Luanda - O MPLA iniciou, há uma semana, uma campanha de moralização da sociedade, que inclui o combate à corrupção. Com pompa e circunstância, o partido que governa Angola desde a proclamação da independência em 1975 pretende assim redimir-se de uma série de erros do passado – neste caso, com a chamada de atenção para vários dos males mais enraizados: a corrupção, o nepotismo, a bajulação, a impunidade e a transmissão de elementos negativos, contrários aos valores morais (até mesmo pelo sistema de educação, da base ao topo).

Fonte: Club-k.net

Acompanhei à distância o início deste processo, através da comunicação social.


Da mesma forma, fui ouvindo e lendo uma série de críticas dirigidas ao MPLA, relacionadas com o seu passado e com a campanha que agora foi lançada.


É sobre isso que me vou debruçar, procurando fazê-lo de forma isenta (ou seja, no mais possível, sem considerar a minha proximidade ao MPLA, partido em que milito há várias décadas).

A primeira coisa que pretendo referir tem a ver com o facto de o MPLA estar desde há muito a ser criticado pelo seu passado recente ligado à corrupção. Agora que vem iniciar uma campanha a favor da moralização, começam as críticas em relação a estarmos diante de um “moralista sem moral”.


É caso para dizer: preso por ter cão e preso por não o ter.

Então quem (pessoa ou instituição) age mal uma vez, vai ter de agir mal sempre?


Penso ser bastante bom que o MPLA reconheça os seus erros e os procure corrigir. Sou militante do MPLA, daqueles que sempre chamaram à atenção para os erros, de modo que espero sempre pela sua correcção. E bato palmas quando isso acontece (em surdina ou publicamente, se essa possibilidade me for dada).


Portanto, para início de conversa, deve ser ponto assente que a campanha de moralização é bem-vinda e espero que tenha todo o apoio da massa militante e (por que não?) da sociedade em geral.


O segundo aspecto que considero útil mencionar tem a ver com algumas críticas que se endereçam a dirigentes do MPLA, que ainda há 3 ou 4 anos nada faziam contra a corrupção e, hoje, terão invertido convenientemente a marcha, falando em sentido contrário.


Penso estar absolutamente à vontade para abordar este assunto, pois nas três instituições do Estado que geri (no outro tempo), sempre combati a corrupção. Não terei sido o único a fazê-lo, mas fui um dos que o fizeram naquela altura, com várias provas dadas até por escrito e também publicamente.


Pois não tenho absolutamente nada contra o facto de quem agiu mal no passado, poder agora actuar em conformidade com as normas e os princípios morais. Mesmo em relação a quem terá naquela altura agido mal em relação a mim, se hoje tiver atitude contrária, considero esse um acto de redenção. Pois quem não pode ter a chance de reabilitação?


Portanto, não me parece que quem antes terá batido palmas à imoralidade não possa, hoje, redimir-se. Esteja no MPLA ou em qualquer outro partido político.


Quanto às organizações, também podem sempre “corrigir o tiro”, ou mesmo redimir-se. Para alem disso, sabemos todos que, nas organizações, as lideranças comandam as políticas e indicam a direcção a seguir. Havendo mudança de líder, pode haver lugar à correcção de vários tiros, tal como aliás temos vindo a acompanhar no caso do MPLA.

O terceiro aspecto tem a ver com declarações de comentadores, nos meios de comunicação social e nas redes sociais, segundo as quais “toda a gente, no MPLA, é corrupta”.


Bem, uma declaração destas peca obviamente por excesso, pois (neste caso, sublinho) só pode ser hipoteticamente corrupto quem exerceu funções de gestão no aparelho de Estado.


E deve ficar claro que nem todos os que exerceram cargos de gestão no Estado são corruptos. Eu mesmo dirigi três instituições do Estado (o Centro de Imprensa Aníbal de Melo, em 1991-1992; a Faculdade de Letras e Ciências Sociais da UAN, em 2005-2006; e a Universidade Katyavala Bwila, em 2009-2011) e desafio quem o queira fazer, a demonstrar que não terei agido exactamente em sentido oposto. Como eu, alguns outros terão também combatido a corrupção.


Mas quero aqui referir os casos de dirigentes do MPLA, cujas acusações de suposto envolvimento em corrupção não consideram o facto de não terem nunca desempenhado funções de gestão no aparelho de Estado.


Entretanto, é preciso reter que nem toda a gente que tenha hoje capital, o terá conseguido de forma fraudulenta. Muito poucos o terão herdado, é verdade, mas há quem tenha queda para negócios e tenha reproduzido aquilo que conseguiu obter de forma honesta (a partir de créditos bancários, por exemplo, mas não apenas por essa via).


Que fique claro, pois, que quem nunca dirigiu instituições do Estado ou empresas estatais, nem nunca geriu departamentos financeiros, deve ser colocado de lado quando se aborda um provável envolvimento em corrupção (quando esta parte de quem é gestor, que é o caso em apreço). Os que apenas dirigem empresas privadas ou departamentos partidários devem também estar excluídos quando se aborda esta questão.


E, até prova em contrário, aqueles que exerceram anteriormente cargos de gestão no Estado podem também não ter tal envolvimento.

Por último, quando falamos em moralização, os destinatários não podem ser apenas dirigentes de um ou outro partido político, ou governantes. Há uma série de outros destinatários, que não devemos esquecer.


Refiro-me aos agentes da gasosa, onde incluo funcionários públicos (de cartórios notariais, conservatórias dos vários tipos, com maior destaque para a do registo automóvel, tribunais, ministérios e institutos públicos), professores, médicos e enfermeiros, jornalistas, polícias e fiscais da actividade comercial e das administrações.


A lei da gasosa está tão enraizada entre nós, ao ponto de haver lugar a difamação e a alianças caluniosas e injuriosas contra quem não alinhe no esquema, chegando-se mesmo ao extremo de programar atentados (apenas para intimidação, ou mesmo com “ordem de abate”), com total impunidade.


E atenção que, quando falo em gasosa, estou a referir-me a tudo aquilo que é exigido em troca, para prestação de um serviço ou de um favor. Em termos de valor envolvido, vai da “kisangua sem fermentação” ao afamado “Moët et Chandon”.

Portanto, caras e caros leitores, quanto à campanha de moralização que o MPLA decidiu promover, deve ser aplaudida. E vamos esperar que surta os efeitos pretendidos, atingindo sectores vitais como os da educação, saúde, jornalismo, justiça e órgãos policiais, muito em voga quando se aborda o fenómeno da corrupção.

Paulo de Carvalho
26/4/2019
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