Luanda - 1.Nota Introdutória. Interessa fazer menção que estamos num processo de reforma, a passagem de um modelo centralizado, do ponto de vista territorial para um modelo descentralizado, e neste ponto seria bom conceptualizarmos reforma.

Fonte: Club-k.net

A reforma assume significados diferentes nas várias áreas do saber. A reforma na administração pública, se resume na introdução de novas práticas de gestão, pela sua amplitude, delicadeza e complexidade, carece um acompanhamento sistemático e permanente do modo como vai ser executado nas várias etapas, para garantir o aperfeiçoamento das soluções encontradas pelos vários organismos para consecução dos objectivos da reforma, bem como garantia da coerência dos resultados, por esta razão, se recomenda que sua aplicação seja gradual (Azevedo, 2007, p.45).


Na visão do professor Lazarino (Poulson 2018, pag 87) gradualismo é definido como sendo um princípio segundo qual as entidades competentes do Estado, podem nos termos da CRA, institucionalizar as autarquias locais, de acordo com a oportunidade da sua criação, o alargamento gradual das suas atribuições, o doseamento da tutela de mérito e a transitoriedade entre a administração local do Estado e as autarquias locais. Lazarino acrescenta ainda que a luz desta definição, o legislador ordinário tem competência de definir, como, quando e onde implementar as autarquias.


Já para Ascânio (Nascimento 2018, pag 48) gradualismo é o princípio que aconselha as autoridades administrativas, devem ser introduzidas num determinado pais de forma faseada, quer do ponto de vista geográfico e funcional.


Neste particular, na definição, os dois autores nos parecem estar alinhados, a lei orienta que as autarquias sejam implementadas de forma faseada, mas discordam totalmente na implementação de forma gradual do ponto de vista territorial se colocando em polos opostos, ou seja o primeiro autor é a favor e o segundo é contra. Lembrar que o gradualismo tem duas facetas, funcional e territorial, a presente reflexão gira apenas em torno do gradualismo territorial.


2. Corrente que não recomenda o Gradualismo territorial, a tese que atesta contra


2.1 Fundamentos de ordem jurídica:


- Atores políticos e académicos atestam que a aplicação deste princípio colide com os princípios da universalidade consagrado na CRA artigo 22o sobretudo o ponto 1. Que diz:


1. Todos gozam dos direitos, das liberdades e das garantias constitucionalmente consagrados e estão sujeitos aos deveres estabelecidos na Constituição e na lei.


Sugere-se que a se seleccionar apenas alguns municípios, se estaria a se tratar de forma diferenciado os cidadãos ou as pessoas os vedando o direito de votar ou de ser eleito para dirigir a sua comunidade. Ainda nesta senda inclui-se também o artigo 23o da CRA, que na visão dos defensores desta corrente ao se seleccionar alguns municípios, viola o presente artigo que diz no ponto:


1. Todos são iguais perante a Constituição e a lei. e o ponto 2 diz ;

Ninguém pode ser prejudicado, privilegiado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão da sua ascendência, sexo, raça, etnia, cor, deficiência, língua, local de nascimento, religião, convicções políticas, ideológicas ou filosóficas, grau de instrução, condição económica ou social ou profissão.


Sugerindo aqui que a seleção dos municípios ter como base o desenvolvimento das regiões violaria claramente este artigo, pois ninguém deve ser privado de um direito em função das condições acima referidas, acrescendo aqui o artigo 54 da CRA. Ainda a sustentar esta tese na vertente da constituição, sustenta-se que o princípio do gradualismo sendo um mero proceder da administração estadual não suplanta o princípio da universalidade e o da igualdade, que são estruturantes do próprio ordenamento do jurídico. Sobre igualdade versos desigualdade dos Municípios, Ascânio (2018) afirma que a luz da interpretação desta matéria os municípios apenas são diferentes na perspectiva jurídico – administrativo (desconcentração implicar no desenvolvimento), mas do ponto de vista jurídico- político (parcela do território nacional que congrega um conjunto de cidadãos com os mesmo laços ético culturais e com interesses comuns) são todos iguais, convergindo assim estes elementos com os que constam na definição das autarquias.


2.2 Fundamento de ordem social e económica

Pelo que tudo indicava nos discursos políticos as autarquias seriam aplicada apenas nas zonas urbanas por reunirem condições sobretudo fi¬nanceiras e outras, assim sendo, há riscos de haver uma bifurcação do Estado, onde as zonas rurais estarão de fora deste processo até que venham reunir os requisitos, a pergunta é, pelo andar da reforma da administração local quando será? As zonas urbanas são as que mais tributam para a conta única do tesouro (CUT), o que significa que estas receitas vão ficar maioritariamente na autarquia, o valor do CUT baixa o que causa uma certa dificuldade em fomentar o desenvolvimento local em zonas rurais, pois as receitas do Estado vai baixar, logo pode acontecer o aumento das assimetrias regionais, onde é provável que as zonas ur¬banas autárquicas desenvolvem muito mais que as zonas rurais controlados pela administração local desconcentra¬da e este facto poderá aumentar o êxodo populacional das zonas rurais para as zonas urbanas (Lima,2018, pag 125).

3. A corrente a favor do gradualismo territorial

4.1- Fundamentos de ordem jurídica:


Refutando a visão da interpretação da inconstitucionalidade do princípio do gradualismo, o professor Lazarino ( Poulson 2018, pag 88) faz saber que o gradualismo ancora-se no princípio da racionalidade, proporcionalidade, e do respeito pela integridade do Estado, define como sendo um princípio transitório, e nos parece que aconselha, uma leitura ampla do contexto da definição do gradualismo prescrita no artigo 242o da CRA, pois na visão do autor esta discussão nem tem razão de ser, é indiscutível o espirito do legislador constitucional, que consagrou a implantação gradual das autarquias.


Muitos juristas, afirmam ainda que os argumentos que constam do artigo 22o e 23o não basta, para atestar inconstitucionalidade do princípio do gradualismo territorial, definem como um argumento forçado para realidade das autarquias, partindo do princípio que é necessário não ler apenas um artigo, para compreender a grande intenção do legislador que é a satisfação das necessidades locais, e as questões de ordem material não se podem colocar de lado, sobre o principio da universalidade e igualdade, vezes houve que, em fase de eleições não exerceram o direito de voto, por condicionantes de ordem circunstanciais, material, logística e outras.


Ainda neste particular, do ponto de vista da violação do artigo da universalidade e igualdade, a actual proposta de lei sobre a institucionalização das autarquias locais trás normas, para a seleção territorial que demostram que o legislador ordinário não tem intenções nenhuma de excluir municípios tendo em conta os critérios ligados ao nível de desenvolvimento, se termos em conta o artigo 3o alínea E e F ;

e) Alguns municípios com grande expressão e particularidades culturais, Tendencialmente do interior do País, independentemente da sua capacidade de Arrecadação de receita e independentemente da sua população;


f) Alguns municípios do interior do País, com dinâmicas de desenvolvimento local assentem na agricultura e pecuária, independentemente da sua capacidade de arrecadação de receita.


Parece que se pretende uma experiência ampla, onde até Município sem condições de arrecadação de receita poderão para experiência ser autarquia.

5.2 Fundamentos a favor do ponto de vista Socioeconómico


E porque o autor se revê na presente corrente, passará aqui parecer do mesmo. Ao olhar para o estado actual dos municípios, claramente nota-se que as assimetrias regionais são abismais, será a autarquia um elemento que poderá alavancar o desenvolvimento de uma região que nem não possui fontes de receitas? Partindo do princípio que esta autarquia, deve sobreviver com parte das suas receitas, seria prejudicial para o desenvolvimento da região, dar autonomia sem que tenha condições para exerce-las.


Associado a este aspecto, se for a olhar para quadros qualificados para levarem a vida administrativa da autarquia, e municípios com inextensivas de patrimónios significativos, queremos nós ter uma autarquia, que sobrevive de um fundo de equilíbrio ou totalmente do O.G.E? E se transformar em pedinte, ou numa reclamação constante? Julga-se não ser este o propósito, sobre tudo a olhar para a experiencia de Moçambique, Cabo Verde e até de Portugal, este ultimo considerado um exemplo ainda continua com a reforma territorial, tendo como critério, densidade populacional, extensão territorial e capacidade de arrecadação de receitas financeiras.


É uma leitura necessária do actual contexto que obriga prudência e gradualismo, aqui o professor lazarino Pulsom (2018, pag 89) acrescenta ainda, que “ por mais que queiramos agradar o desejo de toda população, não há condições de uniformizar os critérios, a desigualdade territorial é uma realidade tangível, inegável (...)”, de nada valerá para o interesse público que uma autarquia local, faleça logo a nascença por falta de condições de subsistência.


A demais, já está definido o prazo para a institucionalização total de todo território das autarquias locais em Angola, que de certo modo significa que o processo da consolidação da desconcentração, que está a resultar agora na municipalização e descentralização financeira, se for levado a serio, poderão se cumprir com a meta dos 15 anos, uma vez que são medidas que já há muito tempo deveriam ser implementadas.


4. Considerações finais

Chegados a este ponto, é essencial sugerir aos leitores se “despir” da visão reducionista das autarquias, que os políticos pretendem fomentar, onde cada um promove sua visão, o sucesso da implementação deste processo está muito além das eleições autárquicas em todo território nacional de uma vez, a especificidade social económica e cultural de Angola e as várias experiencia de países vizinhos e não só, obriga prudência e cautela. Por outro lado, o contexto político que Angola foi mergulhada, resultando em desconfiança das instituições, acusadas muitas vezes de estar fortemente partidarizada, obriga a máxima transparência e inclusão na condução deste processo, nesta senda, o autor não se revê no gradualismo territorial que permite que a escolha dos municípios seja a critério de um grupo.


A proposta é o gradualismo consensual, cumprindo assim com a 5o recomendação extraída do memorando sobre a implementação das autarquias locais do Conselho da República . Sugere- se ainda que os critérios elegidos sejam os elementos a ter em conta para escolher os municípios, os critérios indicam quais os municípios que se encaixam e não as pessoas. Sobre os critérios apresentados na proposta de lei, consegue-se perceber e louva-se o facto de não se implementarem apenas autarquias nas zonas urbanas, pois existem zonas que culturalmente negam o desenvolvimento no conceito cidade (arranha céus, poluição sonora) zonas mesmo para descanso absoluto, no entanto isto não implica que não tenham capacidade de arrecadação de receitas, é neste particular que o autor da presente reflexão demarca-se da norma que admite a possibilidade de uma região ser autarquia independentemente da sua possibilidade de arrecadação da receita, acha-se um risco desnecessário que se pode evitar.


Referências Bibliográficas

LIMA, Herlânder, (2018) Administração Local em Angola, o impacto da reforma na vida do cidadão, Luanda, Ed Bclivtec, 1o ed.
POULSON, Lazarino (2018) Autarquias Locais no Direito Angolano, enquadramento e perspectivas. Luanda, Ed Novos Cérebros 1o ed.
MARTINS, Evandra (2016) Autarquias Locais em Angola, um olhar constitucional, Coimbra, Ed Almedina 1o ed.
NASCIMENTO, Ascânio (2018) Direito das Autarquias Locais, um olhar ao direito constitucional autárquico, Luanda, E d Casa das Ideias, 1o ed.
Por: Herlânder Lima