Luanda - É inegável a relevância que a temática da institucionalização das autarquias locais suscita, no actual panorama político, social, cultural, económico e jurídico que caracteriza a República de Angola. Com intrepidez, acompanhamos um debate nacional conduzido pelo MAT (Ministério da Administração do Território e Reforma do Estado, à sua moda), a nossa indignação versa sobre o pacote legislativo do poder autárquico em discussão na Magna Casa das Leis, que ao que parece-nos ainda não reflete os anseios dos angolanos de Cabinda ao Cunene, pelo simples facto de não reunir convergência, entre as distintas forças que compõem o xadrez político angolano, que por excelência possuem uma obrigação, quase natural – de representar com dignidade e urbanidade as preocupações da massa eleitoral que os legitimou.

Fonte: Club-k.net

Diante deste cenário, somos compelidos a tecer outras considerações, despidas de cunho político- partidário como muitos preferem, e cingir-se no problema como um “ todo”, valorizando para tal o angolano, como verdadeiro epicentro de todo agir administrativo.

 

Ilustres membros do Executivo de João Lourenço e Representantes do povo angolano. Que Autarquias locais vós preconizais para Angola e para os angolanos?

 

Que garantias de continuidade ofereceis para os municípios que na fase embrionária do processo estarão de fora?

 

Que impactos terão as autarquias locais, projectadas por vossas excelências em laboratórios para a vida das comunidades locais?

 

Que desenvolvimento auguram para a Nação de todos nós, com um modelo de autarquias que indubitavelmente no seu processo de formação não está isento de vícios profundos que inquinam toda a finalidade que as mesmas se propõem alcançar?

 

Feito os questionamentos acima, resta-nos propor duas vias alternativas ao problema:

 

1. Previsão legal de critérios justos (convergentes), de continuidade na implementação das autarquias aos demais municípios que não forem abrangidos;

2. Revisão ordinária da Constituição ( art. 235 n. 1 da CRA).

 

PREVISÃO LEGAL DE CRITÉRIOS JUSTOS ((CONVERGENTES), DE CONTINUIDADE NA IMPLEMENTAÇÃO DAS AUTARQUIAS AOS DEMAIS MUNICÍPIOS QUE NÃO FOREM ABRANGIDOS.

Relativamente ao primeiro ponto, saliente-se a necessidade premente de os critérios de selecção dos municípios serem justos, uma vez que a lógica de implementação das autarquias será a que obedece ao disposto no art 242. da CRA que tem no princípio do gradualismo a sua mola impulsionadora. Se em rigor, os argumentos de razão forem as condições económicas, infraestruturais e a densidade populacional a atender em cada município angolano, em parte podemos corroborar sem voltas a dar, que efectivamente há no actual contexto, uma grande assimetria que separa os municípios localizados nas sedes de províncias dos restantes (realidade evidente). Tal facto reconduziria a Administração angolana, a criar primeiramente condições, antes de implementar autarquias em todo território nacional, na medida em que as mesmas exigem o mínimo de condições económicas (para a criação de impostos locais, atendendo a capacidade contributiva dos seus habitantes); Capacidades infraestruturais, para acolherem os principais serviços, onde a administração autárquica se propõe a desenvolver as suas actividades; e por último, recursos humanos – enquanto a bússola indispensável para tornar efectiva a actuação das novas pessoas colectivas de população e território a serem formadas. Nessa conformidade, aceitar o gradualismo não deve significar necessariamente pactuar com injustiças, sendo importante o Executivo e os legítimos representantes do povo angolano na Assembleia Nacional, refletirem sobre as limitações a que o princípio da autonomia do poder local , corolário constitucional, estará a ser submetido. A garantia de que as autarquias locais terão continuidade deve ser efectiva, através de disposições normativas clarividentes, porque verdade seja dita, a ruptura com os elos da Administração pública desconcentrada ( art. 201.o CRA), simboliza ganhos irrefutáveis para o crescimento e progresso dos municípios. São estes que fazem a vida em sociedade, de tal modo que qualquer imprecisão legislativa, não dará segurança nenhuma aos demais cidadãos, dotados dos mesmos direitos e garantias como reflete a carta constitucional (art. 23. CRA).

REVISÃO ORDINÁRIA DA CONSTITUIÇÃO ( ART. 235 n. 1 DA CRA).

Quanto a este ponto, cumpre ter presente que as autarquias locais enquanto uma das formas organizativas do poder local angolano, devem ser criadas num quadro caracterizado por entendimento, concórdia, quer por parte da sociedade civil e cidadãos isoladamente, quer ainda por parte dos membros que compõem o poder executivo, bem como as ideologias partidárias reinantes em Angola.

 

Se o modelo proposto pelo legislador constituinte angolano para implementação das autarquias locais não oferece convergência, apesar de ter sido aprovado por unanimidade em 2010 (Refira-se ao art. 242. da CRA, cuja aprovação não suscitou entendimento contrário por parte das deputados na altura), era urgente repensar uma outra via alternativa, que passava em nossa perspectiva, em não correr com a implementação das autarquias em 2020, uma vez que existem diferentes situações por se esclarecer, impõe-se partir para uma revisão da Constituição, decorridos cinco anos após a sua aprovação, como manda o disposto no artigo 235. Essa forma de abordagem, permitia melhorar as disposições do texto constitucional em relação ao poder local e os fundamentos da institucionalização das autarquias locais. O importante não é ter autarquias locais em Angola, mas concebê-las de modo a serem operacionais e disporem de condições mínimas para a prossecução do interesse dos residentes das circunscrições administrativas em que forem inseridas.

 

Aqui chegados, reitera-se a urgência de criação de uma Administração Autónoma forte, consistente, dotada de critérios de eficiência, celeridade, simplificação, desburocratização, tendo em vista a atendível satisfação do interesse público. Não é defensável a criação de autarquias mortas, que sirvam unicamente para assinar os atestados de residências e de óbitos, como se constata noutras realidades, urge avaliar o seu impacto em termos de funcionamento, bem como a continuidade em todo território nacional, através de critérios justos na selecção e no estabelecimento de horizonte temporal razoáveis, deste modo estar-se-ia a vivenciar um momento de verdadeira festa, onde nenhum cidadão seja excluído do processo, porque a todos nós interessa. Obrigado

 

Manuel Graça Manjolo

(Mestre em Direito Administrativo pela Faculdade de Direito de Lisboa “ Clássica”; Doutorando em Direito, pela Universidade Autónoma de Lisboa, desde 2017; Docente da UKB- Benguela e Instituto Superior Politécnico Jean Piaget – Benguela)