Ao
Comandante-em-Chefe das Forças Armadas Angolanas

Luanda

Assunto: Ponto de Situação dos Militares

Gostaríamos de nos dirigir a V/Excia para vos dar a conhecer a real situação das nossas Forças Armadas Angolanas, uma vez que temos a impressão de o Sr. não estar a receber informações mais reais, a exemplo do que aconteceu durante muito tempo com as calamidades do Cunene, Namibe e Huila, embora tenha sido ministro da Defesa, antes de assumir o cadeirão máximo da gestão deste país.


Na área social, temos a dizer que estamos mal, camarada presidente:

No que toca a habitação, a realidade é que os militares estão muito mal e pensamos que, com vontade política, o quadro pode melhorar. E como forma de contribuir para a melhoria do habitação dos militares, o Camarada Presidente, usando das faculdades que lhes são conferidas, como Comandante-em-Chefe, pode ordenar a construção de bairros militares a nível nacional: se em cada província, município, comuna se construírem bairros militares, isso contribuirá para a melhoria da habitação dos militares e haverá mais segurança por parte dos militares. Os militares não precisam que lhes ofereçam as casas, antes pelo contrário, os militares podem muito bem ser descontados dos seus salários para a amortização da sua habitação. Ainda no que toca ao sector social, temos também a destacar a segurança: os militares não estão seguros nos bairros em que vivem, pois são assaltados a torta e a direita, e a construção de bairros militares poderá ajudar no que toca a segurança dos militares. A construção de bairros militares, cujo o dinheiro pode sair da caixa de segurança social das FAA, também pode ajudar no que toca ao transporte. Ou seja, com a construção de bairros militares, as unidades militares podem implementar o transporte colectivo: os militares seriam recolhidos nos bairros em direcção nas unidades e vice-versa.


Ainda no que toca na área social, chefe, os nossos hospitais estão mal, não há medicamentos. Recebemos as receitas e temos de ir comprar medicamentos nos mercados.

Trace políticas para que os créditos sejam mesmo uma forma de ajudar os efectivos das FAA, ao invés de os prender: os créditos actuais não ajudam, prendem, porque não servem para grande coisa.

Fechamos o sector social com os suicídios nas Forças Armadas: os militares estão a se matar muito. Não acha que deveria trabalhar no sentido de se estudar o que está na base destes acontecimentos? Generais, oficiais superiores e de outras classes. As FAA já têm psicólogos, sociólogos e até antropólogos para se levar a cabo uma investigação profunda para perceber a base destes episódios nada abonatórios para as nossas Forças Armadas.


No que toca a área financeira, os militares perderam completamente o poder de compra com os salários que auferem neste momento. Acontece que toda a função pública beneficiou-se do reajuste salarial anunciado no ano passado e aplicado a partir de Janeiro, mas os militares não. Ouve-se muita coisa por aí, giraram muitas tabelas salariais para as FAA, mas oficialmente não se sabe nada. Realisticamente falando, se Angola se gaba de ter tido um “arquitecto da paz”, Senhor Presidente, quem foram os “pedreiros da paz”? quem foram os “operários da paz”? o arquitecto tem resultados sem os pedreiros? Ou os militares só serviram de “carne de canhão” e agora que se virem? Hoje, nos quarteis, Excia, os militares vivem de empréstimos com juros de 50 por cento e quem está a fazer os empréstimos? As funcionárias civis, sim, as funcionárias civis, chefe, nos fazem chacota: nos emprestam 10 mil kz para devolver 15 mil. É pegar ou largar. Vamos fazer mais como? Até quando vamos continuar a passar por esta vergonha? Hoje o soldado ganha 26 mil e a trabalhadora civil ganha 60 mil. Senhor Presidente, é justo mesmo isso? Não é que a trabalhadora civil não merece, antes pelo contrário, estamos a reclamar as más condições em que os militares se encontram. Não sabemos se contaram ao Chefe, mas houve dois episódios que deveriam preocupar V/Excia: o primeiro foi em Cabinda, onde a tropa deixou o comandante sozinho na parada e o segundo foi no Bié, onde os militares não deixaram o comandante da unidade entrar na unidade. Estes dois episódios foram uma forma de descontentamento das tropas por causa da não atualização da tabela salarial. Estão a espera que morra algum comandante para resolver o problema do reajuste salarial nas FAA?


Na área económica, os militares, chefe, estão de rastos: hoje não é possível fazer economias: o dinheiro do salário que garante as nossas economias não chega para nada. É uma questão de segundos: pagamos as dívidas contraídas aos trabalhadores civis e fazer outras dívidas, nada mais que isso. A situação está tão mal que muitos militares acabam se envolvendo em grupos de marginais na busca de solução para muitos problemas que nos afligem. Claro que esta não é a via mais viável, mas instinto de sobrevivência fala mais alto e diante de situações complicadas as pessoas encontram soluções diversas.


Não é bom os militares estarem vulneráveis como estão. Não faz bem à nação.

 

Em termos culturais, temos de lamentar que a cultura castrense, o que nos difere do resto da sociedade, está de rastos: desde que decidiram inundar as FAA com mulheres que a verdadeira cultura militar está mal. Os generais se envolvem com as soldados e sargentos, estragando o ambiente militar. A nova geração, chefe, pensa que render cortesia é humilhar-se. Para se entrar nas FAA, para fazer um curso é preciso pagar: a cultura militar também está contaminada pela corrupção, nepotismo (os filhos dos generais são pequenos generais), enfim, está tudo a piorar.


No que toca na política, os militares pela constituição, chefe, são apartidários, mas não é o que se vê. Prova disso, é que para se chegar na patente de oficial general tem de ter cartão de militante do partido. Ó chefe, por amor de Deus, precisamos de forças armadas verdadeiramente apartidárias.


Passadas as áreas acima referenciadas, precisamos de informar ao chefe o funcionamento administrativo de algumas áreas como as finanças e o ensino. Chefe, estas direcções de finanças e de ensino do estado maior general precisam urgentemente de mexidas, ruar todos os oficiais e colocar outros. Estes camaradas estão a fazer sofrer os bolseiros nos diferentes países. Não sabemos o feitiço que estes senhores têm, mas a verdade já se fizeram tantas denúncias, incluindo nomes, que até hoje ninguém foi mexido. Chefe, manda só fazer uma sindicância nos subsídios de bolsa e o chefe vai ver se a comissão a indicar terá a coragem de fazer um relatório real das finanças. A forma como roubam o dinheiro do estado dá medo. As casas que até os sargentos das finanças constroem dão medo. Ninguém faz nada, ou seja o feitiço destes camaradas pode matar até o camarada presidente, se se meter na vida deles.


Hoje, chefe, há militares de 1ª classe e o resto dos militares. Os militares de primeira são os generais, e aqueles que estão ao lado dos generais e alguns coronéis. Os de primeira têm tudo: boa vida, têm cartões em super mercados para fazerem compras, têm carros, boas casas, viagens, tudo para os que estão ao lado dos chefes. Por outro lado, chefe, nós já o resto dos militares estamos a sofrer. Os coronéis vão trabalhar a civil, porque os carrinhos que conseguiram por meio do crédito bancário já estão de rastos, avariam na via e têm de apanhar táxis. Alguns coronéis, até brigadeiros que foram promovidos recentemente continuam com as suas viaturas particulares, porque não receberam as do governo. O triste, chefe, é que são sempre os mesmos a receber viaturas: desde que começaram a distribuir carros aos militares, só chegam sempre até alguns coronéis. Nunca conseguiram chegar nas outras patentes. Os das outras patentes que receberam ou são conhecidos dos militares de primeira, ou são familiares de ministros e membros do executivo.


A teoria de que o país não tem dinheiro para comprar carros para militares, chefe, não é verdadeira, porque a direcção principal de prepraração de tropas e ensino distribuiu dinheiro para todos os seus oficiais, numa altura já da crise. Onde saiu o dinheiro? O ministério da defesa, como é do vosso conhecimento, chefe, distribuiu carros até nos Majores, assim há crise? Ou a crise é só para os filhos dos pobres?


Ó chefe, este país é governado por militares, mas os militares não são valorizados: há um provérbio que diz que “quem não protege o soldado, não merece honras”, o chefe vai continuar com as práticas do seu antecessor que só pagava bem aos da UGP e abandonou os demais? Achamos que o General Pedro Sebastião não é um bom conselheiro para V/Excia, porque foi dizer que os efectivos da UGP merecem ganhar melhor que os das FAA, porque estão submetidos a vários riscos. Que riscos? O que devem agradecer é o facto de o povo angolano ser um povo pacífico, bom. Porque se fosse muito exigente, muitos dos ministros já teriam sofrido atentados. Mas não, o povo angolano é pacífico, às vezes, até demais.


Numa comunicação feita pelo Camarada Presidente, dizia que há marimbondos que financiariam para uma instabilidade social, para desestabilizar o seu projecto de levar a vante as verdadeiras reformas no país, pois, sinceramente, e sem maldade alguma, Comandante-em-Chefe, da forma como as tropas estão desmotivadas e insatisfeitas, se aparecer alguém a pagar 500 usd a cada soldado para criar instabilidade social, não sabemos se em algum quartel sobraria soldado algum.


Os serviços de segurança, chefe, não estão a fazer nada. Só estão a gastar o dinheiro do país a toa. Estamos a dizer que não trabalham porque não aconselham o Comandante-em-Chefe para engendrar políticas capazes de motivar os militares. Ficam a inventar relatórios, vivem a base de calúnias, projectos que são mais-valias para motivar as tropas, nada.


Não confie muito nos generais. Os generais hoje são empresários, estão mais preocupados em fazer crescer as suas empresas, ao invés de defenderem a pátria conforme juramos, nada. Por exemplo, chefe, indica só um general que não tem empresa. Qual? Todos têm empresas e foram criadas com o dinheiro do estado. Os generais por terem as suas empresas e as suas comissões já não dependem do salário e acham que todos os militares estão nas mesmas condições. Não, chefe, não confia nos generais, estes são mentirosos, não dizem a verdade ao chefe, só pensam nos bolsos deles e em bajular vossa excelência.


Chefe, não há outro general para o cargo de Chefe de Estado-Maior General? Este, chefe, não serve para nada, não defende os interesses da corporação. Não se identifica com as tropas. Precisamos um chefe que defende o soldado. Veja por favor chefe, precisamos outro comandante.


O ante-projecto da lei de carreiras que foi submetido na Assembleia Nacional desde 2005, só foi aprovada o ano passado e o estatuto remuneratório que minimizaria a condição social do militar parece que também tem de fazer 20 anos para ser aprovado, sabe porquê, chefe? Porque muitos generais também são deputados e a ser aprovado, iria complicar a vida deles na assembleia e preferem fingir que tal lei não existe.


Senhor Presidente nosso pai será que vamos continuar a ser ignorados como fomos durante a governação anterior? O anterior como só foi militar por inerência do cargo, talvez teve dificuldades de satisfazer os militares, mas o senhor é general de trincheira, não vai conseguir nos alegrar os seus colegas? Qual é o vosso problema afinal com os militares?


Hoje, principalmente em Lunda, os militares passam mal nos transportes públicos: quem vive no Cacuaco, no Benfica e no Kilamba apanha 4 a 5 táxis. Chefe, que salário resiste a esta frequência? Implementem transportes colectivos nas unidades militares. Coronéis, até alguns brigadeiros tiram a farda para apanhar táxi. Está bom assim? Pensamos que pedir ao menos transporte colectivo está ao alcance do país. Sabe, Chefe, às vezes, nos perguntamos se vocês são mesmo patrióticos. É que não sentimos atenção, não entendemos a vossa forma de governar o país.


Chefe, criem lojas militares onde o militar pode comprar fardamento a fim de melhorar o nosso atavio. Já não nos lembramos da última vez que distribuíram farda aos efectivos. Os militares têm de comprar farda clandestinamente como se de rebeldes se tratasse. Os passadores ficam velhos nos ombros e uma pessoa tem de tirar os passadores de uso diário para meter na farda de gala. Só mesmo em Angola para ver estas cenas.


Os salários das FAA são os mais irregulares: da mesma forma que podem pagar no dia 25, também podem pagar no dia 10 do outro mês. Parece que o governo faz favor em pagar os nossos salários. Não podemos ter uma data fixa para recebermos os nossos salários? Excelência, nós militares normais não sentimos o vosso carinho, nem tão pouco a vossa atenção. É mesmo essa a sua intensão?


Os militares e polícias deveriam ser a vanguarda do governo de Angola, mas a verdade é que são a classe mais sofredora e menos reconhecida. Foram os que mais se bateram para acabar com a guerra, mas são os mais ignorados no momento dos benefícios da paz.


Esta é a forma que encontramos para vos fazer chegar o nosso grito de socorro. O senhor Comandante em Chefe tem duas hipóteses: ou vai ler este texto e vai ignorar ou vai tomar medidas a ver se o quadro muda. Vamos torcer que o senhor opte pela segunda hipótese. Mas leia com coração de pai e tome decisões de general.

* Militares