Luanda - 1.A Assembleia Nacional aprovou em 2015, com 177 votos a favor, 7 contra e nenhuma abstenção, a Lei das Medidas Cautelares em Processo Penal. Mas, o que Legislador (“Camaradas”, “Maninhos” “Irmãos” e “Companheiros”) não sabia ou se sabia simplesmente ignorou, foi ter aprovado ao arrepio da Constituição, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, da Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (instrumentos internacionais ratificados por Angola), uma Lei com normas inconstitucionais, apesar de ter na sua estrutura uma Comissão para os Assuntos Constitucionais e Jurídicos.

Fonte: Club-k.net


2.Inconstitucioal, pois os artigos 3.º e 12.º atribuem competência ao Ministério Público para realizar o primeiro interrogatório do Arguido e determinar a medida de coação a aplicar. Lembrar, que estes poderes foram atribuídos ao Ministério Público, através da Lei n.º 4-D/80 de 25 de Junho, num acto que se considerava transitório, mas que infelizmente para desgraça de todos os cidadãos, do Estado de Direito e Democrático, do Processo Penal justo e equitativo, perdura até hoje e solenemente reafirmada pela Assembleia com aprovação da Lei n.º 25/15, de 18 de Setembro. (Das Medidas Cautelares em Processo Penal).


3. A Ordem dos Advogados de Angola (OAA), de forma corajosa, aplaudida por muitos e criticada por alguns, em 2017, apresentou ao Tribunal Constitucional um pedido de apreciação da constitucionalidade de vários artigos da Lei n.º 25/15 de 18 de Setembro O Tribunal Constitucional, por sua vez, através do Acórdão n.º 467/2017, de 15 de Novembro, Processo n.º 541 – B/2017 (Processo de Fiscalização Abstracta Sucessiva), apreciou as alegadas inconstitucionalidades.


4.Felizmente o n.º 1 do artigo 3 (aplicação de medida de coação) e os artigos com ele relacionados, inclusive o (artigo 12.º “primeiro interrogatório”) foram declarados inconstitucionais. O Acórdão peca porque protelou aplicação dos efeitos da nulidade decorrente da declaração de inconstitucionalidade, aumentando assim o tempo de transitoriedade que já leva quase 40 anos.


5.Com as novas mudanças no cenário político, o combate a corrupção e crimes conexos que até então era praticamente inexistente, (dizia-se por falta de provas) foi entregue de forma estranha ao Ministério Público, transformando-se numa instituição “superpoderosa”, passando a ser em linguagem desportiva “o Presidente do clube”, “treinador”, “JOGADOR”, “ARBITRO”, “apanha bolas” e tudo mais (...).


6.Nos crimes de corrupção e conexos, o Ministério Público, é o PARTICIPANTE e ao mesmo tempo JULGADOR, pois para além de realizar o primeiro de arguido, determina a medida de coação aplicar, violando a Constituição, Doutrina e os mais elementares princípios do Direito e acima de tudo transformando-se “juiz em causa própria”.


7.Explicando, de outro modo, quando um cidadão é interrogado como arguido, devido a suspeita de ter cometido um crime, “cria-se”, no geral, um conflito entre o cidadão e o Estado representado pelo Ministério Público. Assim, o Ministério Público cuja vocação é prosseguir o crime, não pode, obviamente, ser a mesma a decidir sobre a medida de coação a aplicar ao arguido. Deve ser uma entidade diferente e esta entidade é somente o Juiz. Aliás, aplicar uma medida de coação significa realizar o direito e esta é uma prerrogativa exclusiva do Juiz em homenagem ao princípio da exclusividade do exercício do poder judicial pelo Juiz. Este Juiz, é o JUIZ DE GARANTIAS, que até agora infelizmente não foi instituído em termos materiais, pois já vem previsto na Constituição na al. f) do artigo 186.º.


8.É imperioso e urgente que a decisão do Acórdão do Tribunal Constitucional que no fundo concretiza al. f) do artigo 186.º da Constituição seja materializada, visto que na ânsia de pensar que a Corrupção acabará em Angola em 2022, o Ministério Público transformou-se num verdadeiro “Ditador Judiciário” pondo a Constituição de “joelho”, desvirtuando e interpretando de forma errada a filosofia moderna do Direito Penal em matéria de combate a criminalidade económica e financeira, pois ao invés de dar primazia a recuperação dos alegados dinheiros subtraídos ao Estado, com aplicação de cauções carcerárias, económicas e, se for o caso, negociando com os Arguidos para devolução dos dinheiros, privilegia a humilhação pública e a prisão dos mesmos. O povo tem fome, humilhação pública e prisões não enchem a barriga!


9. A título de exemplo e de direito comparado, a PGR realizou no dia 10 de Dezembro de 2018, a Conferência Internacional subordinada ao tema: “Corrupção – Um Combate de Todos e para Todos.” Foi interessante ouvir a experiência brasileira, na voz de um Juiz Federal do Processo Lava Jato, o seguinte: “obtive mais sucesso na recuperação de activos para o Estado negociando directamente com os Arguidos, do que com recurso à cooperação judiciária internacional em matéria penal. Nos acordos obtive sucesso em 30 dias, se tanto, na cooperação judiciária ainda estou aguardando mais de 1 ano que autoridades estrangeiras me respondam”. Sic., está tudo dito, só não compreende quem não quer.

 

10.O quadro é preocupante, quase todos têm medo do Ministério Público quando se trata de crimes de corrupção e conexos. Meritíssimos e Venerandos têm medo de revogar despachos do Ministério Público, mesmo quando não fundamentados nos termos da Lei. Aliás, em alguns casos são verdadeiros supridores das insuficiências, lacunas e falta de fundamentação dos despachos do Ministério Público onde um “mata” e o outro “esfola” em nome do princípio da oficiosidade “made in Angola”. No combate a corrupção e crimes conexos Meritíssimos, Venerandos e Procuradores todos são iguais, estão alinhados como se fizessem parte da mesma magistratura. Meritíssimos e Venerandos têm medo de decidir somente com base na Constituição e na Lei. Quem não tem medo do Ministério Público que levante a mão no ar!


11. O Legislador (os Deputados), indiciados em processos crimes estão a / vão/ provar (caso não instituam os JUIZES DE GARANTIA), do “seu próprio veneno”. É repugnante um cidadão comum ser interrogado e as medidas de coação serem aplicadas por quem o persegue criminalmente. É uma “luta” desigual. É muito mais repugnante e desprestigiante (até para o próprio Estado e dignidade do cargo) ver um Deputado (membro de um Órgão de Soberania) ser interrogado e assistir os seus direitos, liberdades e garantias fundamentais serem limitados por um Procurador da República e não por um Juiz do Povo. Num processo de matriz acusatória, como o caso de Angola, é o Juiz que nos termos do n.º 2, do artigo 174.º da Constituição tem a vocação de dirimir conflitos e por isto deve estar presente em todas as fazes do processo penal.


12. A título de Direito comparado, mais uma vez, na CPLP, Angola é o País mais atrasado, pois até na Guine Bissau quem aplica a medida de coação prisão preventiva é um Juiz (Vide, Luzia Sebastião, Memorando Preliminar, in JURIS, Penal e Processo Penal, n.º 2, II Volume, Faculdade de Direito da UCAN, 2017, p. 211.

13. Concluindo:

i) O Combate a criminalidade económica e financeira tem uma característica e finalidade muito específica que se traduz na recuperação dos valores ilicitamente locupletados;

ii) O n.º 1 artigo 3.º e 12.º da Lei n.º 25/15 de 18 de Setembro, que conferem poderes ao Ministério Público para realizar o primeiro interrogatório a aplicar medidas coação, com excepção do TIR, tal como já nos referimos, são inconstitucionais, violam o princípio do acusatório (n.º 2 do artigo 174.º da Constituição) e transformou o Ministério Público em “Ditador Judiciário”, infelizmente com a cumplicidade do Legislador;

ii) Parafraseando, o Meritíssimo Juiz Carlos Mondalane, de Moçambique: Juiz e Procurador não são “jingongos” Juiz é mesmo Juiz e Procurador é Procurador;

iv) Bater palmas a este rosário de irregularidades e atrocidades tudo em nome do combate a corrupção, é contra o Estado de Direito e Democrático e pensar que até 2022, Angola vai erradicar a corrupção;


v) Ser Arguido não é condição ou azar de alguns é uma “qualidade” em que qualquer um de nós por alguma razão ou desgraça da vida pode estar. Hoje é o outro, amanhã sou eu e depois é a sua vez.
14.Sugerindo:


i) Que a Lei n.º 25/15, de 18 Setembro, seja alterada substancialmente, instituindo os Juiz de Garantias, retirando ao Ministério Público as competências próprias do poder judicial, ou


ii) Que o Conselho Superior da Magistratura Judicial ou Tribunais Provinciais distribuam Juízes no SIC nacional, provinciais, D.N.I.A.P e outros, adaptado nos moldes do artigo 51.º da Lei n.º 25/15, de 18 de Setembro, no sentido desse assegurar uma efectiva tutela, dos direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos, materialização do Acórdão do Tribunal Constitucional, pondo fim a transitoriedade de competências que dura quase 40 anos e a “Ditadura Judiciária” do Ministério do Público.

Viva Angola, viva o Estado de Direito e Democrático!