Luanda  – A 25 de Fevereiro de 2002, a UNITA perdia, António Sebastião Dembo, o sucessor natural e estatutário do seu fundador Jonas Savimbi. Por ocasião da data, o Club-K, partilha com os leitores e estudiosos, uma reportagem da edição Nº 74 do então semanário “Terra Angolana” Nº 74, publicada em Janeiro/Fevereiro 1996 que teve como autor o jornalista Felix Miranda. A reportagem cuja integra se segue tem António Dembo como figura central.

Fonte: Club-k.net


GENERAL ANTÓNIO DEMBO, VICE-PRESIDENTE DA UNITA «IDEÁRIO DO PARTIDO, BASEIA-SE NO SENTIMENTO PROFUNDO DO POVO»

Negage (Por Félix Miranda) - O número dois da hierarquia da UNITA, o Vice-Presidente General António Sebastião Dembo, concedeu-nos recentemente uma entrevista, falando do passado, do futuro e da consolidação da paz. Para este alto dirigente do nosso Partido, a democratização de Angola, a independência total do nosso País, foram as fortes razões da sua adesão à UNITA.

 

«Foi uma opção e não um acompanhamento simples. De 1970 a 1995, passaram-se mais de duas décadas em que militei na UNITA e contribuí para o seu engrandecimento».

 

Questionado sobre o que sentia entre ser um general e co­mandante, e administrador por outro lado, considerou haver uma diferença. Primeiro, segundo ele, «o Exército tem uma disciplina pró­pria, uma forma própria de actu­ação, em que todo o comandante que quer conduzir os homens para a acção tem de agir dessa forma, para estes obedecerem e cumpri­rem com a sua árdua missão de combate, para que os homens aceitem as vicissitudes da guerra. Sem disciplina, o Exército perde a sua força». «Mas no campo político-administrativo, a situação é diferente, porque tenho de usar mais a persuasão de forma a que os subordinados me aceitem, pri­meiro como dirigente, e depois deiam a sua contribuição dentro das minhas orientações», disse ainda.

 

Não existe grande diferença no quadro civil politizado, porque este, explicou, «é consciente dos seus deveres». Só há diferença na população em geral. «A esta não podemos exigir que tenha conhecimentos e consciência política. No exército, o militar é forçado a cumprir as ordens à risca», declarou.

 

O ”TA” perguntou ainda ao Vice-Presidente do Parido se é cedo ainda para fazer fé nos dirigentes do MPLA. Em resposta, disse que, «não é muito cedo nem muito tarde». «Mas eu lem­braria apenas que em 1975, foram assinados acordos entre o MPLA e a UNITA, em Alvor, Mombaça e Nakuru, e todos fica­ram apenas em papéis para arquivo. Em Gbadolite, em 1989, assinaram-se os acordos de Paz que ficaram apenas para a História. Em Bicesse, assinou-se outro acordo de paz, que hoje não vigora. Por isso, para podermos acreditar, era preciso que imple­mentássemos algo de concreto. Da minha parte, a dúvida reside em saber se de facto os dirigentes do MPLA querem mesmo a paz, porque uma paz igual aquela de Bicesse, que culminou com o massacre de Luanda, onde dirigentes como o Vice-Presidente Jeremias Chitunda, o Secretário Geral do Partido, Adolosi Mango Alicerces, o engenheiro Elias Salupeto Pena e outros, tiveram que pagar com as suas vidas, eu penso que não valerá a pena».

“A UNITA tem quadros capazes”

 

Questionamos o General Dembo sobre os prognósticos que faz para o trabalho político da UNITA num futuro quadro de paz. «Eu penso que se a paz vier a consolidar-se, já não haverá, em termos políticos, acções do MPLA contra a população, o que será bom». «Por outro lado, a UNITA é um Partido que tem quadros ca­pazes de desenvolverem um trabalho político em toda a extensão do País, sem problemas nenhuns. Segundo, em termos administrativos (está previsto) a UNITA dará os seus préstimos no Governo de Unidade Nacional, que se preten­de criar, para que a nossa contribuição seja exactamente para solucionarmos os problemas que o País atravessa» defendeu o general António Dembo.

 

O enraizamento da UNITA no Norte do País é conhecido por todos os angolanos. Mas ainda, assim, a propaganda do governo persiste em negá-lo. Pedimos ao Vice-Presidente um comentário. Sebastião Dembo respondeu di­zendo que a Província do Uíge nunca foi do MPLA, mas sim foi bastião da FNLA no passado. Durante 14 anos de luta contra o colonialismo português, foi a FNLA que se manteve nesta região nortenha. Quanto à UNITA, tem vários anos de existência nesta província. Na cidade tem dois anos, mas nas áreas rurais, nomeadamente nos municípios e comunas, a existência da UNITA é de mais de dois anos. Antes dos acordos de Bicesse, a UNITA já controlava 11 municípios desta província e, entretanto, o MPLA até essa data só controlava a sede do Uíge, o Negage, a sede de Sanza Pombo e do Songo. O resto estava totalmente sob controlo da UNITA. «Também é de dizer que, quando nós entrámos nas cidades, en­contramos de facto um certo apoio, porque durante certo tempo de governação do MPLA, a população do Uíge sofreu certas atrocidades por parte do Governo; certa discriminação; foi molestada por ter apoiado a FNLA. Aliás, esta política do MPLA repetiu-se em 92, com a realização da “Sexta-feira Sangrenta” em Luanda, onde milhares de Bakongos foram massacrados por serem apoiantes da UNITA. Por conseguinte, posso dizer que estou firme, seguro, de que a popularidade da UNITA em termos de adesão, em termos de simpatia, em termos de apoio, hoje é de cerca de 90%», declarou António Dembo.

 

Noutra parte da entrevista, o Vice-Presidente do Partido, António Dembo, referiu-se à intimidação e fraude levadas a ca­bo pelo Governo para inverter o voto da população do Uíge. «Primeiro, é o facto de Angola ter vivido a primeira experiência de eleições democráticas, em que a população não estava habituada. Segundo, é o con­ceito que a população tem em relação ao Poder e os métodos que o Partido no poder em Angola tem utilizado para persua­dir a população. Face à repres­são, às intimidações, etc..., para além da fraude, como é que as populações poderiam votar livremente? Eu diria mais: não é bem verdade que as populações não vota­ram UNITA ou não votaram para a mudança, e também não votaram em outros partidos. Votaram. Mas a fraude em si deu a entender que as populações tivessem votado a favor do Governo. Repare que cito a fraude e não o próprio voto do povo. Um exemplo que eu dou é Ndalatando. Aquando das eleições, no momento de votação, numa das assembleias de voto, foram para lá sete quadros militantes do nosso executivo, e votaram nessa assembleia para a UNITA. Na contagem, nem sequer um voto da UNITA apareceu. Será que esses quadros votaram a favor do MPLA?», perguntou o Vice-Presidente.

 

Programa está baseado no sentimento do povo

 

O “TA” quis saber do Vice-­Presidente da UNITA se os objectivos do Partido estavam alcançados. «Os objectivos da UNITA ainda não estão alcançados. Só podem ser alcançados, de facto, se conseguirmos uma paz genuína e, sobretudo, um governo democrático no nosso País. Antes disso, não podemos dizer que os objectivos foram alcançados», respondeu.

 

A UNITA irá governar e quando?, perguntámos. Sebastião Dembo afirmou que a UNITA não governa o País devido à fraude eleitoral de 92, mas num futuro próximo há a certeza da nossa governação. «Acredito no Ideário da UNITA. Acredito no Programa do Partido, que é um programa baseado no sentimento profundo do povo. Para quando? Quando a oportunidade se apresentar, mas para muito breve», afirmou.

 

A última pergunta que foi colocada ao General António Dembo foi a seguinte: Como pai, homem, marido, que paixões tem na vida social?. Respondeu que, como pai, homem, marido, «a sua paixão era de estar junto dos filhos, abraçá-los e falar com eles sobre o futuro», embora confesse que não tem tido tempo para tal, disse, «infelizmente não». A guerra nunca lhe «proporci­onou o tempo». Acrescentou no entanto que se sentia feliz, neste momento, porque «pela primeira vez» estava a «viver lado a lado com os seus filhos, desde há 11 anos». Em termos de lazer disse que lê, escuta música e estudo os seus projectos.


Perguntámos se o curso da sua vida foi desviado, ao se ter envolvido na vida política e revolucionária. Respondeu que, em relação ao seu ideal, quando era jovem, foi desviado. «O meu ide­al, quando era jovem, era realmente contribuir para Angola na perspectiva de paz, contribuir como homem e projectar-me na minha profissão. Infelizmente, há mais de 20 anos que não pratico a minha profissão, porque a Pátria exigiu de mim que fosse um combatente, que fosse um político», declarou.

O General Dembo, Engenhei­ro de formação, é casado com a Dr.ª Judith Bândua desce 1978. Pai de filhos, nasceu aos 25 de Agosto de 1944, na aldeia de Songui, actualmente conhecido por município de Nambuangongo, Província do Bengo. Iniciou-se na Revolução em 1961 e está na UNITA desde 1970.

 

- in “Terra Angolana” Nº 74 – Janeiro/Fevereiro 1996