Luanda - Em conformidade com o princípio da legalidade da Accão Penal, o art. 1° do Código de Processo Penal Angolano dispõe que “ a todo crime ou contravenção corresponde uma Accão penal”. Sempre que se verificar a ocorrência de um crime, o Ministério Público tem o dever de acusar. No exercício da Accão penal, o MP está vinculado a exigência constitucional de vinculação exclusiva a critérios de legalidade e objectividade (n° 2 do art.º. 185° C.R.A.).

Fonte: JA

Nesta sexta-feira, a Justiça angolana , através da PGR, tomou uma decisão histórica que representa uma inequívoca aproximação às tendências da doutrina do Direito Penal moderno, ao mandar em liberdade e desistir do procedimento criminal contra o empresário suíço-angolano Jean-Claude Bastos de Morais, após conseguir um acordo para a devolução de avultados activos financeiros do Fundo Soberano de Angola que de forma ilegal se encontravam sob gestão de uma empresa sua, a “Quantum Global”. Não foram divulgados os fundamentos que nortearam uma decisão a todos os títulos inovadora, no actual combate aos chamados crimes de “colarinho branco”.

 

Jean-Claude Bastos de Morais ficou três meses em prisão preventiva com base em medidas cautelares em Processo Penal em vigor no País. Estava acusado da prática de crimes de associação criminosa, recebimento indevido de vantagem e corrupção.


Tudo indica que estamos em presença de uma característica distintiva dos sistemas de justiça anglo-saxónicos e que, actualmente começa a ganhar força noutras famílias do Direito, nomeadamente a romano-germânica. Os brasileiros a chamam de “delação premiada”, ou em Portugal a “colaboração premiada” ou ainda “direito penal premial”. Seja o que for, trata-se de uma figura jurídica, cujo emprego obviamente não colhe a unanimidade dos operadores do Direito em Angola e da sociedade, de uma maneira geral.


O professor Eduardo Sambo, na obra “Melhorar a justiça Penal”, pg. 129 afirma que “ a negociação da justiça pelas partes, bem como a obtenção de soluções consensuais, constitui um afloramento do princípio da oportunidade em contraposição com o princípio da legalidade que faz carreira na justiça penal.


Em matéria penal, a presente decisão das autoridades podem ser enquadradas em dois diplomas em vigor, nomeadamente na Lei do Combate ao Branqueamento de Capitais e Financiamento do Terrorismo (Lei 34/11 de 12 de Dezembro) e da Lei sobre a criminalização das Infracções Subjacentes ao Branqueamento de Capitais (Lei 3/14), de 10 de Fevereiro. Concretamente, o artigo 57 da Lei 34/11 permite a adopção, pela PGR, da solução centrada na dispensa da pena. Portanto, existe no sentido do legislador a intenção de permitir, através da mediação penal, o mecanismo de transacção em determinados crimes de natureza patrimonial, uma vez existindo o consentimento do lesado.


Apesar da recente aprovação do novo Código Penal angolano, ainda se observa um vazio parcial quanto à aplicação do instituto da justiça premiada no sucesso do actual combate aos crimes de corrupção e demais criminalidade financeira, que poderia ser consubstanciado num “Pacto para a Justiça” com uma identidade própria para a realidade angolana. Significa que defendemos a concretização legal ou a clarificação no Código Penal do regime de colaboração premial ou premiada e não a simples importação de um modelo já existente noutro pais.


Ultimamente, por força da mediática ” Operação Lava-Jato” em curso no Brasil e que levou à prisão de vários políticos incluindo os antigos Presidentes da República Lula da Silva, e anteontem, Michel Temer, surgiu nos noticiários internacionais a expressão “Delação Premiada”, que não é nada mais nada menos que um instrumento utilizado pela Justiça brasileira para mais rapidamente se chegar ao esclarecimento de práticas criminosas e aos seus autores.


Utilizado amplamente nos EUA (plea barganing) , este mecanismo foi igualmente adoptado na Itália no combate contra as máfias e também na Espanha, onde existe a figura jurídica do “delinquente arrependido”.


Conceitualmente, de acordo com o jurista brasileiro Marcus Acquaviva, a delação premiada significa uma denúncia ou acusação informadas pelo acusado, que favorece a identificação de co-autores ou partícipes. O delator revela informações contra os seus próprios aliados.


Alguns penalistas angolanos reconhecem que já existe na legislação figuras jurídicas próximas ao regime de delação premiada, como a Lei de Mediação Penal. Muitos Estados, cujos sistemas jurídicos pertencem à matriz romano-germânica, têm abraçado tal instituto nos seus ordenamentos. Hoje é considerado um meio bastante eficaz para a justiça vencer pactos de silêncio estabelecidos entre os criminosos e conseguir penetrar nos altos escalões de sofisticadas organizações criminosas e desmantelá-las a partir do topo.


Os críticos da delação premiada comparam-na à tortura quando, ao efectuar-se a prisão preventiva se condiciona a liberdade do arguido à sua colaboração premiada. Sustentam ainda que enquanto instituto justiceiro, esta solução poderá ainda originar situações de difamação agravada.


Concordamos com Eduardo Sambo quando, na obra anteriormente citada, defende que, tendo em linha de conta as características do Direito Penal angolano, o Estado, a estrutura e a dinâmica da sua criminalidade, parece recomendável a implementação da possibilidade de se suspender o processo-crime por dois anos e arquivá-lo quando respeitadas as injunções fixadas pelo juiz, nos casos em que exista dano social insignificante, culpa diminuta e interesse de ressocialização.


Além de serem medidas que descongestionam a actividade dos órgãos de justiça penal e contribuem para uma maior celeridade processual, estaria também em evidência a construção no ordenamento jurídico angolano, de um Direito Penal moderno, que responda ao desiderato de resultado e de eficácia.

 

* Advogado