Luanda - RAZÃO DE ORDEM: A frequente verificação de atropelamentos de pedestre(s) perto de pontes pedonais e/ou passadeiras, dá lugar há algum tempo a fortes debates entre as testemunhas oculares e não só, nas paragens, nos táxis, nos autocarros etc., levantando-se questões, como “de quem é a culpa?”, “quem deve indemnizar quem?”.

Fonte: Club-k.net

Dada a Relevância do assunto e convindo emitir um breve, porém, elucidativo parecer técnico jurídico sobre o assunto, visto que a sinistralidade decorrente de acidentes de viação não pode deixar de merecer uma atenção especial de forma a assegurar-se a preservação do conforto dos cidadãos e da sua integridade física, da sua qualidade de vida ou antes até, da sua própria vida, sendo de todo em todo imperioso enquanto jurista sobretudo do ponto de vista moral, contribuir para a tomada de uma consciência mais forte dos direitos e deveres de todos quantos fazem parte deste Estado (Angola) que se quer efectivamente democrático de direito como reza a Constituição da República de 2010 (cfr. artigo 2.o). Sobre o tema supra salvo o devido respeito por visão diferente somos à luz do preceituado na lei da angolana, da seguinte opinião:


ENQUADRAMENTO JURÍDICO

Em caso de acidente de viação com atropelamento de pedestre (peão), ocorrerá concorrência de culpas entre o peão e o condutor, se aquele (o peão), ao atravessar a via, tiver infringido a prescrição do artigo 99.o n.o do Código de Estrada, nos termos do qual : os peões não podem atravessar a faixa de rodagem: a) sem previamente se certificarem de que, tendo em conta a distância que os separa dos veículos que nela transitam e a respectiva velocidade, o fazem sem perigo de acidente; b) passo lento ou de modo a prejudicar ou perturbar o trânsito; c) fora das passagens especialmente sinalizadas para este efeito, ou na falta destas, a uma distância inferior a 50 metros, deve a travessia ser feita perpendicularmente ao eixo da via. E o condutor circular com excesso de velocidade violando assim as disposições dos artigos 24.o e 25.o do mesmo Código.


Nos termos do artigo 25.o do Código de Estrada a velocidade deve ser moderada, dentre outros nos seguintes casos: aproximação de passagens assinaladas na faixa de rodagem para a travessia de peões e nas pontes, túneis e passagens de nível.


Ora, quer uma, quer outra infracção ao Código de Estrada são sancionadas pelo mesmo, no caso do peão com multa de 6 a 30 UCF conforme prescrito no artigo 175.o n.o 23, no caso do condutor com multa de 60 a 300 UCF, conforme o disposto no n.o 2 do artigo 171.o do Código de Estrada (actualmente uma UCF – isto é, uma Unidade de Correcção Fiscal corresponde a 88 Kwanzas).


Nestes termos, em sede de responsabilidade civil emergente de acidente de viação, ainda que se prove que o condutor circulava dentro do limite máximo legal estabelecido para o local da ocorrência, há que ponderar se circulava a uma velocidade adequada às circunstâncias envolventes, de modo a poder parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente, ou a uma velocidade especialmente moderada, respetivamente, nos termos dos artigos 24.o, n.o 1, e 25.o, do Código da Estrada.

RESPONSABILIDADE CIVIL DOS CONDUTORES E CULPA DO LESADO. CONCORRÊNCIA DE CULPAS


Por força da remissão operada pelo Código de Estrada (cfr. artigo 130.o) à Lei Civil (maxime Código Civil) para regular a indeminização por perdas e danos decorrentes de factos por condutores e proprietários de veículos e animais, a repartição de responsabilidades no caso em apreço será feita em função da gravidade das culpas de ambas as partes e das consequências que delas resultarem, nos termos do n.o 1 do art.o 570.o do Código Civil. (Isto sem prejuízo do que vem disposto sobre acidentes causados por veículos nos termos dos artigos 503.o a 508 do Código Civil).


Segundo o Professor de Direito Penal e Criminologia da UFJF (aposentado) Universidade Federal de Juiz de Fora Dílio Procópio Drummond de Alvarenga, “se duas pessoas estiverem envolvidas em uma ocorrência danosa, é possível que ambas tenham contribuído culposamente para o evento, ocorrendo, então, a denominada concorrência de culpas. Essa é uma questão de fato e não de direito.


A partir disso, ou seja, da concorrência de culpas, é que nasce o outro questionamento - desta vez de direito e não de fato -, para saber se essas culpas concorrentes podem ser ou não compensadas.”


O artigo 570.o, sob a epígrafe “Culpa do lesado”, prescreve que «1- Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser concedida, reduzida ou mesmo excluída. 2 - Se a responsabilidade se basear numa simples presunção de culpa, a culpa do lesado, na falta de disposição em contrário, exclui o dever de indemnizar.»


E o art.o 572.o determina que «Àquele que alega a culpa do lesado incumbe a prova da sua verificação, mas o tribunal conhecerá dela, ainda que não seja alegada.»


Além deste quadro normativo e porque nos termos do n.o 1 do artigo 129.o do Código de Estrada, os veículos a motor e seus reboques só podem transitar na via pública desde que seja efectuado, nos termos da legislação especial (isto é, Decreto n.o 35/2009, de 11 de Agosto, publicado na Ia Série do Diário da República n.o 150 de 11 de Agosto de 2009 - Decreto que procede à regulamentação do Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel), seguro da responsabilidade civil automóvel que abrange todo o território nacional, importa frisar que nos termos do artigo do n.o 1 do 22.o do Decreto n.o 35/2009, «as acções destinadas à efectivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, quer sejam exercidas em processo civil, quer sejam em processo penal e, em caso de existência de seguro, devem ser deduzidas obrigatoriamente contra a seguradora e o civilmente responsável.»


CONCLUSÃO


Chegados até aqui, podemos concluir que, ao contrário do que se responde (na sua maioria com intuição desprovida portanto de fundamento legal), às várias questões que se levantam aquando da verificação de atropelamentos de pedestre (s) perto de pontes pedonais e/ou passadeiras, o certo é que nos termos do Código Civil quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal (em caso de litígio) determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser concedida, reduzida ou mesmo excluída.


Contudo, esta solução não anula o pagamento das multas por infracção às normas do Código de Estrada aplicáveis como vimos, a ambos.