Luanda - A discussão sobre a regra à observar no processo de institucionalização das Autarquias locais em Angola como observa a Carta Magna da República (n.o 1 e 2 do art. 242.o/CRA) vai ganhando proporções e mudanças de tons e, as interpretações vão transformando-se no elemento de discórdia e bloqueio ao processo. As principais forças políticas e tradicionais do país: MPLA (gradualismo geográfico) e UNITA (gradualismo territorial) colocaram as cartas à mesa, de acordo às suas interpretações jurídico-constitucionais, propuseram modelo a observar. Ministério da Administração do Território e Reforma do Estado (MATRE), no âmbito das suas responsabilidades, promoveu debates e recolheu informações e contribuições de vários segmentos que corporam a sociedade angolano. Como resultado final, produziu a “Proposta de Leis do Pacote Legislativo Autárquico”, que já na próxima Reunião Plenária da 2a Sessão Legislativa da IV Legislatura da Assembleia Nacional, os Comissários do povo angolano (Deputados) representados na “Casa das Leis”, como parte da sua Agenda laboral, vão discutir o pacote legislativo sobre as Autarquias Locais, dentro do espirito e corpo das reformas do Estado que visa a concretização de um imperativo constitucional.

Fonte: Club-k.net


Dado a importância capital que reveste o processo da autarcizaçao no país, cogitou-se a necessidade e o fomento de um debate alargado, inclusivo, responsável, inteligente e acima de tudo, assente nos cânones pedagógicos. O debate sobre as Autarquias, engloba-se no pacote de discussão sobre o Poder local em Angola, que compreende as três formas organizativas infra-estadual, as autarquias locais, as instituições do poder consuetudinário e as outras modalidades específicas de participação dos cidadãos (n.o 2 do art. 213.o/CRA). Portanto, revela-se cada vez mais imperioso e um desafio envolvente, na medida em que conflui os paradigmas distintos da interdisciplinaridade.


A Carta Magna angolana é das Cartas Magnas conhecidas que mais valoriza o princípio da Autonomia Local (José de Melo Alexandrino, 2010: 6-7), como mostra, elevou este princípio a limite material de revisão constitucional. O que significa, uma garantia tácita de não retrocesso das instituições autárquicas no nosso ordenamento jurídico. O legislador constituinte optou claramente a adoptar pela configuração do poder local como um poder político que envolve a organização democrática do Estado angolano, através dos três elementos espelhados. Aqui, a posição do Estado em relação a cada um destes elementos e formas organizativas, estabelece o compromisso: no que concerne às autarquias locais, o Estado tem o dever de as criar, de as prover de meios e de respeitar as garantias constitucionais que as protegem. Relativamente às instituições do poder consuetudinários, sendo elas, figuras históricas e pré-coloniais, o Estado tem o dever de as reconhecer e de configurar as relações reciprocas e; quanto às modalidades de participação dos cidadãos, o Estado a luz dos princípios da democracia representativa e participativa, deve criar/criou por lei condições e mecanismos no sentido de apoia-los no presente e no futuro. E, no sentido de materializar estes pressupostos, a Carta Magna elege gradualismo como princípio que deve presidir e orientar o processo de institucionalização efectiva das Autarquias locais em Angola. E, a Lei Ordinária no seu art. 2.o/Lei sobre a Institucionalização das Autarquias Locais (LIAL), no tange aos princípios que “a selecção de municípios para efeitos de institucionalização efectiva das Autarquias locais observa, entre outros, o princípio da objectividade, da eficiência administrativa e do gradualismo”.


Em termos de enquadramento doutrinário (político-administrativo), a devolução de poderes á entes locais no âmbito da descentralização territorial, assenta numa óptica ou método que consiste, em entregar a gestão de certos serviços ou interesses colectivos á um ente autónomo; isto é, um ente infra-estadual. E, este terá uma Autonomia local, Administrativa e Financeira. Evidentemente terá os seus órgãos próprios (caso seja imperioso), à efectivação da democracia local, um órgão colegial onde tenha representação dos utentes dos serviços públicos, os comissários da advocacia dos interesses dos administrados locais ou daquela circunscrição administrativa. Para dissipar as dúvidas e reticenciais, a descentralização territorial afirma a teoria e doutrina do Direito Administrativo, Ciência Política e Direito Autárquico, visa descongestionar ou permitir descongestionar as responsabilidades que estavam na alçada da Administração central para Administração local, a lei aqui, limita-se apenas a devolver os poderes que a princípio são da entidade supra, o Estado, as pessoas colectivas do direito público a nível infra-estadual que o exercem ou exercerão através dos órgãos próprios onde o Estado na qualidade de entidade supra, exercerá apenas uma acção tutelar. As responsabilidades são confiadas a uma pessoa colectiva distinta do Estado que representa uma tendência de afastamento do poder do centro para a periferia. Isto representa, não mais do que, o desdobramento da personalidade do Estado.


É possível observar-se que, este princípio realiza-se mediante a transferência de atribuições e competência do Estado para entes locais e tendem por finalidade assegurar o reforço da coesão nacional e da solidariedade inter-regional, a promoção da eficiência e da eficácia da gestão pública, garantindo deste modo, a prevalência dos direitos e interesses dos administrados. No fundo, a efectivação das Autarquias locais em Angola, não implicação só, a auto-administração (autarquias e outros entes locais) possuírem atribuições próprias, mais acima de tudo, se reforce a transferência de atribuições do Estado para estes entes numa acção que corresponda ao núcleo de interesses verdadeiramente inspiradas pelas populações locais e de que serão exercidas de uma forma mais eficiente e eficaz. A difusão das tarefas públicas mediante a devolução das atribuições e de poderes á entidades autónomas sitiadas abaixo do Estado, onde podem delegar nos termos da lei sempre que se revelar necessárias as suas competências em ou para os órgãos hierarquicamente dependentes para o aumento da eficiência, celeridade, qualidade e aproximação dos seus serviços às populações (art. 9.o/Lei n.o 15/17, de 8 de Agosto). O princípio da autonomia local, a luz desta dinâmica, deve ser entendido como o direito e a capacidade efectiva de as organizações infra-estaduais, neste caso, as autarquias locais e outros entes públicos descentralizados gerirem e regulamentarem nos termos da Constituição e da lei sob a sua responsabilidade e no interior das respectivas circunscrições administrativas os assuntos públicos locais.


A perspectiva legal adoptado pelo legislador angolano, compreende o direito e a capacidade efectiva da “Administration locale”, Autarquias, gerirem e regulamentarem, nos termos da Carta Magna e da lei ordinária sob sua responsabilidade e no interesse das respectivas populações, os assuntos públicos locais (n.o 1 do art. 7.o/Lei n.o 15/17, de 8 de Agosto). No plano político-administrativo, pode ser vista como órgãos das pessoas colectivas do direito público autónomos que são (ou devem ser) livremente eleitos pelas respectivas populações ou pelos seus associados, quando a lei os considere independente na órbita das suas atribuições e competências. Isto quando estiverem também sujeitos a formas atenuadas de tutela administrativa em regras restritas ao controlo da legalidade.


Visualizando o princípio da descentralização administrativa, transparece a ideia de devolução de atribuições, que concretiza-se efectivamente com a transferência de atribuições e competências. O Estado como é sabido, prossegue atribuições que pela sua natureza e generalidade, não devia prosseguir, porque não correspondem aos interesses nacionais ou global da sociedade. Com isso, compete-lhe transferi-las para a Administração local (Autarquia) que deve naturalmente prossegui-las por corresponderem a interesses das populações da respectiva circunscrição administrativa. Na realidade, o princípio da descentralização administrativa exige mais do que a mera eficiência, dado o seu cerne estar preso a natureza dos interesses que se prosseguem e não da sua realização. É mister que, os interesses locais não têm que corresponder exactamente aos pequenos interesses meramente localizados, mas pelo contrário, devem corresponder a interesses das populações locais ou da respectiva circunscrição administrativa que se torna diferenciado dos interesses nacionais, dado a escala em que são exercidos e que se encerra.


As vantagens com a institucionalização das Autarquias locais em Angola, elas serão enormes, não só como um garante as liberdades e interesses locais que servirão de base a um sistema pluralista de administração, mas também, estabelecera uma fronteira ao poder político central, sendo o poder local uma «muralha» contra abuso de poder central, e proporcionando a maior participação dos cidadãos na tomada de decisões públicas localmente em materiais que gravita os seus interesses (privados) e da sua circunscrição administrativa.


No que tange ao Gradualização, notabiliza-se que este princípio traduz-se num processo de escalonamento progressivo e faseada de devolução aos entes infra- estaduais (autarquias) a autonomia financeira e administrativa, tendo em conta, as especificidades de cada um dos níveis, isto em função das particularidades e complexidades reais de cada área, região ou circunscrição administrativa. Portanto, os poderes (Administração central) a confiar aos municípios na qualidade de entes administrativos (infra-estaduais) descentralizados, devem ser transferidos de forma gradual e faseada, no sentido de obter-se uma autonomia local real, do que serem apenas, aparelhos administrativos reprodutores de procedimentos mecânicos de normas legais e «modus operandi» da Administração central.


Por isso a Lei especifica, selecciona em termos de critérios, que a criação de Autarquias locais (deve) obedecer os critérios como níveis de desenvolvimento socioeconómico e de infra-estruturas expressivos no quadro da respectiva província (al. a do art. 3.o/LIAL); o mínimo de população de 500.000 habitantes, desenvolvimento socioeconómico de arrecadação de receitas de pelo menos 15% face à média da despesa pública orçamental (al. b do art. 3.o/LIAL). Pode-se observar ainda outros critérios impostos por lei nesta mesma proposta de diploma (al. c, d, e, f, do art. 3.o/LIAL).


Por essa razão, levanta-se o «quesito» dos recursos ou meios humanos, materiais e capacidade de arrecadação de receitas que simboliza um conjunto de exigibilidades indispensáveis para se concretizar as atribuições e competências a serem transferidas de Estado para as autarquias. É a partir deste prisma que o MPLA olha para a realidade do país e levanta a sua tese do Gradualismo Geográfico; que consiste num processo de transferência planeada, gradual e coerente, em vez de uma transferência abrupta, não testada. O Gradualismo Geográfico impõe em si, como regra a observar, impõe ao Estado angolano, tempo e requisição de cautela para que as pessoas tomem o real conhecimento (bastante informação) e a mensagem chegue de forma clara e possível.


O Partido dos Camaradas lança repto que é necessário e fundamental que cidadão que é a última instância da acção governativa precisa saber (prossecução do interesse público), porque é ele quem faz com que as coisas aconteçam e funcionem (democracia participativa) e representa o maior interessado neste todo o processo.
A realidade concreta do país e o novo ciclo político sob liderança do Presidente João Manuel Gonçalves Lourenço, está a revelar (pouco-a-pouco) o Estado, que vai saindo de um sistema político-administrativo centralizado para um sistema político- administrativo, descentralizado e desconcentrado e com forte pendor da democracia participativa dos cidadãos na construção do país e na fiscalização dos órgãos da soberania. Uma das razões vislumbrado pelo MPLA na defesa desta tipologia de Gradualismo, assenta na razão que, há uma falta entre nós de uma tradição municipalista (Autonomista) e mais, dado a realidade histórica do país fustigado pelo um conflito armado de quase três (3) décadas, os municípios encontram-se com escassez de condições materiais e humanas. O conflito armado (Guerra Civil), aceitando ou não, agudizou ou foi o elemento chave que alavancou assimetrias locais e regionais em termos de desenvolvimento municipal para se adoptar já um sistema descentralizado e autónomo, assente na opção de implementação de Autarquias em todo território nacional (Gradualismo Territorial). Este olhar tem revelado não ser uma opção racional, segura e completamente favorável adoptar-se de acordo a realidade angolana.


O Gradualismo Geográfico, a sua adopção representa uma opção mais viável, vai temperar o processo de institucionalização em várias fases, assegurar e proteger melhor os bens como a unidade nacional e o desenvolvimento harmonioso do território nacional. É verdade que este princípio, elasticiza o processo de institucionalização que levará décadas a completar. Significando que as Autarquias locais, não serão criadas simultaneamente em todos os municípios e, a transferência de Poder, será doseado, correspondendo a um processo lento, paulatino, progressivo e faseado de modo a não se colocar em perigo ou em risco o próprio processo que vai sendo ajustado, os erros e desvios que daí nascerem ou vão nascendo. O MPLA, entende que, na verdade, as Autarquias vão ganhando com tempo a maturação e obtendo mais Poder em cada passo que se vai dando e consolidando. Porque, o próprio conceito do gradualismo na perspectiva jurídico-administrativo, politológico engloba elementos. Este elemento cinge-se no tempo (faseamento ou etapas); extensão (clara evidencia por lei de um determinado número de autarquias que são ou devem ser criadas pelo órgão do Estado); competências (doseamento das suas competências). Este vário elemento entroncado dá- lhe (no gradualismo) um carácter mais dinâmico assente num exercício pedagógico e evolutivo que assegurará o processo de aprendizagem, ajustamento, reparações contínua e proporcionando-lhe um aprofundamento técnico e metodológico da intervenção de modo que na fase de extensão se tenha em consideração as experiencias e boas práticas, evitando desta forma, a repetição de erros análogos e cíclicos.


O processo da institucionalização das autarquias locais, embora das divergências de opiniões, perspectivas e pluri-interpretações, dependem muito das opções políticas da força que detém o leme da governação e a maioria (parlamentar), que em cada momento controla e domina o Poder (político, social, cultural e as tradições históricas). É claro que esta perspectiva do gradualismo geográfico tem provocado à algumas forças políticas na Oposição, uma frustração generalizada, que preferem uma criação ou institucionalização generalizada e linear em todo território nacional de uma forma simultânea em todo território nacional. A perspectiva do Gradualismo proposto pela UNITA (Gradualismo Territorial), assenta fundamentalmente em duas nuances: a primeira consiste na fragmentação e poliarquisação do Poder e, segundo para além de Tutela de Mérito ou de Legalidade, a Administração central exercerá uma solidariedade económico-financeira àqueles municípios (Autarquias) que carecem no sentido de elevar (de uma acelerada) ao nível de outras circunscrições que possuem os requisitos estabelecidos legal e doutrinariamente.

 

Esta forma de olhar, viola e contraíra grosseiramente, as condições necessárias imposta pela Ciência do Direito Administrativo, Direito Autárquico, Ciência da Administração e Ciência Política e a Lei. A doutrina estabelece que, para funcionamento de um “Self-Government” é necessário e imperioso haver: Autonomia Financeira (capacidade de arrecadação de receitas e auto-sustentação económica), Autonomia Administrativa (recursos humanos e meios materiais) e Autonomia Regulamentar (funcionamento de uma assembleia autárquica deliberativa plena e o exercício da democracia representativa e participativa local). Nisto acrescenta-se as condições primárias e secundárias materialmente.


A carência de condições materiais e económicas, as assimetrias sociais e regionais, insuficiência de quadros, falta de conhecimento por parte dos cidadãos sobre as Autarquias, podem ser solucionados através de um debate aberto contínuo, sério, mitigação de perspectivas e ponderação de interesses politicamente relevantes.


É evidente que, aquilo que se pretende não é uma implementação do Poder Autárquico cego e deficiente, sem reparar as condições e realidade concreta do país no âmbito do cumprimento do programa político-constitucional estabelecido. É necessário, desenvolvermos uma justeza no olhar e entendermos que, nem sempre as Administrações são arquitectadas a luz das linhas rectas da doutrina administrativa ou das perspectivas político-partidárias, porque cada povo, Estado ou sociedade, organiza- se em conformidade com a sua realidade e herança sociocultural, pautando numa forma de organização que interessa ou atende ao resultado na resolução dos interesses colectivos, os interesses de todos os angolanos.


____________ *Politólogo