo?
A PGR criou um órgão: o Serviço Nacional de Recuperação de Activos, que tem trabalhado no sentido de, tal como o nome do órgão diz, recuperar os activos do Estado. Esse serviço é novo, mas temos dado passos significativos. Já muita coisa foi feita e aproveito apelar às pessoas que, embora tenha já terminado o prazo para o repatriamento gracioso, caso queiram, ainda podem fazê-lo. Podem estar isentas de pena se colaborarem, ver diminuídas ou atenuadas extraordinariamente. Por isso, o apelo que faço é que quem esteja nessa condição, que venha à PGR, ao Serviço Nacional de Recuperação de Activos, pois encontrará alguma orientação, no sentido de melhor gerir a situação.

Quantos processos já foram accionados neste âmbito?
Não posso quantificar. Num momento posterior, se calhar.

Quando teremos os primeiros dados?
O serviço mal se instalou. Tão logo tenhamos dados, torná-los-emos público, dentro dos limites da Lei.

O combate à corrupção leva alguns indivíduos a subentenderem que, da parte da PGR, tem havido algum processo selectivo das pessoas levadas à investigação. Vê fundamento nesta afirmação?
Essas afirmações são infundadas. A PGR recebe denúncias todos os dias, e não olhamos a quem. Logo que os casos chegam ao nosso conhecimento, inicia-se o processo de inquérito, que visa averiguar a existência de factos que, eventualmente, possam configurar ilícito penal. Portanto, não escolhemos ninguém.

Não é nada premeditado?
Não!

Mas é essa a impressão da sociedade.
As pessoas são livres de pensar no que quiserem, porém não corresponde à realidade.

No ano passado, Angola exigiu à justiça portuguesa o envio do processo do antigo vice-presidente da República. Agora que isso aconteceu, a PGR deu passo para essa direcção ou vai aguardar?
Em momento oportuno, a PGR vai pronunciar-se sobre a matéria.

De momento, nada está a ser tratado nesse sentido?
Não lhe posso dizer que sim, nem que não.

O que nos pode dizer a respeito dos processos dos deputados Higino Carneiro e Manuel Rabelais e quais são os últimos dados?
Os dois já foram ouvidos e constituídos arguidos, como é do conhecimento público, e, por via disso, aplicadas as medidas, entre elas, o termo de identidade de residência, a proibição de não se ausentar do território nacional, entre outras.

Fala-se, também, nas redes sociais sobre supostas investigações aos generais Leopoldino do Nascimento e Zé Maria. Confirma?
O general Zé Maria foi ouvido pela Procuradoria, mas em instância militar.

E em relação ao general Leopoldino?
Não tenho conhecimento do facto.

Acredita que estão a conduzir de maneira efectiva a batalha contra a corrupção?
A PGR é um órgão de bem. Como disse, é, por excelência, o defensor da legalidade democrática. Por isso, o que ela faz, fá-lo no cumprimento das competências que lhe são atribuídas por Lei. Não tenho por que não acreditar que não estamos a fazer aquilo que é o melhor possível.

Sente que estão a vencer a batalha?
Estamos a vencê-la, mas esta é uma batalha que não é exclusivamente nossa, como já afirmei. É uma batalha de todos nós. Não cabe apenas a um órgão o enfrentamento deste fenómeno, cabe-nos a todos e a cada um.

Independentemente da sua condição económica?
Com certeza. Apelamos à denúncia pública e aos cidadãos que não se coíbam de denunciar factos de que tenham conhecimento ou comprometam a integridade moral do funcionalismo público. No ano passado, distribuímos cartilhas e fizemos campanhas de sensibilização. Este ano, vamos continuar, no âmbito do que é a execução do plano da PGR, de prevenção e combate à corrupção. Vamos continuar engajados em acções de formação e mobilização, de mobilização das pessoas, de alertar para os males desse fenómeno. Queremos que a sociedade responda ao nosso apelo, denunciando factos de que tenham conhecimento!