Luanda - Há pouco mais de duas semanas, vi-me obrigado a chamar à atenção para o facto de se pretender mandar para casa os docentes universitários que tivessem completado 60 anos de idade, ao abrigo de uma suposta exigência contida na Lei Geral do Trabalho.

Fonte: Club-k.net

Depois dessa chamada de atenção, ao invés de o Ministério que tutela o ensino superior se retratar dessa sua decisão contida numa circular subscrita pela Sra. Ministra, fez circular um documento subscrito pelo Director da área de recursos humanos do ministério, esclarecendo tratar-se de equívoco. Ou seja, tratar-se de leitura inadequada da Circular no 11/2018, nomeadamente da alínea g) do seu número 2 e da correspondente planilha 9, que (como agora se afirma) visaria apenas a “recolha de dados estatísticos”, sem qualquer consequência.
Assim sendo, passo a esclarecer os factos:


1- Não há duas leituras possíveis para a referida circular, nomeadamente no que à questão da idade de reforma diz respeito. Seguem abaixo as imagens respeitantes a esta matéria, para cada um avaliar.


2- A comprovar isso está o facto de, em todas as instituições de ensino superior, ter sido feita a mesma leitura (a única possível, como já foi dito). Quem fez essa leitura não são pessoas pouco qualificadas, mas docentes do ensino superior, alguns deles com publicações dentro e fora do país e com capacidade (até) de ler nas entrelinhas. Mas, neste caso, nem se terá tratado de leitura nas entrelinhas. A intenção está plasmada no referido instrutivo.


3- Para além de isso estar escrito, a verdade é que funcionários seniores do Ministério de tutela se deslocaram nos últimos meses às diferentes instituições de ensino superior e suas unidades orgânicas, dando conta de uma série de obrigações constantes da referida circular, incluindo a necessidade de reforma compulsiva a partir dos 60 anos. Isso foi reafirmado em todo o lado (incluindo a minha faculdade), sem excepção e sem apelo nem agravo. Houve dúvidas e inquietações dos docentes e dos gestores, que simplesmente não foram atendidas, pois a decisão estava tomada. Quando, em boa verdade, a definição da idade de reforma nem sequer é matéria de competência de um ministério.


4- A circular 11/2018 tem a ver com o “cumprimento do estatuto da carreira docente do ensino superior” quando, em boa verdade, a citada alínea g) do número 2 nada tem a ver com esse diploma.


Menciona-se inclusivamente o artigo 43o desse estatuto, que absolutamente nada refere quanto à idade de reforma dos docentes universitários.

5- Finalmente, é preciso assinalar que uma circular subscrita por um Director não anula o disposto numa ordem subscrita por uma Ministra.

Apresentados os factos, resta acrescentar quatro ou cinco coisas.


Em primeiro lugar, junto abaixo a prova daquilo que está escrito a este respeito. E acrescento que, se eu não tivesse optado por publicar aquele artigo, o mais provável seria a medida ir avante, causando transtornos irreparáveis ao sistema de ensino e à economia do país.


A segunda questão que gostaria de referir tem a ver com o facto de haver pessoas que não gostam de assumir os seus erros. Cada um tem essa liberdade, obviamente. Mas é preciso ter plena consciência de que quem não assume os seus erros não pode (em circunstância alguma) exercer cargos de direcção em instituições públicas.
Que exemplo estaremos a passar para os mais novos, quando nem ao menos temos a hombridade de assumir um erro que está à vista de todos?

Em terceiro lugar, penso ser indispensável referir que quem exerce funções públicas tem que se sujeitar ao escrutínio dos cidadãos.


Ora, se um cidadão chama à atenção para um erro, quem exerce funções públicas deve olhar para a crítica como forma de auxiliar a correcção daquilo que está mal. E não pensar e dizer que quem chama à atenção para os nossos erros está contra nós.


O quarto aspecto tem a ver com a reafirmação segundo a qual o pior gestor é aquele que não ouve conselhos.


Não é possível gerir um sector como o do ensino superior, se não ouvirmos aqueles que executam as políticas públicas da área.


Se o Ministério ouvisse os docentes (e atenção, que não me estou a referir à minha pessoa), não teria cometido o erro de anunciar a reforma compulsiva dos docentes universitários aos 60 anos, quando Angola seria talvez o único país do mundo em que isso ocorreria.


E se Angola está hoje na cauda em termos de qualidade de ensino, pior ainda ficaria com esta medida mais que absurda, que foi propalada aos quatro ventos pelas várias instituições de ensino superior, doesse a quem doesse e ficasse mal quem ficasse.


Só na UAN, um quarto dos docentes têm 60 anos ou mais. Será que o Ministério percebe mesmo o que significaria mandar para casa um quarto dos docentes de uma universidade como a UAN? Não me parece que haja consciência disso. E muito menos ainda, se atendermos ao facto de essa percentagem aumentar consideravelmente, em categorias como as de Professor Catedrático e Professor Associado.


Um último aspecto tem a ver com o facto de a medida aqui criticada não estar isolada. Há uma série de opções erradas que se estão a tomar no ensino superior, de que resultará o não cumprimento do projecto anunciado, de melhoria da qualidade de ensino.


Prometo abordar outros assuntos em próximas ocasiões.


Adianto apenas que muita coisa vai mal na tutela do ensino superior. Cada vez mais se confunde tutela com gestão e vai-se pisoteando a autonomia das instituições de ensino superior.


Assim não vamos conseguir dar a volta que o Presidente da República anunciou no discurso de tomada de posse e tem reafirmado noutras ocasiões. Já passaram quase dois anos e continuamos a regredir.

Assim não vamos lá. Definitivamente!

Paulo de Carvalho

11/4/2019 WhatsApp