Luanda - O coordenador da Plataforma Juvenil para Cidadania (PJPC) Walter Ferreira, alerta o PR para fazer a ruptura com o actual modelo de governação, para um governo mais participativo. O combate à corrupção vai fracassar porque 90% do Executivo vem do anterior.

*Agostinho Rodrigues
Fonte: Vanguarda

Que discrição faz ao desenvolvimento das políticas da juventude no País?

Temos que perceber que as políticas da juventude devem ser vistas numa perspectiva transversal, portanto, o Presidente da República, na qualidade de Chefe de Estado e Titular do Poder Executivo tem os outros órgãos, os ministérios que estão vocacionados para, efectivamente, resolverem os problemas da juventude, que são também os problemas da família. É importante traçarmos um novo paradigma, um novo olhar para a juventude. Não podemos ver a juventude numa perspectiva meramente instrumental, numa lógica da Constituição, ao se resolver os problemas da juventude ao mesmo tempo se está a resolver o problema das famílias.

Portanto, os problemas da juventude são resolvidos com políticas públicas, que são também problema da governação.

Os desafios da governação são o restabelecimento da dignidade dos direitos dos jovens. A juventude reclama habitação, emprego, participação no espaço público.

 

Há falta de participação dos jovens no espaço público?

O Estado não financia a cidadania, ela deve ser financiada através do Estado, o nosso Orçamento Geral do Estado (GE) atribuiu verbas as associações de utilidade pública que na sua maioria são associações ligadas ao partido no poder.

Este é o paradigma que vem do Presidente cessaste, José Eduardo dos Santos, mas que continua no paradigma do Presidente João Lourenço. Por exemplo, temos organizações da sociedade civil que foram vistas no mandato do Presidente José Eduardo dos Santos como organizações contestatárias, que alegadamente punham em causa o poder instituído e, estas, não têm o apoio do ponto de vista do financiamento. Há aqui uma discriminação, não é possível ter um Estado que privilegia algumas organizações em detrimento de outras. Isto é péssimo mas, infelizmente, ainda continua. Em concreto o problema da juventude reside da visão do Executivo que merece reforma, o Estado pensa que toda a visão da juventude é institucional, o Executivo tem de sair da visão institucional para uma visão real. O Ministério da Juventude e Desporto deve sofrer também uma alteração pragmática. O ministério coloca a juventude no mesmo plano que o Desporto, não podemos ter um Executivo que tem a percepção redutora da juventude. O desporto deve ser massificado, elevam-se os níveis de socialização, de saúde pública, mas nós temos que ver a juventude numa componente social, ou seja, temos que ter um ministério que tenha política social da juventude. O problema da juventude está na ausência de políticas sociais, que devem ser concebidas de acordo com a compreensão da realidade.

 

O 1º Fórum Nacional da Juventude e outros definiram as linhas orientadoras sobre as políticas da juventude…

Está a referir-se ao diálogo juvenil no mandato anterior do Presidente José Eduardo dos Santos, o diálogo juvenil teve sucessos e deméritos. O sucesso foi a vontade de congregar jovens para que pudessem discutir e apresentar as visões e as soluções dos problemas da juventude. Foi uma boa intenção – havia boa-fé. Os deméritos são três: Há uma ideia hegemónica de que a juventude se faz na actividade partidária, por isso é que temos o Conselho Nacional da Juventude que é representado por organizações juvenis dos partidos políticos com acento e associações cívicas, logo, não haverá concordância com outras forças juvenis que estão no Conselho Nacional da Juventude, porque a JMPLA, a JURA, a juventude da CASA-CE que estão no CNJ têm uma linha ideológica, a dos partidos políticos.

O CNJ foi criado na década de 90, está completamente ultrapassado com a realidade actual, não tem uma abrangência que consiga congregar e resolver os problemas da juventude, por isso defendemos o redimensionamento do CNJ.

 

O 14 de Abril, Dia da Juventude Angolana continua a ser uma data não consensual…

Não é consensual pelo espaço de monopólio de participação da juventude dos partidos políticos, os partidos é que estão em desacordo sobre a data, não é a cidadania. Daí que defendo que no CNJ deveria haver um redimensionamento, que tivessem só organizações viradas para a cidadania, este, é que teria uma aproximação directa com o Chefe de Estado e fazer uma assessoria muito grande sobre os problemas da juventude.

Este paradigma na minha opinião deve ser alterado. O dia da juventude que vai ser comemorado o próximo mês de Abril, vai continuar a ter a mesma crispação. Eu acho que os problemas da juventude não passam fundamentalmente pela data de celebração, são transversais, ultrapassam a visão dos partidos políticos. Uma data consensual teria de nascer de um congresso nacional da juventude, que seria o interlocutor do Estado para poder dialogar com todas as forças juvenis. Nós hoje temos a plataforma digital, as tecnologias de informação, onde se discutem grandes assuntos de jovens, sem cor político-partidária. Temos que discutir, por exemplo, o número expressivo de um fenómeno que passamos a ter em Angola, refiro-me ao movimento das feministas – é uma corrente ideológica que tem sido muito predominante na nossa sociedade.

Temos que discutir isto, trazer esta discussão na agenda pública e outros fenómenos que não eram discutidos no passado.

 

Um dos assuntos da memória colectiva que não era discutido no passado era o 27 de Maio. Hoje o tabu foi vencido?

O 27 de Maio é um problema exclusivo do MPLA, não é de caris nacional embora as consequências do 27 de Maio tenham se alastraram para a nossa vida nacional. É um problema de reencontro da história dentro do MPLA, vai contar muito a sensibilidade sobre esta discussão – acho que é uma questão do MPLA fazer um perdão, discutir internamente estes assuntos. Sei que houve muitas vítimas do 27 de Maio, tive inclusive algumas na minha família, mas são questões que acho que a história poderá depois resolver. Tem que a ver interesse efectivo do Presidente do MPLA de discutir este assunto com os órgãos internos do partido, o Bureau Político, o Comité Central. Ou seja, se no tempo do Presidente José Eduardo dos Santos o 27 de Maio era um tabu, havia um estigma propor esta questão na agenda política do MPLA, o Presidente João Lourenço se quiser dar um sinal inovador poderá introduzir esta temática, para que haja uma solução sobre um assunto que ainda é problemático.

 

Em que medida os centros de formação profissional são um trampolim para obtenção de emprego para a juventude?

A falta de emprego é um dos principais problemas da juventude, pois é através do emprego que surgem outros direitos, que se dá outro tipo de dignidade, porque o emprego dá rendimento. O Executivo poderá resolver uma política pública mais assertiva, mas penso que o Estado não poderá absorver todas as pessoas, porque hoje o Estado não tem grande capacidade, nós precisamos ter um Estado mais liberal e isso só será efectivado se o Estado libertar a economia. Os jovens fazem a formação mas depois não tem o mercado de emprego disponível, o Estado não está a abrir novos concursos públicos também.

Veja por exemplo que, o País matou a classe média – nós tínhamos a classe média que foi criada com algumas vantagens, algumas regalias, jovens que eram directores, chefes de departamento de grandes empresas nacionais ou multinacionais. Estas empresas acabaram por fechar, temos mesmo o encerramento de bancos comerciais, os dados da imprensa apontam para o desemprego de 650 jovens com o encerramento destes bancos. Isto é preocupante, mas o fundamental é que o Estado crie os mecanismos administrativos para que possamos ter o investimento privado estrangeiro no nosso País, para poder preencher esta ausência de emprego por parte do Estado e mesmo do empresariado nacional que também perdeu a capacidade de ter contratação pública.

A delinquência é um fenómeno que cresce mas controlado de acordo com a Polícia…
A delinquência deriva de expectativas frustradas, que tem uma componente psicológica. Até hoje os pais passavam a ideia aos filhos de que tinham de ir a universidade fazer um curso superior para obter emprego, o actual quadro nos diz o contrário, as pessoas saem das universidades e não têm empregos. Isso cria uma espectativa frustrada. Um jovem tem a formação, quer ter um emprego e não há concursos públicos no Estado e o sector privado não tem neste momento capacidade de empregar, o resultado não pode ser outro se não os casos de que temos estado a assistir de criminalidade. A geração de emprego é um problema que deve ser resolvido com alguma urgência.

 

O PROJOVEM e Plano Nacional da Juventude fracassaram ou são um factor de desenvolvimento do empreendedorismo juvenil?

Ouvimos através da imprensa que houve descaminhos na gestão do PROJOVEM, já era tempo das autoridades públicas fazerem uma auditória, o próprio Ministério da Juventude e Desportos deveria fazer uma auditória ao PROJOVEM, precisamos de ter um Estado que responda os grandes anseios da juventude. Não podemos apenas criar programas, não são aplicados e depois não há uma responsabilização. O combate a corrupção e a impunidade não podem ser vistos apenas na lógica dos titulares dos cargos públicos, fundamentalmente ministros e governadores.

Deve ser transversal. Tivemos gestão do erário dentro do PROJOVEM, precisamos de saber qual é a situação actual. Não pode ser como no passado, no mero oportunismo de um grupo de jovens que foram ao Estado buscar dinheiro para satisfazerem interesses pessoais. Se fosse devidamente acompanhado, o PROJOVEM poderia combater à fome e à pobreza, pois a fome não se combate com programas de assistencialismo, do Executivo levar sacos de arroz, sacos de mandioca, dar cartão que cuia, não! O combate apobreza solve-se com a capacidade de rendimento das famílias e da juventude. Portanto, se a juventude, as famílias e as empresas não tiverem rendimentos não se combate à pobreza. O Presidente assumiu recentemente que não há fome em Angola.

 

Como é que encara esta visão do Chefe do Estado?

Acho que essa afirmação lhe tenha escapado, porque temos muitos pobres e muita miséria em Angola. A pobreza ea miséria também são categorias muito diferentes e é importante que se resolva esta situação, porque põe em causa a estabilidade política. Se se cria uma sociedade com elevados níveis de pobrezas e miséria, alimenta-se o sentimento de revolta e isso vai se disseminando. É importante qua a actual liderança do Estado, aquém tenho muita expectativa, não se iluda com os níveis de popularidade que teve no início na sua governação e de algum conforto que lhe é dado pela sua assessoria mais próxima.

 

O Instituto angolano da juventude não se confunde com o CNJ?
Quero pedir ao Presidente da República para ter em atenção os interlocutores que o Estado criou para mediar os interesses da juventude. Um tempo depois de ter tomado posse, o Presidente recebeu o Conselho Nacional da Juventude, eles apresentaram um memorando ao Presidente da República.

 

Qual é a contribuição deste documento que foi submetido ao Chefe do Estado.

É importante que se altere o paradigma, não podemos ter pessoas que em nome do Estado tem legitimidade para falar da juventude, mas do ponto de vista da acção, da actividade pública não têm autoridade.

 

Ao nível do Conselho da República, a JMPLA. é a organização que tem acento, é a interlocutora do Presidente da República em matéria da juventude, o que quer dizer que os desafios políticos da JMPLA são também as políticas juvenis do Estado?

Em condições normais o CNJ, a entidade que o Estado criou é que teria acento no Conselho da República, mas este órgão não reúne também consenso de toda a juventude angolana. O Conselho da República em sede da juventude deve estar mais representativo.


Temos que ter uma organização da sociedade civil ou fazia-se uma coisa melhor que o Presidente tivesse um colégio da juventude e, este, passasse a reunir o Chefe de Estado. Deste colégio estariam isentas organizações juvenis dos partidos políticos, porque os partidos já estão representados daquele órgão de consulta do Presidente. O Presidente não tem um assessor jovem, ligado a políticas da juventude.

 

Na óptica da juventude quais são os desafios do Presidente da República?

No tempo do Presidente José Eduardo dos Santos a juventude teve uma relação de crispação entre o poder político e a juventude, que culminou com a prisão dos jovens que nós conhecemos. O elemento de reivindicação naquela altura era a destituição do poder político, hoje no paradigma do Presidente João Lourenço a juventude não quer a destituição do poder político, a juventude participa mais, reivindica mais. Estamos a ter manifestações de reivindicações de direitos, ou seja, estamos a dizer que a juventude contestatária, que desempenha lutas de rua, quer uma governação melhor. Este, claramente, vai ser o novo e o futuro desafio do Presidente João Lourenço e do seu Executivo. Estamos a ter aquilo que se chama consciência colectiva, que cada vez mais se está a disseminar- nós vamos ter problema uma juventude que vai colocar as autoridades numa situação insustentável se as condições sociais não se alterarem. Tivemos manifestações no governo de Malanje, no governo da província do Cuanza Sul, portanto, são realidades de problemas políticos que devem ser acautelados, que só serão acautelados se o Chefe de Estado tiver uma acessória política diferente. Hoje alimenta-se a dia de que o bom governo é o de tecnocratas, não!

O bom governo é aquele que tem bons políticos, os tecnocratas podem estar no governo mas desempenham melhor as funções fora do governo.

 

O executivo desencadeou a Operação Resgate e Transparência. Qual é a sua visão sobre esta estratégia do Estado?

O Executivo trouxe a narrativa para recuperar a autoridade do Estado, esta é uma concepção comunista, porque o Estado já nasce com a autoridade, só numa concepção autocrática se pretende recuperar a autoridade do Estado. O que nunca tivemos em Angola é a capacidade da gestão do erário público, este é o grande calcanhar-de-aquiles do Presidente João Lourenço! O Executivo decidiu colocar a polícia, as forças de segurança como elemento principal da resolução da actividade informal, das zungueiras, dos mercados paralelos, preciso que naquelas áreas mais estratégicas, o Presidente tenha outras pessoas e o Presidente da República pode mesmo socorrer-se da sociedade, há bons quadros na sociedade, por exemplo, a AJPD, a Associação Paz e Democracia, tem bons quadros, deram formação ao sector da Justiça no âmbito dos Direitos Humanos. Têm experiência, muitos deles e não só, têm sentimento patriótico. O Presidente João Lourenço precisa ter um governo participativo. Se o Presidente quiser fazer País tem que alterar este modelo de governação, se for só para acomodar os quadros do partido no Executivo eu penso que o caminho não será de muito sucesso, porque as grandes competências políticas e técnicas não passam pelo MPLA.

 

Desde 1975 na governação o MPLA não tem competências políticas e técnicos?

Vou dar um exemplo, a JMPLA vai realizar um congresso e há uma dificuldade de encontrarem candidatos que correspondam aos desafios actuais do MPLA e da sociedade, porque o partido não preparou um candidato. Estar no MPLA, jovem, era um estatuto social. Não era uma convicção politica nem patriótica, mas este problema é do partido. Se formos a contabilizar quantos jovens tem o MPLA, que fazem politica e que são políticos de qualidade, que se preocupam com os problemas da sociedade, da comunidade, da governação, que se dedicam com exclusividade aos problemas do País, serão muito poucos, não há qualidade! Não é uma acusação, mas uma constatação de quem participa da vida pública. Vai encontrar poucos jovens que saíram do viveiro do MPLA com capacidade de influenciar a governação. Este é o problema com que vão se debater agora no congresso, este, no fundo é um problema transversal dos partidos.

Porque os três partidos saíram de movimentos de libertação e não se reformaram. Os partidos tradicionais não têm uma discussão democrática interna, não há uma relação com a sociedade. Nós continuamos a ter nos partidos políticos militantes que seguem o presidente do partido, não seguem a estratégia que o partido tem para o Estado. O presidente do MPLA pediu o combate a bajulação e foi bom que o fez, mas hoje estamos a ter uma bajulação mais sofisticada dentro partido.

Estamos a ver pessoas que não conseguem ter uma crítica dura a governação, coisas normais que acontecem nos estados democráticos. Temos que falar de forma permanente sobre o MPLA porque é que forma governo. Os destinos do País passam pelo MPLA, infelizmente, a dicotomia entre o MPLA e o Estado é muito pequena, porque a longevidade que tem o MPLA dentro do Estado é grande. O Presidente tem de revolucionar a administração pública, para que esteja virada para as competências e para os resultados.

 

O perigo de uma sociedade consensual…

O Presidente João Lourenço não pode pretender uma sociedade consensual, porque recebe actores da sociedade civil, o Estado precisa apenas respeitar a Constituição e as leis, o estado democrático e de direito. Ao invés das pessoas serem recebidas pelo Presidente, as forças de pressão não precisam ter agenda com o poder político. Há aqui um equívoco! Por exemplo a ADRA, reivindica questões de cidadania, tem uma relação directa com o executivo,mas quem está na força de pressão não pode ter agenda política com o Executivo.

 

Essas pessoas devem continuar a fazer pressão política. É preciso que os sindicatos sejam também recebidos pelo Presidente da República?

Há aqui o perigo de termos uma sociedade consensual. Sociedade consensual não! Tem de haver mesmo uma sociedade que pressiona, os grupos de pressão devem fazer parte do espaço público como acontece em qualquer parte do mundo. As sociedades de consenso não são boas para as democracias. É só estas pessoas não serem reprimidas ou restringidas de participação. Senão vamos banalizar a função presidencial!..

Doravante, o Executivo aposta na produção nacional. Que comentários se oferece a fazer?
O povo tem fome e o Executivo voltou com o PRODESI, que já vem da estratégia do antigo Presidente José Eduardo dos Santos. O presidente deveria procurar saber os sucessos e os deméritos do PRODESI, para depois ver uma outra alternativa. O Presidente poderá ter feito o trabalho de casa, mas o PRODESI pouco trouxe para economia nacional e para as famílias. A cesta básica é uma lástima, por isso, tem que se criar outras alternativas, o PRODESI não vai dar em nada.