Luanda - Que consequências do pós-27 Maio e da péssima gestão que o MPLA fez no tratamento desse assunto? A falta de coragem para abordar de frente os problemas que culminaram no 27 de Maio de 1977 continuam a provocar inúmeros danos ao País.

Fonte: Club-k.net

O que podemos fazer hoje para eliminar ou pelo menos atenuar essas consequências? Para além da necessidade de preservação da memória e de se fazer a história com verdade, devemos ser capazes de, á luz da situação que hoje vivemos no País, aproveitar o que aprendemos no passado para planear o nosso futuro.

A minha contribuição hoje resume-se a três palavras chave que necessitam de ser desmontadas:

“Desconhecimento”; “Medo” e “Perda”


1. Desconhecimento. Os Angolanos desconhecem a sua história mais recente. Numa recente reunião em Porto Amboim com mais de 30 jovens, nenhum deles tinha ouvido falar de Viriato da Cruz, um nato de Porto Amboim. A génese do 27 de Maio assenta nas diferenças que existiram no encontro de várias comunidades, com vivencias diferentes. Podemos referir, os guerrilheiros e os responsáveis dos movimentos de libertação que operavam do exterior, a 1ª região político militar e uma enorme massa de jovens citadinos, bem formados, e com uma forte vontade de contribuir para a independência do Pais.

O que nós sabemos hoje de cada uma dessas comunidades?

a. De onde vinham esses jovens?
b. Onde e como foram formados; Quem os formou?
c. Como era a vida económica e social nos últimos anos da ocupação portuguesa?
d. E do lado da guerrilha? Como era a vida?
e. O que foi a 1ª Região, a revolta Activa? E a revolta do Leste?
f. Porque os movimentos lutavam entre si?
g. Afinal quem ganhou a guerra?
Eu penso que, a não resolução do Processo 27 Maio, impediu que se estudasse e contasse a verdadeira história do período moderno pré e pós-independência.

Se tivéssemos estudado de uma forma científica o que aconteceu em Angola nos 10 anos antes da independência, teríamos aprendido muito e não estaríamos onde estamos hoje.


Talvez tivesse sido importante olhar de uma forma construtiva quais as mudanças que ocorreram em Angola entre 1965 e 1974 para fazer desta “Província Ultramarina” uma potencia económica. Os portugueses apostaram em “Educação; Ciência e Tecnologia”. Os resultados estavam a aparecer exactamente quando se deu o 25 de Abril de 1974. Recomendo que se leia o livro “Angola, o futuro já começou” de Zenha Rela, com prefácio de Ana Dias Lourenço e publicado pela Editorial Nzila.


Nós os que à data tínhamos entre 18 e 22 anos, somos filhos desse período. É “esta gente” que Neto desconhecia, que dá força a um MPLA que à data de 25 de Abril, estava enfraquecido, dividido e desacreditado.


2. Medo. A Rainha Ginga morreu com 81 anos em 1663, depois de ter exercido o poder como rainha do Ndongo por 39 anos. Nos últimos anos da sua vida converteu-se ao cristianismo, e queria fazer do seu reino um reino cristão, reconhecido pelo Papa, tarefa difícil face à oposição que tinha entre os tradicionalistas receoso de perda da sus identidade e tradições. No momento da sua morte as centenas de serventes, criados e amas que para ela trabalhavam, fugiram para as matas porque sabiam da tradição de sacrificar todos aqueles que estavam próximos do rei falecido, enterrando-os juntamento com ele. Foi assim na morte do pai de Nzinga e depois na morte do Irmão. Foram os monges e padres capuchinhos que viviam no reino que tiveram de cumprir com as tarefas de preparação do enterro da Rainha.


Medo é algo que por centenas de anos convive com as comunidades rurais habituadas às razias de diferentes exércitos á caça de escravos. Todos caçavam escravos, qualquer um podia ser traficado a qualquer momento, até pelos seus próximos. O escravo era a petróleo do século XVII e XVIII.


O medo nas aldeias continuou já no Século XX por diferentes período de guerra, como consequência da actividade dos exércitos português e dos movimentos, ávidos por manter sob seu controlo as populações das áreas de intervenção.


Medo foi o que se instalou em Angola depois do 27 de Maio. Julgo que é inegável esta afirmação que dispenso de mais comentários. Afinal, vivemos com recolher obrigatório por mais de 10 anos seguidos.


O medo continua em todo o lado e a todo o momento. É esta filosofia de “estar” que, por exemplo, nos explica porque administradores de bairro mandam limpar uma rua normalmente cheia de lixo, quando sabe da vinda de um seu superior.

Viver com medo já faz parte da nossa idiossincrasia.


3. Perda. As milhares de vítimas fruto do que aconteceu no período pos-27 de Maio, significa sem dúvida uma perda irreparável. Será que temos noção da quantidade de quadros e intelectuais que foram mortos neste processo? O que jovens inteligentes e estudiosos como o Xico Zé ou o Nado ou o Charula, poderiam ter feito em benefício deste Pais?

Mas o Pais perde significativamente e de uma forma grave, porque a não resolução desta situação impediu que até hoje, personalidades importantes e de reconhecida capacidade pudessem participar na vida do Pais. Quando olhamos para trás perguntamo-nos:

a. O que seria este Pais se pudéssemos ter entre nós as centenas ou mesmo milhares de angolanos que tiveram de fugir naquela altura? Eram médicos, engenheiros, economistas, jovens formados numa das melhores universidades de Portugal ( e não só) fortemente dedicados ao MPLA e à causa da Independência, mas que tiveram que sair. São pessoas que provaram a sua extraordinária capacidade integrando-se na sociedade portuguesa e ocupando altos cargos nessa sociedade.


b. Quais os intelectuais da Revolta Activa que puderam dar a sua contribuição ao Pais? Em que fóruns participaram?


c. Quantos ex presos da OCA e do Processo fraccionista – reconhecidos e corajosos intelectuais do período revolucionário - puderam ter voz activa na Governação deste Pais.


d. Porque médicos/engenheiros/especialistas de diversa natureza foram impedidos de dar aulas por anos a fio, e impedidos de participar em órgãos de gestão ou decisão sem possibilidade de expressar a sua voz em círculos de pensamento estratégico deste pais.


e. Porque 6 anos depois de Maio de 77 o autor deste texto foi expulso das FAPLA, depois de ter cumprido 3 anos de vida militar como oficial colocado na Direcção de Construção Militar, sob o argumento que não era suposto um fraccionista ter sido mobilizado para a tropa?

Esperamos poder continuar a debater este assunto nesta perspectiva: CONHECER O PASSADO, ENCARAR O PRESENTE, PLANEAR O FUTURO