Luanda - Lembro-me, claramente, do primeiro comício a que assisti na vida. Em 1975, eu tinha nove anos e o engenheiro Ernesto Mulato, o Dr. Ruben Chitacumbi, o enfermeiro Jeremias Bandua, assim como um comandante muito famoso na altura, o Lumumba, vieram para o Bom Pastor, o nosso bairro, para falar sobre a independência. Os líderes da UNITA estavam num palco; um popular perguntou qual seria o papel das autoridades tradicionais na futura nação. Não me lembro bem qual foi a resposta do engenheiro Mulato; lembro-me que ele escutou atentamente a pergunta.

Fonte: JA

Na quarta-feira, estive no Huambo e fui à sede da UNITA para assistir a um outro comício, onde o presidente da UNITA, Isaías Samakuva, deu uma explicação sobre a exumação e enterro do líder fundador do partido, Dr. Jonas Malheiro Savimbi. Para nós, de uma certa idade, aquilo serviu para relembrar muitos momentos. Um Mano disse que ele esteve lá quando, em 1975, o Doutor Savimbi andou a pé do aeroporto do Huambo até ao Centro da Administração Política do Partido (CAP), que ficava na baixa da cidade.


Olhei para o público e notei a presença de muitos jovens - alguns claramente nascidos muito depois da morte do Dr. Savimbi. Notei também que estes jovens eram muito pobres: via-se neles aquela resignação e desespero que vêm com a pobreza. Como o segundo partido no país, partido com muita história, a UNITA, concluí, tinha o dever de ajudar a superar aquela pobreza. O problema da pobreza não vai ser resolvido com as autarquias; o desafio é muito grande, mas pode ser superado.


A UNITA, pelo menos na província do Huambo, tem uma organização impressionante. Alguns anos atrás, lembro-me de uma conversa que tive com o então jovem deputado e representante da UNITA Liberty Chiaka, que me disse que havia programas sociais para ajudar membros do partido a começar pequenos empreendimentos. O combate à pobreza vai precisar de muita criatividade - e a UNITA certamente poderá ajudar.


A UNITA transformou-se de um partido armado em um partido político. Na política, existe o aspecto teatral - o simbolismo, narrativas que assentam em versões da história; mas existe, também, levar a efeito as estratégias. A última, às vezes, torna-se muito difícil. Em geral, no continente africano, com a nossa cultura de “winner takes all” ou “quem vence leva tudo”, o partido no poder assume o peso de fazer tudo. A oposição passa, também, a ter o papel de criticar tudo. Este pingue-pongue político nem sempre vale a pena.


Depois de quase um ano em Angola (vivi a maior parte da minha vida no exterior), cheguei à conclusão de que o que se precisa são ideias - muita criatividade. Uma instituição com uma capacidade organizativa como a UNITA, deveria utilizar as suas estruturas para gerir e disseminar as suas ideias. Nos anos 80, vivi dois anos - dos dezoito aos vinte anos - no território controlado pela UNITA, na Jamba e Bembua. Também viajei por várias partes do território, em certos casos na coluna do próprio Doutor Savimbi. Naquele tempo, o lema era “contar com as nossas próprias forças”, o outro era “ os fenómenos internos é que determinam os fenómenos externos.” Isto tudo fazia parte de uma cultura para criar uma certa autoconfiança no povo. A Jamba tinha muitos mecânicos impressionantes - que desmontavam e montavam motores; o aluno que atende o liceu de manhã, dava aulas na primária à tarde. Os enfermeiros com experiência, faziam tudo para ensinar os seus assistentes. Lá onde as pessoas estivessem, tudo era feito de imediato para ter-se uma produção agrícola. Havia muita disciplina e criatividade naquele mundo.


Há vezes, por cá, que vou para uma aldeia e encontro homens capazes, cheios de saúde, a beberem aguardente e a lamentar que o Governo não está a fazer nada para eles. Mesmo os membros da UNITA, agora preferem ir com a narrativa de que tudo terá que vir do Governo. Isto é porque se criou o mito de um Governo omnisciente e omnipotente; a UNITA, infelizmente, às vezes apresenta-se como o inverso deste Governo: eles não conseguem mas nós vamos conseguir, porque somos os melhores, mas sempre operando sobre o mesmo modelo.


A UNITA pode servir como uma fonte de ideias e iniciativas. Não estou aqui a sugerir a formação de uma espécie de “grupos de especialização”, que às vezes passam a ser absurdos: no Huambo, outro dia ouvi falar de um “Grupo de especialização do MPLA de professores de Inglês!” Tenho em mente estruturas de gente com ligações à UNITA que possam utilizar a sua experiência para gerir ideias na superação da pobreza. Nos Estados Unidos, há os “Think Tanks” - instituições que gerem ideias para ajudar os partidos políticos. A UNITA poderia, por exemplo, deixar que as suas estruturas sirvam para capacitar pequenos empreendedores sem considerar a sua filiação partidária.


A UNITA pode, por exemplo, ajudar as populações a explorar formas de usar as novas tecnologias para melhorar as suas vidas. No velório do Doutor Savimbi, no Huambo, vi muita gente com celulares relativamente sofisticados a filmar o acontecimento - até da Lima estavam a gravar tudo. Os jovens da UNITA estavam a emitir o acontecimento (live stream) através da Internet. Que tal se a UNITA pudesse organizar equipas de peritos para ajudar as populações a tirar o melhor proveito das novas tecnologias para as populações? Há partidos que passaram décadas na oposição mas foram ajudando no melhoramento da vida das populações. Para isto, a UNITA vai ter que ser mais aberta e passar a ser uma organização com líderes fiéis à história e aos ideais do movimento fundado em Mwangai, mas também prontos a aceitar todo tipo de pessoas - incluindo alguns chatos e excêntricos.