Luanda - Em 2013 o continente africano celebrou os cinquenta anos de existência da Unidade Africana, consubstanciada no que é hoje a União Africana.

Fonte: JA

Naquela altura, os Chefes de Estado lançaram o desafio da transformação estrutural do continente para o próximo meio século. Assim, a Agenda Africa 2063 irá coincidir com o centenário das independências e da própria organização regional.


A Agenda África 2063 visa a mudança de paradigma da realidade política, social e económica do continente, tendo em vista um crescimento inclusivo e o desenvolvimento sustentável. O documento foi formatado pela União Africana, Comissão Económica das Nações Unidas para África e pelo Banco Africano de Desenvolvimento e congrega a dispersão de documentos estratégicos e de vários organismos panafricanos.


Assim, numa altura em que celebramos o 25 de Maio, Dia da Unidade Africana, julgamos pertinente trazer à tona os desafios que se colocam ainda para o continente africano, seja no plano político, quanto económico e social, contribuindo em última análise para uma mudança no olhar e na realidade que ainda observamos e que tem vindo a servir de estereótipo para o nosso continente.


Gostaríamos todos que a imagem de decadência, precariedade, vulnerabilidade, insegurança desse lugar à esperança e à transformação que encontramos no Rwanda, no Quénia, em Marrocos ou na Namíbia. Estes países são aqui designados aleatoriamente, mas acreditamos que representam bem o paradigma do que se pretende para a transformação do continente.


É importante percebermos o alcance da Agenda África 2063 com base nos seus projectos emblemáticos, como a interligação com comboios de alta velocidade entre as capitais africanas, a implantação de uma universidade virtual e electrónica, a institucionalização da Zona de Livre Comércio, o passaporte único africano para facilitar a livre circulação de pessoas com abrangência aos cidadãos e não estritamente aos líderes governamentais, e o Projecto Silenciar as Armas até 2020.


Destacaria este último na medida em que é uma continuação da premissa de não reconhecimento de lideranças que emanem de golpes de Estado. Silenciar as Armas até 2020 visa acabar com todas as guerras, conflitos civis, a violência baseada no género e os conflitos violentos e impedir genocídios. Supervisionar o progresso através da criação e operacionalização de um Índice de Segurança Humana Africana (AHSI).


Há ainda um conjunto de medidas no quadro de uma maior conectividade entre os países africanos e de um processo acelerado de industrialização e inclusão financeira e tecnológica. É óbvio que essa industrialização não pode ser feita ao estilo do que foi a primeira revolução industrial. De resto, os países africanos viveram já processos desta natureza no começo do século XX até ao final da colonização, tendo o processo de descolonização e os primeiros anos de independência agudizado o atraso nesta matéria que urge inverter, dando um maior protagonismo à dimensão tecnológica e à capacidade de inovação igualmente assente na pujança da sua juventude.


Mas ao mesmo tempo que assistimos um aumento da população, que está estimada em 2 mil milhões de pessoas até 2050, também notamos um agravamento das condições de vida, nos últimos anos, fruto do lento crescimento, em especial nas economias motoras, como são os casos da África do Sul, Nigéria, Angola e Argélia, com efeito de contágio sobre vários países limítrofes e não só.


A Nação Arco-íris está doente. Na verdade, está a pagar um preço e as novas lideranças a carregar o fardo da bomba-relógio que foi o apartheid e o alto índice de desemprego, exclusão e desigualdades assentes em factores étnicos e raciais de um Governo impotente em fazer face aos problemas. Os sistemas de saúde continuam a denotar fragilidades institucionais assustadoras, tornando-os espaços para proliferação de epidemias, algumas delas erradicadas em outras geografias há decadas.


O fenómeno das migrações continua a levantar acesos debates, embora algumas correntes panafricanas o desconsiderem utilizando indicadores e um axioma curioso. Em primeiro lugar, consideram ser um resquício do colonialismo, fundamentalmente de origem italiana. Em segundo lugar, a migração africana tem, por exemplo, um peso menor que a migração europeia. São 68 milhões de migrantes europeus contra os 35 milhões de africanos. Em terceiro lugar, o peso maior da migração africana é interafricana, ou seja, entre países africanos. Assim, a narrativa das migrações nos moldes actuais é capciosa, pois confunde essencialmente tráfico de pessoas e novas formas de esclavagismo.


O grande problema do crescimento que vinhamos assistindo é o facto de ter sido pouco estruturado, a perpetuar o ciclo de delapidação de recursos. No fundo, há um grande investimento em infra-estruturas, mas estas são essencialmente aquelas que facilitam a exportação dos recursos minerais que, em condições mais racionais, deveriam começar a ser transformados internamente.


Vai daí assistirmos em Angola e na Nigéria, sobretudo entre nós, temos de convir, as crises no abastecimento de combustíveis com todas as implicações sociais e económicas, uma vez que o petróleo é a principal fonte de energia nestes países, e aqui não obstante existirem condições naturais para um melhor aproveitamento da energia hidráulica, eólica e solar. Segundo dados do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), mais de 600 milhões de pessoas, em África, não têm acesso à electricidade. E naqueles casos em que há acesso, há uma grande debilidade no abastecimento. Vai daí, o BAD, na versão Adesina, considerar a electrificação o grande desafio do continente. E nos projectos prioritários da Agenda África 2063, a conclusão da mega-barragem do Inga, na República Democrática do Congo, é um desafio.


Africa é o continente com maior radiação solar. Todavia é aqui onde se nota um menor aproveitamento, embora especialistas considerem que esta é a solução mais viável para a electrificação do meio rural. Apesar do défice africano, existem algumas notáveis excepções. Por exemplo, Marrocos detém a maior central de energia solar do mundo e é o único país do continente com cobertura plena em termos de electrificação de todo o seu território.


Mas para se fazer face a este défice de infra-estruturas, urge adoptarmos uma nova abordagem assente em três eixos: em primeiro lugar é importante que as nossas lideranças tenham um engajamento sério, uma noção clara dos desafios e uma meta de transformação. No fundo, aquilo a que os sociólogos chamam de ética de convicção e ética da responsabilidade, abraçando a boa governação e o respeito pelo Estado e as instituições democráticas, enquanto postura, e uma nova ética republicana, assente no respeito pela cultura. Em segundo lugar, iria assinalar a urgência de investimentos em grandes fluxos, mas num paradigma diferente do que enunciamos acima. Mais do que as infra-estruturas por si só, é preciso um investimento nas pessoas, captando as nossas poupanças e deslocando o investimento com baixo retorno, que é feito em produtos como os títulos do tesouro americano, que raramente investem em beneficio do continente africano, tornando os sistemas de saúde e de educação os pilares do novo contrato social.


Finalmente, não podemos deixar de destacar o peso e o factor demográfico, que tem vindo a ser aclamado exageradamente na lógica do consumo. No entanto, é importante que esta transformação seja real e efectiva do ponto de vista económico, de modo a resolver o dilema do emprego e da melhoria das condições de vida da sua própria população. São urgentes soluções para a empregabilidade dos mil milhões de africanos com idade produtiva em 2050. Independentemente de todo o assistencialismo e dos programas de ajuda ao desenvolvimento, a verdade é que as soluções têm de ser endógenas e audazes, partindo dos próprios africanos, no sentido destes tirarem proveito de todas as janelas e oportunidades que a era da globalização propicia. Pensar África e resolver os problemas de África é uma obrigação genuína que deve partir dos próprios africanos. Daí que estejamos hoje a aclamar Nelson Mandela, Paul Kagame, Jerry Rawlings e alguns outros.