Luanda - A classe jornalística dos órgãos de comunicação social públicos, adiante designado OCSP, continua a dar provas de que não está à altura da "Nova Angola" que o nosso presidente da República vem publicitando dentro e fora de Angola. Com o recente concurso do Ministério das Telecomunicações e Tecnologias de Informação, que obrigou "o chefe" a anular tudo, não se ouviu, não se viu nem se leu nada no Jornal de Angola, Angop, RNA e TPA que servisse de alerta ao Titular do Poder Executivo (que nomeou os respectivos Conselhos de Administração) e órgãos de investigação criminal - uma vez que todos são consumidores do que se veicula publicamente - de que alguma coisa não corria bem no concurso que colocou a empresa TELSTAR como a quarta operadora de telecomunicações.

Fonte: Club-k.net

"O chefe" foi obrigado a intervir sem que os seus auxiliares da comunicação social o ajudassem. Na altura, alguns jornais privados já tinham alertado sobre o assunto. Destaca-se o jornal Expansão, com o jornalista Nelson Francisco Sul, que chegou mesmo a detalhar a eventual razão da desistência de empresas de renome, o que já mostrava que alguma coisa não corria bem. Nem com isso os órgãos de comunicação social púbicos conseguiram acordar. Ninguém conseguiu noticiar com base na notícia do jornal Expansão. Tudo indica que gestores de conteúdos dos OCSP não lêem o que os outros colegas produzem. E isto não é um bom sinal para quem é gestor de conteúdos.

 

A matéria do Expansão, de per si, num país normal, já dava para ser retomada nos órgãos públicos, nomeadamente Jornal de Angola, Angop, Rádio Nacional de Angola (RNA) e Televisão Pública de Angola (TPA), pelo interesse público que representava. Se tudo fosse alertado na hora, não haveria necessidade de se realizar um novo concurso público. Era só corrigir o concurso que já estava em curso. A essência do jornalismo é evitar males. O jornalismo surgiu no mundo para ser contrapeso dos governos, do poder. Quando um mal acontece significa que algum jornalista não esteve atento aos indícios do mal. O mal não acontece do dia para a noite.


O mal é idealizado por alguém. Na hora da execução, alguém terá de o descobrir para o "matar". Está nos manuais. Agora é com o concurso púbico do MIREX. Hoje, depois da sexta-feira Santa marcada ontem, leio, por meio do Club K, uma matéria segundo a qual a Associação de Diplomatas de Angola (ADA) entregou na passada quinta-feira (18), ao Tribunal Supremo, uma peça a pedir a suspensão do concurso público lançado recentemente pelo Ministério das Relações Exteriores, invocando graves irregularidades e interferências das chefias deste departamento ministerial que têm a ver com práticas antigas de dirigentes do MPLA, consubstanciadas em colocar “os filhos, os irmãos, os sobrinhos, primos, genros, noras e pessoas amigas e filhos de altos dirigentes em categorias superiores e enquadrando mesmo alguns como Embaixadores, numa clara violação à lei e num total desrespeito a totalidade dos funcionários”.


A matéria foi lançada hoje (20.04.2019) pelo Club K (órgão privado). E a minha pergunta é a mesma: onde estão os órgãos públicos? Por que o Jornal de Angola, Angop, RNA e TPA nunca conseguem noticiar matérias que coloquem em causa a gestão do actual presidente da República? Por que só se noticia o que foi de errado na gestão de José Eduardo dos Santos? É a orientação que têm? Ao contrário do que muitos alegam, e porque eu já questionei alguns trabalhadores destes órgãos, é falsa a ideia de que a "linha editorial" dos órgãos púbicos seja "ocultar tudo o que é errado do Executivo", porque quem nomeia os Conselhos de Administração é o Titular do Poder Executivo. É uma falsa ideia que se passa aos trabalhadores.


A Lei n.°1/17, de 23 de Janeiro, a Lei de Imprensa, não separa os órgãos públicos dos órgãos privados em relação à linha editorial. Não existe nenhuma linha editorial - nem podia existir - que seja contra a Constituição da República de Angola (a lei-mãe). Se a Constituição orienta para o Direito de Liberdade de Imprensa, de Expressão e de Informação e a Lei de Imprensa orienta a informar com rigor, isenção e imparcialidade para satisfazer o interesse público (onde o próprio presidente da República é um consumidor do que se veicula na imprensa pública), é justamente para se acautelar que o mal aconteça. Os Conselhos de Administração dos OCSP não servem para encobrir crimes. Se o fizerem, são tão criminosos quanto os seus autores e devem ser responsabilizados por isso (se for o caso) pelo Titular do Poder Executivo (com exonerações) e pelos órgãos de justiça.


É preciso que os gestores de conteúdos dos OCSP estejam atentos aos conteúdos veiculados pelos outros órgãos de comunicação social, que podem ser privados, para os citar quando tiverem de retomar matérias de interesse público. Para um jornalista (sério) o interesse público é chefe do presidente da República. O interesse pessoal do presidente da República não está acima do interesse público definido na Lei de Imprensa. É só ler. Já está escrito. O jornalismo é uma actividade global. Não é mal nenhum retomar matérias de outros órgãos ou colegas e citá-los como fonte primária. Por outro lado, começa a ficar cada vez mais evidente o desinteresse dos OCSP em fazer Jornalismo de Investigação. Afinal não é por não haver dinheiro para se custear investigações.


É mesmo falta de interesse dos OCSP. Só assim se pode justificar a não retoma de matérias de interesse público que até os outros já fizeram. Era só retomar sem muito esforço. Não há mesmo vontade de se fazer melhor. Outrossim, se o Titular do Poder Executivo hasteou uma bandeira de luta cerrada contra a corrupção, significa que os órgãos de comunicação social tinham de ter especialistas (jornalistas de investigação) para o acompanhar. Não é o que estamos a ver. São os órgãos privados que denunciam tudo, em primeira mão, em relação a práticas antigas de corrupção.


Não se percebe a razão objectiva de João Lourenço chegar a elogiar publicamente o jornalista de investigação Rafael Marques de Morais pelo trabalho que sempre fez no seu portal Maka Angola e incentivá-lo a continuar - e destaca-se aqui o facto de Rafael Marques já ter trabalhado para o Jornal de Angola -, quando o mesmo TPE não consegue nomear um jornalista com a sua dimensão para o jornal público, onde João Lourenço é o chefe. Qualquer coisa não bate certo nesta equação. Há variáveis que mostram resultados diferentes do discurso de João Lourenço. Se de facto gosta tanto do trabalho de Rafael Marques, por que não o nomeia para PCA do Jornal de Angola, já que o PCA é que se torna director-geral do Jornal de Angola e com isso o público, de Cabinda ao Cunene, passa a ler jornalismo de investigação num órgão público? Está claro que João Lourenço pisca para a esquerda mas para curva para a direita.


Não é deste jeito que o presidente da República vai ter autoridade moral sobre os cidadãos angolanos. Pelo contrário, está cada vez mais a mostrar que não merece ser presidente de todos os angolanos. Para agravar ainda mais o facto de o Jornal de Angola e outros OCSP não terem feito bem o seu trabalho em relação ao recente concurso púbico que levou a TELSTAR ao colo e que obrigou o chefe a anular tudo, o Jornal de Angola vem destacar ontem (19.04.2019) "Decisão de anular concurso ganho pela Telstar é aplaudida".


É dever de um jornal sério mostrar aplausos de um erro que ele próprio não conseguiu identificar ou denunciar antecipadamente para que o Governo de João Lourenço não estivesse hoje manchado dentro e fora de Angola? Como é que os investidores estrangeiros vão acreditar na "Nova Angola" se é o Executivo que dá tiros no próprio pé? O JA devia ter ajudado João Lourenço. Não o fez. Mostrou incompetência. Os aplausos, as premiações que podem acontecer a um órgão de comunicação social (sério) é quando ele publica uma matéria de grande impacto nacional e internacional.


A matéria "de palmas" é aquela que serviu para se evitar um mal de grande proporção. Está nos manuais. Hoje o Club K mostrou que há outro perigo com o concurso do MIREX. Os mesmos órgãos públicos ainda não noticiaram nenhuma irregularidade. Amanhã se "o chefe" anular tudo vão também destacar que a "Decisão de se anular concurso do MIREX é aplaudida"? É isto o jornalismo da "Nova Angola" que o ministro da Comunicação Social e a admistradora de conteúdos da RNA Paula Simons estão a ensinar aos jornalistas e aos jovens estudantes de comunicação social em todas as províncias, nos seminários, palestras e conferências internacionais? É este "novo jornalismo"?

 

Carlos Alberto
20.04.2019