Luanda - Na sequência da anterior reflexão, podemos concluir que a historia é um guia para a acção. De facto, os anais da história universal contêm importantes ensinamentos que podem sustentar a construção de novas sociedades em África, enquanto alicerces de novas nações. Dos impérios, aos reinos e as sociedades africanas, então estruturadas, e destruídas pelo sistema colonial durante séculos de dominação, emerge, no período pós independência, e no seio das elites nacionais, a consciência da necessidade da construção da nação inclusiva, que procura entender a dimensão de cada unidade etnolinguística no contexto da pluralidade global das sociedades actuais africanas. Esse processo implica a construção de novos elementos de identidade nacional para que a sociedade global, incluindo a sociedade politica, se reveja no processo de construção do Estado-Nação, que tem de ser inclusivo.


*Alcides Sakala
Fonte: A Capital

O Caso Angolano

ImageCom base nessa perspectiva, e no contesto actual, Angola, e os angolanos de uma forma geral, têm, nas circunstancias presentes, uma oportunidade de reflectir de forma estruturante e “ por métodos próprios” e com os olhos postos nas suas realidades, quer politicas, quer sociais e culturais, a definição de um novo paradigma que melhor salvaguarde a defesa do interesse nacional.


De facto, em África, e em Angola em particular, cada comunidade étnico-linguística é uma civilização culturalmente estruturada. É uma unidade civilizacional, com cultura e historia própria e que se comunica entre si com uma língua própria. É nessa diversidade social que deve assentar a estrutura basilar do Estado-Nação a construir em Angola. Com efeito, a conferencia de Berlim, realizada no fim do século 19, na capital do então império Alemão, deu o golpe de misericórdia na organização política e jurídica das sociedades africanas, impondo novas fronteiras as nações e aos povos de África, sem consultar as lideranças africanas da época. De facto, até ao século 16 existiram em África importantes reinos e impérios que tinham atingido formas muito avançadas de organização, como reconhece Ki-Zerbo. Esse período ficou conhecido como a época áurea da África Negra.


Por conseguinte, Angola, enquanto Estado africano, dotado de fronteiras herdadas do colonialismo, tem em seu território um mosaico social étnico-linguístico diversificado, composto por vários grupos étnicos, tribos por uns e comunidades por outros. Mas são de facto comunidades com características identitárias próprias que no passado antes colonial constituíam sociedades bem organizadas e bem estruturadas do ponto de vista político e jurídico, com sistemas próprios de defesa e segurança.  Mantinham entre si relações soberanas, através de enviados dos reis e dos imperadores. Destacam-se, entre essas comunidades confinadas no espaço geográfico que é hoje o território angolano, o povo Bakongo, o povo Kimbundo, o povo Ovimbundo, o povo Lunda-Chokwe, o povo Ovambo, o povo Nganguela, o povo Herero e o povo Kuangar-Bukusso, encontrando-se no seios de cada uma dessas comunidades, vários subgrupos, diferenciados pela entonação linguística e pelas linhagens de poder. A título de exemplo, o povo Bakongo, que habita a região norte e nordeste de Angola estende-se desde Cabinda até as margens do rio Dande, nas proximidades das províncias de Luanda e Bengo. Conta a historia desse povo que o Rei Nimi-a-Lukeni juntou todos os clãs que se exprimiam em kikongo tendo, assim, fundado o reino do Congo, cuja capital era Mbanza Congo, actual capital da província do Zaire.


 
Antes da chegada dos portugueses em 1482, o reino estava bem organizado, habitado por um povo trabalhador, entre os quais sobressaiam importantes homens de negócios. Tinham na época um moeda própria e o reino se transformara numa importante potencia comercial razão pela qual, e dada a sua localização geográfica, os bakongos foram os primeiros povos que entraram em contacto com os navegadores portugueses no século 15.


Por conseguinte, é desta nova realidade social, histórica e cultural que tem de se construir novos espaços de coabitação nacional que ultrapassem as divergências interétnicas, que estão na raiz da conflituosidade cíclica, que os europeus apelidam de forma depreciativa de conflitos tribais. Seja como for, quais são, assim, as razões dessa conflituosidade, muitas vezes instigadas por factores externos. Ora vejamos: um dos problemas político-social profundamente acutilante no seio das sociedades africanas, e com repercussões históricas de grande conflituosidade. é o facto de muitas destas comunidades terem continuidade geográfica nos países vizinhos, como é o caso do povo kikongo que se estende para a Republica Democrática do Congo; do povo Ovambo que se estende maioritariamente para a Republica da Namíbia; e do povo Lunda-Chokwe que se estende para a Republica da Zâmbia e para a Republica Democrática da Congo.


Esta realidade histórica resulta da imposição indiscriminada do traçado de fronteiras pelas potenciais coloniais, o que tem estado, quase sempre, na base da disputa territorial entre Estados. O professor Adriano Moreira reconhece que as elites dirigentes africanas “ têm-se esforçado por não se deixarem envolver na revisão do tratado das fronteiras do colonialismo, como exarado na Carta da Organização da Unidade Africana”. No entanto, tal não significa, como conclui este distinto politólogo, que “ os povos aceitem as fronteiras existentes, que as respeitem e que as considerem suas”. Logo, a maior parte dos conflitos africanos tem não só uma dimensão interétnica decorrente dos desequilíbrios políticos e sociais que ocorrem no seio das sociedades globais, como também de disputas territoriais que tem evocado para a sua solução a realização de “ uma nova conferência de Berlim”.