Luanda - Terminada a preparação militar básica em Massivi no Leste de Angola sob o comando do Tenente Swanga, tive o meu baptismo de fogo nas áreas do Mussende em 1975. Depois fui indicado para trabalhar com o então Major Waldemar Pires Chindondo no Quartel General (QG) das FALA no Bié. O referido QG estava situado nas antigas instalações da JAEA, Junta Autónoma das Estradas de Angola.

Fonte: Club-k.net

Foi por essa ocasião que pela primeira vez tive um contacto directo com o Mais Velho. Eu era o encarregado pela Administração do EMG que também tinha o controlo dos combustíveis e lubrificantes mas respondia directamente por essa àrea, sob minha supervisão, o mais velho Tenente Kantíflas, um veterano da Guerra de libertação. Na altura o Velho Jonas conduzia pessoalmente o seu Range Rover, modelo 1974/75, à gasolina.


Chegou ao QG e decidiu abastecer o seu carro. O mais velho Kantiflas prontamente pegou num tambor que estava em uso e iniciou a operação do abastecimento que a dado momento o Mais Velho, com um berro à sua maneira, mandou suspender e ordenou que se chamasse pelo responsável da Administração. Vim a correr do meu bureau para atender àquela importante chamada, transmitida por um dos guarda-costas que não conseguiu dissimular a expressão visual que me indicava haver algo de grave. De facto encontrei o Velho de pé com as mãos na cintura, vestido de um camuflado de origem francesa e com uma postura grave.


Como se chama? Quem lhe confiou esse trabalho? Você leu o que está escrito no tambor?

Li sim senhor Doutor! Respondi, totalmente intimidado mas seguro de que não haveria nada de grave. Estava escrito no tambor novo e de cor preta: Avgaz ou Avtur. Era gasolina para aviões.


O mais velho conclui imediatamente que estavamos a usar a gasolina do seu avião à jacto, o famoso "Mwangai", um Gruman que um amigo de Kenneth Kaunda, o milionário britânico Tiny Rowland que fez fortuna no tabaco, na Rhodesia, no CFB e mais tarde na hotelaria, pôs à disposição do Dr. Savimbi. Não tive oportunidade de me explicar, porque logo a seguir o Velho entrou para o seu carro, acelerou e fechou-se no seu escritório do Quartel General. Deixei passar uns 30 minutos. Reuni toda a coragem possível porque era preciso, à todo o custo, dizer ao velho qual era o nosso procedimento em matéria de gestão dos combustíveis, sob pena de ser definitivamente rotulado de negligência e/ou incompetência.


Subi até ao corredor do bureau do presidente e comuniquei ao chefe da escolta, que era o alferes Domingos Marcos, um respeitável bodyguard que trabalhou com o Velho desde o tempo da guerrilha.

Queria falar com o Mais Velho! Solicitei ao guarda.


Hoje não vale a pena insistires. Depois da maka da gasolina é melhor deixares passar algum tempo porque o velho está muito aborrecido. Aconselhou-me o Domingos Marcos. Eu disse-lhe que tratava-se de um assunto muito importante. Mesmo contrariado ele bateu à porta do Mais Velho e entrou. Saíu pouco depois dizendo: tens sorte, o velho aceitou falar contigo, aguarda um pouco. De facto tive sorte pois cerca de cinco minutos depois, abriu-se a porta e era o Velho em pessoa: quer falar comigo? Entre e sente-se, ordenou, indicando-me a cadeira onde eu me devia sentar.

Diga lá o que se passa, disse o mais velho ao mesmo tempo que se sentava.


Eu agradeci a oportunidade de poder falar com o Velho e expliquei com clareza e convicção basicamente o seguinte:

a) Nós recebíamos gasolina para avião em tambores selados que estão stockados e fechados a ,"este chaves" e por mim guardadas.


b) A gasolina para viaturas vinha do Lobito por cisternas.

Não havendo tanques para esvaziar as cisternas, estávamos a usar os tambores vazios de Avgaz como depósito para gasolina pois as cisternas tinham de fazer o vai e vem a partir do Lobito para Huambo e Bié e não dispúnhamos de muitas.

O mais velho escutou-me de forma serena e paciente sem me interromper uma única vez. No fim, disse que estava impressionado com a minha coragem e que tinha compreendido a minha explicação. Tomou nota do meu nome, onde eu tinha estudado e patente tendo prometido rever-me para poder ter comigo uma conversa com mais calma. Enviou em seguida o seu Ajudante de campo para confirmar o que eu acabava de explicar. Nunca mais nos cruzamos até que dois meses depois enviou um dos seus colaboradores para me informar que devia imediatamente partir para o Huambo ao encontro do Mwata, com orientação para trazer comigo a minha bagagem pois não voltaria tão cedo para o Bié, acho que estávamos em meados de 1975 e tinha eu os meus 25 anitos. Cheguei ao Huambo e constatei que estava também à espera da audiência, o meu kota e amigo Samuel Pedro Chivukuvuku, o mano Samy. Fomos prontamente recebidos, num ambiente calmo e sereno.

O Velho disse: os americanos decidiram agora apoiar a UNITA, pois o conflito angolano começa a ter contornos internacionais, com o envolvimento de tropas cubanas com o apoio logístico soviético. Vocês têm a missão de coordenar e operacionalizar essa intenção de ajudar a UNITA. Vocês vão trabalhar com os americanos e os zairenses e terão o apoio político e diplomático do nosso representante em Kinshasa, o mais velho Ruben Chitakumbi.

Foi assim e nestas circunstâncias que eu tive o meu primeiro "tête-à-tête" com o mais velho, numa relação que durou 26 longos e anos com momentos bons e maus, com alegrias e tristezas mas sempre firmes no propósito da UNITA.