Luanda - “Meu filho, tens de estudar para amanhã ser alguém”. Certamente você já ouviu esta frase em algum momento da sua vida, mais propriamente na sua infância, dita pelo seu pai, pela sua mãe ou por quem quer que fosse responsável pela sua educação.

Fonte: Club-k.net


Hoje, muito provavelmente você repete o mesmo conselho para os seus filhos e, na melhor das intenções, para as novas gerações.


Porém, como na saga de James Bond, o amanhã nunca morre. Sempre há-de haver um amanhã. E o conselho vai se perpetuando no tempo através de gerações.


Mas a questão sempre fica no ar. O que significa ser alguém? Quem é alguém e quem não é alguém? Ou dito de outra forma: quem é ninguém?


Mais do que a "simples" questão filosófica da existência, do ser ou não ser, será então necessário definir o perfil do "alguém" que queremos para a nossa sociedade, para o nosso país. O que significa ser o alguém que sempre nos encorajaram a ser?


Algumas hipóteses me vêm à razão quando leio a mente, as palavras ou as atitudes da maioria das pessoas.


Por via dessa análise deduzo que o “alguém” seja pelo menos licenciado, que tenha um "bom emprego", preferencialmente na função pública, ganhando uns trezentos ou quatrocentos mil kwanzas. Que seja um gajo com "juízo", respeitado e com alguma visibilidade pública.


A mim me faz um bocado de muita confusão quando ouço alguém dizer: "agora já sou formado", quando conclui uma licenciatura. O que forma afinal o ser humano? Quando é que se pode dizer que um homem está efectivamente formado?


Se assumirmos que o conselho a que me referi no início deste texto é confiável e traduz a verdade da vida e que o perfil que tracei está próximo da realidade, que dizer então daqueles cidadãos que quase ou nenhum contacto tiveram com as carteiras de uma escola? Serão eles os tais ninguéns. Faz-me lembrar aqui o célebre Trinitá, "o meu nome é ninguém". Se o nome dele é ninguém é porque ele não deve ter passado da cabunga.


Pergunto-me então qual será o papel, a função e o objectivo do sistema formal de ensino? Será "formar" pessoas e conferir-lhes diplomas de "alguém"? E se sim, outra questão: qual é o perfil do alguém que queremos para a nossa sociedade?


A este respeito assustam-me mas não surpreendem os resultados dos últimos processos selectivos quer para a admissão na função pública, quer para o ingresso nas universidades públicas. Aliás, não apenas os resultados em si, mas também a maneira dessas instituições de lidarem com esses resultados, baixando o nível para se adaptarem à mediocridade dos candidatos, pelo menos a que ficou manifestada pelos resultados no processo de selecção.


Não me surpreendem porque, em minha opinião, apenas revelam a falência do sistema formal de educação que, outra vez, em minha opinião, não passa de uma mera reprodução de informação, cujo fito é apenas transmitir conhecimentos. E atenção que não é um problema apenas de Angola mas do mundo.


Dizem que vivemos já na era da informação e do conhecimento. Portanto, informação e a possibilidade de obter conhecimento são tão abundantes que chegam a ser suficientes para confundir qualquer cérebro. Diz-se que qualquer miúdo de seis anos hoje tem mais informação do que um cientista do século XVII.


Costumo mesmo dizer que qualquer conhecimento que seja ensinado numa universidade pode ser facilmente encontrado com dois cliques no Google ou em qualquer outro motor de busca na internet. Portanto, informação e conhecimento já não são, nos dias de hoje, um luxo apenas acessível a uns poucos afortunados e se for esta apenas a vocação do sistema formal de ensino, então ele é, de longe, superado pelo Google em termos de rapidez, autonomia, simplicidade, comodidade e democracia, uma vez que está disponível a todos, sem distinção.


Por outro lado, coloca-se a questão da eficácia do sistema formal de educação e ensino. Não sou adepto da ideia de que a educação, pelo menos não na forma como ela está concebida hoje, seja a prioridade absoluta e a solução última dos problemas da nossa sociedade, mesmo por causa da sua questionável eficácia.


Tenho noção da polémica que pode gerar esta minha declaração, logo eu que até sou professor, mas não pretendo discorrer sobre isso neste texto e prometo fazê-lo em outra ocasião.


Mas permitam-me apenas fazer esta justificação. Diz-se muitas vezes que nós não temos bons quadros nas áreas das engenharias e das tecnologias e que por isso não temos estes sectores bem desenvolvidos porque não temos tradição de formação nestas áreas.


Porém, o mesmo não se pode dizer em relação a outras áreas do saber como a pedagogia, o direito, a psicologia ou a economia para as quais sempre tivemos formação de quadros a nível das universidades ou da única universidade pública do país na altura.


Ora, se fosse tão linear assim que a ocorrência de formação nessas áreas seja proporcional a existência de bons quadros, seríamos os expoentes máximos ou as referências nestas áreas do saber, pelo menos a nível da nossa região, o que não se pode dizer que ocorra de facto.


Pode-se ainda colocar a questão da utilidade prática do sistema formal de educação e ensino. Aqui me lembro de uma reportagem passada na televisão que cobria uma cerimónia de licenciatura na instituição de ensino superior em Luanda. Chamou-me a atenção as respostas de dois jovens recém-licenciados, um rapaz e uma rapariga, à pergunta do repórter sobre quais eram os seus planos agora que acabavam de ser licenciados.


A rapariga respondeu que iria a seguir preparar-se para ingressar num curso de mestrado e continuar os seus estudos em relações internacionais e o rapaz respondeu que iria candidatar-se a uma vaga no MIREX.


À partida, qualquer das ambições manifestadas pelos dois jovens são apreciáveis e, em si, não têm mal nenhum, muito pelo contrário. Todavia, são claros indicadores da ineficiência do sistema de ensino. Explico-me.


No caso da rapariga, se ela já concluiu o curso superior na sua especialidade, precisa realmente de continuar os seus estudos a nível de mestrado, pelo menos tão imediatamente, antes sequer de consolidar com a experiência do trabalho ou por em teste os conhecimentos adquiridos a nível da licenciatura, até para recuperar o investimento já feito até aí?


Não seria este um indicador de que os conhecimentos adquiridos até então não serão mais suficientes para ser "alguém" e que por isso precisava de se encher de mais conhecimentos e mais certificados e diplomas?


No caso do rapaz, ao invés de ir enfurnar-se atrás de uma secretária no MIREX, escondido à sombra do seu diploma, porque não procurar na sociedade um problema ou uma carência na sua área de especialidade e procurar resolvê-lo (o problema) ou supri-la (carência)? Não que não pudesse fazê-lo no MIREX, mas porque não noutro sector da sociedade? Provavelmente porque não aprendeu a resolver problemas e sim a demonstrar conhecimento.


Outra reportagem a que assisti num canal de televisão brasileiro trazia uma matéria sobre as escolas na Dinamarca que ensinavam os miúdos a fazerem tarefas domésticas como lavar a louça, cozinhar e arrumar o quarto, numa clara demonstração de que o objectivo é formar homens e mulheres e prepará-los para enfrentar os desafios da vida diária.


É verdade que hoje se pode ler nas paredes das nossas escolas frases como: a escola é também um berço de valores e virtudes e hoje fala-se muito no resgate de valores. Mas quais valores e quais virtudes queremos efectivamente resgatar e incutir nos nossos estudantes? Como é que isto se operacionaliza nas salas de aula além de estar escrito nas paredes da escola?


Portanto, penso que é urgente e de primal importância, mais do que simplesmente acrescentarmos uns zeros no OGE na rubrica da educação para atender aos caprichos de um populismo político e parlamentar, reflectir e definir de forma consentânea com o projecto de nação e com a dinâmica de evolução da sociedade moderna, o perfil e os valores que se pretendem para o "homem novo" que queremos construir e que tão orgulhosamente cantamos no nosso hino nacional.

Por: Nzumbi dya Nvula