Luanda - Intervenção da deputada Mihaela Neto Webba no ponto sobre a Proposta de Lei da Tutela Administrativa do Estado sobre as Autarquias Locais.

Fonte: Club-k.net

Muito obrigada pela palavra Senhor Presidente

Soberano Povo de Angola,

Caros Deputados

Distintos Auxiliares do TPE

Caros convidados,
Minhas senhoras e meus senhores:

Angola enfrenta inúmeros desafios sociais: a necessidade de reduzir a fome e a pobreza, a prestação de serviços básicos de saúde a todos os cidadãos em todos os municípios, a inclusão da totalidade das crianças de todos os municípios no sistema de ensino primário gratuito e universal, a prestação de serviços municipalizados de abastecimento de água potável a todas as residências, em todos os municípios, a prestação de serviços municipalizados de saneamento básico em todos os municípios; a prestação de serviços municipalizados de recolha, tratamento e gestão científica dos resíduos sólidos e líquidos; a garantia da existência de planos directores para o desenvolvimento ordenado do território rural e urbano em todos os municípios; enfim, a descentralização da governação democrática para a tornar mais eficaz, mais participativa e fiscalizada pelo cidadão, a todos os níveis.

A ciência do direito já provou que muitos desses desafios podem ser assumidos pelo poder autárquico e regulados pelo Direito Administrativo. Devemos sempre ter presente que, a aplicação do Direito como ciência é independente das opções políticas e sobretudo dos interesses político-partidários.

No entanto, ao longo dos anos os desafios foram se acumulando até que surgiu agora o desafio de “tirar as autarquias do papel”, que é a Constituição de 2010, como diz o Presidente João Lourenço, mas isso não pode ser à custa da violação do princípio basilar da Autonomia Local.

Quando nos referimos à separação de poderes no quadro das autarquias locais estamos no âmbito da separação vertical de poderes no exercício da função administrativa.

Esta separação é vertical porque envolve o Titular do Poder Executivo e seus auxiliares e a Câmara Municipal, que é o órgão executivo colegial das AL. Estes dois órgãos partilham o exercício da função administrativa do Estado, porém, são órgãos autónomos, porque distintos uns dos outros.

Através das AL o Estado democrático transfere algumas das competências do Poder Executivo do Estado para órgãos autónomos do poder autárquico, eleitos pelos cidadãos, operando-se assim uma descentralização da função administrativa.

Na descentralização, estão envolvidas duas pessoas jurídicas distintas sem qualquer relação hierárquica entre si, o Estado e as Autarquias. A descentralização implica necessariamente autonomia.

Na desconcentração, existe tanto hierarquia como subordinação entre a pessoa jurídica e o órgão por ela criado, tal como as Administrações Municipais e os Governos Provinciais em relação do TPE, o que permite que haja controlo hierárquico (comando, fiscalização, revisão, punição, solução de conflitos de competência, delegação de poderes e avocação de competências) da primeira sobre o segundo. Na descentralização não há hierarquia nem subordinação. Há autonomia. As autarquias não respondem perante o TPE e quaisquer eventuais conflitos de competências terão de ser resolvidos pelos tribunais.

Então onde é que reside o desafio?

Reside no seguinte: num país onde até mesmo os órgãos de soberania não se conseguem afirmar como órgãos autónomos e igualmente soberanos em relação ao Poder Executivo, será que a autonomia das câmaras municipais será respeitada???

Num país onde todo o dinheiro e todo o poder de decisão ficam concentrados num único órgão singular, apesar de a CRA estabelecer de outro modo, será que a autonomia do poder autárquico vai ser respeitada???

Nos termos da nossa lex mater a regra é a da tutela administrativa de legalidade e não poderia ser de outra forma, em virtude de a própria autonomia local ser um limite imanente, uma cláusula pétrea, uma regra de intangibilidade em sede de revisão constitucional, impondo o legislador constituinte a inalterabilidade da autonomia (administrativa, financeira, creditícia, regulamentar, patrimonial, etc., como partes do todo chamado autonomia local).

Isso significa que havendo a possibilidade de a tutela de mérito colocar em causa a autonomia local, será inconstitucional.

Num país, com a prática de 44 anos de centralização, de exclusão e de ordens superiores que superam os comandos constitucionais, onde a iniciativa e a autoridade locais nunca foram respeitadas pelo poder central, a tutela de legalidade tenderá a ser usada muitas vezes, e de forma indevida, como veículo para coarctar iniciativas, atacar o pluralismo e fomentar intrigas ou conflitos institucionais desnecessários, que podem pôr em causa o desenvolvimento local e a execução harmoniosa do OGE.

A letra e o espírito da Constituição, no que a tutela administrativa diz respeito, não podem nem devem ser violados pelo legislador, sob pena de se colocar em causa o princípio basilar da Autonomia Local!!!

Muito obrigada.

Mihaela Neto Webba
Luanda, 22 de Abril de 2019