Namibe – O tema serviços secretos sempre traz uma recordação clara dos filmes e séries de espionagem James Bond, em 007, Ethan Hunt, em Missão Impossível, O Espião Que Sabia Demais, Caçada ao Outubro Vermelho, Trilogia Bourne, Johnny English, 24 Horas entre outras com acções pomposas e excêntricas sobre o mundo da espionagem.

Fonte: Club-k.net

Quando se fala da Igreja Católica Apostólica Romana (Igreja Católica) que tem como chefe máximo o Papa que é eleito pelo Colégio dos Cardeais, para os seus fiéis e seguidores é a maior igreja do mundo e a mãe de todas as igrejas, mas para alguns não católicos não passa de uma igreja falsa que não prega a verdade, que adora bonecos, com alguns padres pedófilos e que está relacionada com o número da Besta. E para outras igrejas é um bicho de sete cabeças e um mal que deve ser combatido com unhas e dentes custa o que custar. Além disso, é uma igreja que possui mais de dois mil anos de história, sendo a mais antiga ainda em funcionamento e a mais organizada em termos de estrutura hierarquizada.


Nos dias de hoje a pergunta que não se cala e que alguns fazem no seu íntimo é a seguinte: Como é que esta igreja conseguiu sobreviver todos estes anos e principalmente a Primeira e Segunda Guerra Mundial, bem como outros tempos difíceis que assolaram a Igreja Católica e o mundo?

Assim começa uma parte da história.


Se o Vaticano foi alvo de espiões, o contrário também aconteceu. A prática da espionagem pela Igreja Católica tem mais de 5 séculos: E tudo começa no século XVI quando foi criada a Suprema e Sacra Congregação da Inquisição Universal actual (Congregação para a Doutrina da Fé) fundada pelo Papa Paulo III em 21 de Julho de 1542, com o objectivo de defender a Igreja da heresia. Até 1908 era denominada como Sacra Congregação da Romana e Universal Inquisição quando passou a se chamar Suprema e Sacra Congregação do Santo Ofício. Em 1551, Miguel Ghisleri que se tornara o Papa Pio V (1504-1572), devido aos serviços prestados, foi promovido por Gian Pietro Carafa (Paulo IV), que o nomeou geral da Inquisição em Roma, sob o pontificado de Júlio III (1550-1555). Com Ghisleri como geral, a Congregação do Santo Ofício dispôs de todas as condições para alcançar os objectivos a que se propunha.


Assim nasce o serviço secreto mais antigo da história ao serviço da Igreja Católica.


Foi no ano de 1566 quando o padre Antonio Ghisleri criou o primeiro serviço de espionagem papal, com a missão de combater a expansão dos protestantes na Europa pelo momento crítico vivenciado pela Igreja Católica em determinado período histórico, pois, no momento de sua criação, o mundo, ou a Europa, vivia em um ambiente de guerra ideológica sobre a religião (Ribeiro, 2018). O órgão teria sido batizado de Santa Aliança, por ter nascido de uma aliança entre o Papa Pio V e o Rei Felipe II, da Espanha, para destronar a rainha protestante Elizabeth I da Inglaterra (Fratinni, 2004) em (Ribeiro, 2018).


Além disso, em primeiro lugar, foi realizada uma reforma do chamado Conselho da Suprema, e o papa nomeou um grupo de cardeais para o controlarem. Os purpurados faziam ao mesmo tempo de juízes e de conselheiros do Pontífice no caso de levar a juízo pessoas relevantes da sociedade romana. Foi Ghisleri quem, no início de 1552, estabeleceu as sete classes de delitos susceptíveis de serem julgados pelo tribunal do Santo Ofício: os hereges; os suspeitos de heresia; os que protegiam os hereges; os magos, bruxos e feiticeiros; os blasfemos; os que resistissem às autoridades ou agentes da Inquisição; e os que quebrassem, ofendessem ou violassem os selos ou símbolos do Santo Ofício.


A partir desse mesmo ano, Ghisleri criou em toda a cidade uma autêntica rede de espiões, que operavam desde os lupanares da cidade até às cozinhas dos palácios dos nobres de Roma. Todas as informações de qualquer natureza recolhidas pelos agentes da Inquisição eram entregues pessoalmente a Ghisleri por intermédio de dois sistemas: de viva voz e pelo chamado Informi Rosso (Relatório Vermelho). Este último consistia num pequeno pergaminho enrolado numa cinta vermelha com o escudo do Santo Ofício.


Segundo as leis vigentes, o rompimento do selo era punido imediatamente com a morte. Os agentes de Ghisleri registavam nesses pergaminhos todas as informações com que acusavam, e muitas vezes sem nenhuma prova, qualquer cidadão de Roma de violar as normas da Igreja e que podiam ser apreciadas por um tribunal da Inquisição. O Informi Rosso era depositado num pequeno vaso de bronze colocado para esse efeito na sede romana do Santo Ofício (Alvarez, 2002), (Budiansky, 2005) e (Thynus, 2013).


A primeira grande função da Santa Aliança foi o desenvolvimento da aliança com a rainha católica Mary Stuart, da Escócia, e também a realização de acções encobertas para colectar informações que poderiam ser utilizadas contra a rainha Isabel I, que poderiam constituir uma intriga para derrubar a mesma e colocar a rainha Stuart no poder, e assim neutralizar de vez o avanço do protestantismo inglês.


Os motivos eram claros, os ingleses consideravam os católicos traidores da coroa e, neste caso, a mentora da história era a igreja protestante anglicana. Assim, muitos actos contrários aos católicos foram praticados na Inglaterra pelo serviço secreto da Rainha Isabel I, por meio do seu principal agente, Sir Francis Walshingham que, juntamente com o Sir Christopher Marlowe (este possivelmente poderia ser William Shakespeare), articulou acções de perseguição contra os católicos. Mas, na esfera do submundo da espionagem, diversas acções foram realizadas pela Santa Aliança com o intuito de assassinar a Rainha Isabel I, todas desarticuladas por Walshingham, que mantinha espiões infiltrados nos vários segmentos sociais da Inglaterra (Hogge, 2005) em (Ribeiro, 2018).


Para neutralizar as acções inglesas, a Santa Aliança prepara o seu melhor e mais atuante agente, um jovem italiano chamado David Rizzio, que estava vinculado ao conjunto de assessores do embaixador de Savoia, que visitava a Escócia naquele período. Rizzio, além de ser um agente da Santa Aliança com serviços prestados em apoio ao Reino da Escócia, também é levado aos serviços nocturnos da alcova da Rainha Mary Stuart e passa a ter acesso a todo tipo de informações e documentos secretos do reino da Escócia, além de desenvolver estratégias contrárias ao reino da Inglaterra.


A função de Rizzio foi ampliada: além de actuar em um plano para neutralizar as acções inglesas, ele tinha como missão minar qualquer avanço protestante sobre a rainha Mary Stuart, que naquele momento era alvo de um agente inglês (ex-católico) John Knox. Segundo (Fratinni, 2004) em (Ribeiro, 2018), este agente inglês tinha como objectivo reverter o quadro católico na Escócia, derrubar Mary Stuart e continuar o avanço protestante por todo reino inglês na Europa.


Rizzio mantinha informada toda estrutura papal por meio dos informes colectados sobre os passos de John Knox e sua rede de agentes que exercia influência no reino da Escócia. Durante muito tempo, David Rizzio manteve neutralizadas as acções da Inglaterra sobre o reino da Escócia e, principalmente, manteve o poder papal fortalecido por meio de acções de sabotagem, influência política, assassinato de possíveis espiões ingleses e, principalmente, de influência católica sobre a rainha Mary Stuart. Mas o processo durou pouco, David Rizzio foi assassinado em uma emboscada praticada pelo marido da rainha Stuart, que foi motivada por ciúmes e realizada com a utilização de acções clandestinas de espiões ingleses, que conseguiu neutralizar os passos da Santa Aliança (Fratinni, 2004) em (Ribeiro, 2018).


A partir deste momento, a estrutura papal percebeu que necessitaria de um fortalecimento de suas acções sobre toda Europa, para efectivamente constituir a força de Deus sobre os homens, por meio de um instrumento de espionagem, a Santa Aliança. E durante anos, o geral da Inquisição criou uma das maiores e mais eficazes redes de espiões e um dos melhores arquivos de dados pessoais dos cidadãos de toda a Roma. Além disso, ninguém se
movimentava ou falava nas ruelas ou praças da cidade sem que Ghisleri o não soubesse, bem com ninguém se movimentava ou falava dentro do Vaticano sem que o geral da Inquisição o não conhecesse.


A 23 de Maio de 1555, e depois de um breve pontificado com menos de um mês do papa Marcelo II, o cardeal Juan Pietro Caraffa, sem a oposição do sector imperial nem do sector francês, foi eleito papa no conclave. O embaixador de Veneza, Giacomo Navagero, definia assim o novo papa de setenta e nove anos: “Caraffa foi um papa de um temperamento violento e fogoso. Era demasiado impetuoso no tratamento dos assuntos da Igreja e por isso o velho Pontífice não tolerava que ninguém o contrariasse”.


Caraffa, já como papa Paulo IV, chegou a temer o grande poder de Ghisleri. Em Roma, a populaça chegou mesmo a definir o geral da Inquisição como “o papa na sombra”, mas apesar de tudo o pontífice concedeu a Miguel Ghisleri a púrpura cardinalícia. A partir daí Ghisleri o inquisidor tornar-se-ia mais perigoso e mais poderoso. Muitos membros do Colégio Cardinalício não permitiriam que, a partir do posto ocupado na temível Inquisição, ele dirigisse os destinos da Igreja Católica.


Os agentes de Ghisleri vangloriavam-se muito e impunham o terror nas ruas de Roma. Os espiões do cardeal, conhecidos como os “monges negros”, escolhiam uma vítima e esperavam que ela seguisse por uma rua isolada. Nesse momento, era assaltada e metida numa carruagem fechada hermeticamente e levada para uma sala da Inquisição... (Thynus, 2013).


O Serviço Secreto do Vaticano esteve actuante, em todos grandes eventos da história da humanidade, com particular realce na queda do comunismo internacional e a ‘impiedosa’ desarticulação da URSS, iniciando com o apoio e financiamento do sindicato Solidariedade de Lech Walesa e a ‘promoção’ de um Papa Polonês, que fez um dueto temível e invencível com Ronald Reagan. Além disso, em seu livro intitulado A Santa Aliança – Cinco Séculos de Espionagem do Vaticano, o jornalista espanhol Eric Frattini afirma ter comprovado a existência dessa entidade com base em documentos obtidos junto à CIA, ao governo britânico e em arquivos históricos do governo italiano e da Ordem dos Jesuítas (Companhia de Jesus ), os chamados soldados de Deus, dentro da qual teria sido recrutada a maior parte dos sacerdotes-espiões em séculos passados (Vieira, 2011).


E durante estes cinco séculos de espionagem, a Santa Aliança (A Entidade) participou de várias operações e atentados, inclusive da matança da “noite de São Bartolomeu”, do assassinato de Guilherme de Orange e do Rei Henrique IV da França, da Guerra da Sucessão Espanhola, da crise com os cardeais Richelieu e Manzarino da França, do atentado contra o Rei José I de Portugal, da articulação na Revolução Francesa, da ascendência e da queda de Napoleão Bonaparte, da guerra de Sucessão Americana, das relações secretas com o Kaiser sobre os homens, o apoio nazista, a planificação, protecção e fuga dos cérebros e criminosos nazistas para a America Latina (Organização Odessa).


Além disso, participou em outros grandes fatos da história, como a quebra do Banco Ambrosiano e de sua estrutura IOR (Istituto per le Opere di Religione), a eliminação de todas as maçonarias do mundo, e a desarticulação de um atentado contra a primeira ministra Golda Meir de Israel durante sua visita à Itália com o Papa Paulo VI com a Mossad numa operação denominada“Diamante” por meio do Cardeal Luigi Poggi, que era considerado o espião de João Paulo II que o modernizou (Alvarez, 2002) e (Fratinni, 2004) em (Ribeiro, 2018).
Em Angola, a Santa Aliança esteve particularmente activo, durante o período que ‘hospedou’ por vontade própria as forças Cubanas colaborando com a BOSS (serviços secretos do Apartheid), e teve um subtil e relevante papel na libertação do Cardeal Alexandre do Nascimento quando prisioneiro das forças militares da UNITA (Salomão, 2012: 1). Além disso, a diferença entre os serviços secretos do Vaticano e as agências dos países convencionais, é que a Santa Aliança é o mais antigo de todos porque têm a maior rede de informadores (Lorena, 2013). De acordo com (Fratinni, 2004) diz que se no céu, o Papa tem Deus, na terra, o Papa só tem a ele mesmo e, na clandestinidade, o Papa tem a Santa Aliança.


Portanto, hoje, no mundo da espionagem, na era da ‘Guerra contra o Terror’, o serviço secreto do Vaticano é conhecido com o ‘A Entidade’. Entretanto, a defesa da fé, da religião católica, dos interesses do Estado do Vaticano e de toda a obediência ao sumo sacerdote, sua santidade o Papa serão os pilares para o fortalecimento da Santa Aliança (Lopes, 2005) em (Ribeiro, 2018).


‘A Santa Aliança’, ou ‘A Entidade’ sempre será negada, a sua estrutura é um grande segredo até hoje, muitas vezes não confirmada pelo próprio Vaticano. Os sacerdotes do Vaticano, do serviço de espionagem Papal e da contra-espionagem, o Sodalitium Pianum, desenvolveram acções que não condizem com a fé cristã, mas tinham como objectivo a protecção da Fé como o seu maior atributo e direcção de suas acções. Mas quando um inimigo aparecer na frente dos objectivos papais, suas garras apresentarão a força de Deus, mas com certeza sempre em defesa do bem sobre o mal (Ribeiro, 2018).


*Londaka Sangangula é licenciado em Linguistica Inglês, chefe escuteiro, escritor, investigador e autodidacta desde 2009.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS

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Budiansky, S. (2005). Her majesty ś spymaster. New York: Penguin Group
Fratinni, E. (2004). La Santa Alianza: cinco siglos de espionaje vaticano. Madrid: Espasa Hogge, A. (2005). God ś secret agents. New York: Harper Collins
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