Luanda - Na vida dos Povos e das Nações do Mundo, em cada geração, numa determinada época, surge um contexto específico que pode influenciar positivamente o quadro do «pensamento» e da «postura» das elites dominantes de uma sociedade. Servindo-se de uma oportunidade singular para solucionar um dilema. Porém, isso só se torna possível se houver a vontade política de perceber bem o fenómeno e agir de acordo com a realidade concreta.

Fonte: Club-k.net


Desde os Acordos do Alvor em Portugal, em 1975, a situação de Cabinda ficou praticamente estagnante, sem marcar passos concretos, em termos de estabilidade política, social, económica e militar. Pois, permanece a indefinição do estatuto político real do Enclave, emaranhado num ambiente conflituoso de interesses económicos e geoestratégicos, influenciados por factores internos e externos. Pois, a presença de enormes reservas de petróleo e a localização geoestratégica de Cabinda constituem factores principais que criam um ambiente complexo de interesses externos.


O Tratado de Simulambuco, assinado em 01 de Fevereiro de 1885 entre Portugal e o Reino do N’GOYO de Cabinda, reveste-se de muitas interpretações em termos do seu enquadramento jurídico-legal no contexto do Direito Internacional, tendo em conta a Agenda da Conferência de Berlim, sobre a Partilha da África. Pois, naquela época, da celebração do Tratado do Simulambuco, havia disputas intensas entre as Potências (Inglaterra, França, Holanda, Portugal, Bélgica e Alemanha) Europeias, visando a Posse de Cabinda, que situa numa Zona Geoestratégica, com Acesso ao Oceano Atlântico.


Aliás, o Tratado do Simulambuco deve ser entendido no contexto da realidade histórica da época da Partilha da África, no contexto da Conferência de Berlim (1884-1885) entre as Potências Europeias. Pois, o Conceito da Partilha da África assentava no princípio da “ocupação efectiva” dos territórios ao longo do litoral da África, que conferia o direito ao ocupante de expandir-se ao interior do Continente, e poder reclamar a posse dos territórios do hinterland. Portanto, a ocupação das terras do litoral era o factor estratégico das Potências Europeias para assegurar a expansão, a ocupação e a posse dos territórios do Interior. Acima disso, o princípio da «ocupação efectiva», além de conferir ao ocupante a «soberania territorial», visava igualmente à criação de condições necessárias para garantir o exercício do comércio, a exploração dos recursos naturais, o tráfico de escravos e a expansão do Cristianismo.


É importante saber que, na época da descoberta da África havia a presunção de que, o Rio Zaire (Congo) tivesse a ligação aos dois Oceanos: Atlântico e Indico. Pois, confundia o Rio Zambeze (com a foz no Oceano Indico) com o Rio Zaire, que desemboca no Oceano Atlântico. Repare que, os dois Rios, com as mesmas características, têm as suas nascentes na mesma Região da África Central.


Por este motivo, em 1884, Portugal tinha a pretensão de ocupar os territórios (mapa cor- de-rosa) que hoje se designam por Zâmbia, Malawi, Botsuana e Zimbábue, que mais tarde ficaram sob a dominação britânica. O objetivo de Portugal era de estabelecer a ligação entre Angola (ao longo do Oceano Atlântico) e Moçambique (ao longo do
Oceano Indico). Por esta via, seria viável controlar as vias fluviais dos dois Rios e as vias marítimas em torno do Cabo de Esperança. Em resposta, em 1890, a Inglaterra decretou o Ultimato para Portugal abdicar-se de imediato da Proposta do mapa cor-de- rosa, apresentada na Conferência de Berlim, em 1885.


Para dizer que, a exequibilidade do mapa cor-de-rosa passaria inevitavelmente pelo controlo da foz do Rio Zaire. Nesta altura, de acordo com dados históricos, Cabinda não era parte integrante do Reino do Congo, que ficou sob o domínio de Portugal após a chegada do Diogo Cão à Foz do Rio Zaire, em 1484. Logo, a posse de Cabinda facultava não só o controlo da Foz do Rio Zaire, mas, sobretudo a ligação de Cabinda aos territórios do Reino do Congo e do Reino do Dongo e de Matamba, que situam a Sul do Rio Zaire. Infelizmente, Portugal não foi sucedido nas suas ambições territoriais, nem na efetivação do mapa cor-de-rosa, nem no controlo total da Foz do Rio Zaire.


Portanto, foi neste ambiente intenso de disputa pela Foz do Rio Zaire fez com que Portugal tomasse a iniciativa de entabular negociações com os Soberanos de Cabinda para afirmar o Tratado do Simulambuco no sentido de evitar uma ocupação violenta de Cabinda por outras Potências Europeias. Neste ambiente de incerteza era tão óbvio aos Soberanos de Cabinda sentirem-se mais seguro estar sob o Protectorado de Portugal, com que já tinham relações de amizade, e que tinha uma implantação (desde 1484) no Reino do Congo, noutra margem do Rio Zaire. O Tratado do Simulambuco surge nessas circunstâncias, através do qual Portugal é concedido não só a soberania territorial, mas sim, a ocupação efectiva, exigidas pelo Artigo 35o dos Acordos Gerais da Conferência de Berlim, de 26 de Fevereiro de 1885.


Para entender bem a questão de Cabinda é importante fazer uma curta referência analógica da realidade histórica, que revela nitidamente as modificações ocorridas na constituição territorial dos Estados actuais. Nesta referência, uma boa parte da extensão territorial dos Estados Soberanos do presente, como por exemplo, da República Federativa da Rússia, da República Popular da China, dos Estados Unidos da América, e do Estado Hebraico do Israel, é o resultado da anexação militar, feita através de guerras sucessivas de ocupação. Por outro lado, há Estados que perderam uma boa parte dos seus territórios, nomeadamente: Grécia (antigo Império de Macedônia); Itália (antigo Império Romano). Turquia (antigo Império Otomano); Áustria (antigo Império Austro-húngaro); e Alemanha (que perdeu uma boa parte dos seus territórios nas duas guerras mundiais).


Por isso, a questão que se coloca não é da legitimidade jurídico-legal do Tratado do Simulambuco, mas sim, do seu enquadramento político e administrativo numa Angola Independente, ao abrigo dos Acordos do Alvor entre Portugal e os três Movimentos (FNLA/MPLA/UNITA) de Libertação de Angola. Pois, fazendo uma retrospectiva histórica da África Negra constata-se que, na época da conquista e da colonização, houve muitos Tratados assinados entre as Potências Europeias e os Reinos Africanos.


Porém, muitos desses Tratados foram realizados na base dos princípios da «ocupação efectiva» e da «soberania territorial», ao abrigo do Artigo 35o dos Acordos Gerais da Conferência de Berlim, de 26 de Fevereiro de 1885. Na verdade, sem escamotear os factos, os Tratados assinados no âmbito de Protectorado, tinham um cunho jurídico- legal, de reconhecimento explícito da soberania territorial do Estado Protegido. O Reino
do Dongo e de Matamba, por exemplo, também esteve muitos Séculos sob a Proteção do Reino do Congo.


Em função disso, na época da descolonização da África Negra muitos Protectorados passaram para Estados Independentes e Soberanos. Os exemplos mais concretos desta realidade são: o Reino do Lessoto, o Reino do Botsuana e o Reino da Suazilândia, que foram Protectorados da Inglaterra. Infelizmente, outros Protectorados foram incorporados compulsivamente nos Estados Independentes. Os exemplos concretos deste procedimento foram a Barotselândia, integrada na República da Zâmbia, e os Protectorados da Lunda Tchokué e de Cabinda que ficaram integrados na República de Angola. A verdade é que, as fronteiras actuais do Continente Africano, herdadas do colonialismo europeu, são artificiais, que ficaram traçadas de modo arbitrário na Conferência de Berlim, sem respeitar as fronteiras das Nações encontradas.


Por este motivo, a Organização da Unidade Africana (OUA) estabeleceu o princípio da «inviolabilidade» das fronteiras herdadas do Colonialismo Europeu. Só que, não obstante o princípio da inviolabilidade emergiu na cena política africana, dos países independentes, novos Estados Soberanos. Os exemplos concretos são: A Eritreia e Sudão do Sul. Note-se que, este fenómeno, eminentemente nacionalista, também está presente na Europa, onde os Povos de Catalunha (Espanha) e da Escócia (Reino Unido) têm estado a reivindicar a independência. Além disso, têm casos muito salientes, como do Taiwan (China), do Gibraltar (entre Espanha e Reino Unido) e das Ilhas Falkland (entre Reino Unido e Argentina), conhecidas por Malvinas. No Oceano Pacífico Sul há também uma série de Ilhas disputadas entre a China, Rússia, Vietnam, Indonésia e Japão.


Sem ignorar a problemática do Tibete, anexada pela China; da Palestina, ocupada pelo Israel; do Sahrawi Ocidental anexado por Marrocos; e da Armênia, dividida entre a Rússia, Turquia e Irão. Acima disso, as duas Guerras Mundiais alteraram significativamente o Mapa da Europa. Vastos territórios de alguns Países foram ocupados e anexados por outros. Muitos dos quais, como os da Europa do Leste só libertaram-se da União Soviética no final da Guerra Fria, que provocou a queda do Império.


É importa realçar que, o Artigo 2o da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 de Dezembro de 1948, proclama formalmente a «universalidade» dos Direitos Fundamentais da pessoa humana. Nesta linha do pensamento, a autodeterminação, no sentido real, é o processo político através do qual o povo escolhe, por sufrágio universal e directo, o seu estatuto político, o seu sistema político e a forma da Organização do Estado. Em relação à autonomia local, a «autodeterminação» tem respaldo legal nas instituições tradicionais, na antropologia sociocultural, na história e no território.


Porém, o sentido da «soberania absoluta» do Estado, que vigorava na era do absolutismo, sofreu alterações profundas no exercício da autoridade pública. Além de a autoridade pública emanar da vontade do povo, a comunidade internacional ficou sujeita aos factores da globalização, da mundialização e das organizações multilaterais, sob os auspícios das Nações Unidas. Noutras palavras, a Soberania Nacional dos Estados actuais ficou parcialmente sujeita ao Direito Internacional, com Normas e Regulamentos vinculativos, que determinam a Ordem Mundial e as Relações Internacionais. Portanto, na conjuntura actual, da Globalização, os Estados Membros das Nações Unidas não podem legislar e agir à revelia do Direito Internacional.


Nesta base, os Estados membros das Nações Unidas devem ajustar-se às transformações profundas que decorrem do sistema mundial contemporâneo, em que os direitos individuais têm a prevalência. Pois, o Estado Democrático de Direito assenta-se na liberdade, na igualdade, na justiça e na solidariedade.


Por isso, o realismo e a flexibilidade devem prevalecer sobre o radicalismo e o idealismo doutrinário, que contrariam os princípios da dignidade humana, da autonomia, da igualdade de direitos e da resolução pacífica de contendas. É no contexto de abertura e do bom-senso em que se deve encarar a problemática de Cabinda. Porque, a elite dominante de Cabinda manifesta actualmente uma postura pragmática de buscar um denominador comum, que satisfaça os anseios de todos, no âmbito de uma autonomia política, administrativa e legislativa.


A este respeito, o Modelo da Região Autônoma de Madeira é bastante interessante, se for bem estudado e ajustado à realidade concreta de Cabinda. O mais interessante ainda, por estudar, é o modelo (autônomo) da Administração Especial, atribuído às Ilhas de Hong Kong e de Macau, que assenta na fórmula de “um país, dois sistemas, com poderes executivo, legislativo e judiciário independente.” Esta fórmula foi concebida por Líder Chinês Deng Xiaoping, que servia de base de negocião com Reino Unido e Portugal sobre a autonomia de Hong Kong e de Macau, respectivamente. Interessa notar que, Deng Xiaoping dizia que: “Não interessa se o Gato é preto ou branco, desde que apanha ratos.” Fim de citação. No fundo, existem vários tipos de autonomias, em muitos países, que podem ser matérias úteis de estudo.


Em síntese, feita uma leitura global chega-se a conclusão de que, a problemática de Cabinda é bastante complexa e contém nuances, de carácter ambivalente, que não «desfavorecem» nem «prejudicam» as partes envolvidas. Se houver a boa-fé das partes todos sairão satisfeitos e sucedidos. Em função disso, requer das partes a vontade política de perceber bem a essência do Direito Internacional, tendo em consideração os factores históricos, jurídicos, culturais, étnicos, geográficos, económicos e sociopolíticos. Sem, de facto, ignorar a validade do Tratado do Simulambuco e a prevalência dos Acordos de Alvor.


Infelizmente, os Acordos do Alvor foram negociados numa semana, feitos às pressas, sem analisar minuciosamente o contexto global do processo da descolonização. Muito antes da sua execução ficou inviabilizado pelas Potências Mundiais e pelo próprio Portugal, como Poder Colonizador. Apesar disso, o essencial neste momento é buscar uma solução equilibrada e aceitável por ambas as partes, no sentido de estabelecer a harmonia, a concórdia e a unidade nacional. Os recursos petrolíferos não devem constituir-se num obstáculo intransponível para induzir-se no erro de violar os direitos inalienáveis dos cidadãos, proclamados solenemente na Declaração Universal dos Direitos do Homem, no dia 10 de Dezembro de 1948.


Luanda, 04 de Maio de 2019.