Luanda - 1. Nota Prévia: Com o título “Pensando Angola”, vamos iniciar uma série de artigos de opinião de carácter geral sobre a dinâmica política, jurídica e sócio-económica de Angola, sem prejuízo de outros títulos de especialidade jurídica que criámos, designadamente “Pensar Direito” e “ Comentário Jurídico da Semana”.

Fonte: Club-k.net

Reforma do Estado

2. Introdução


O Chefe de Estado angolano, João Lourenço, iniciou um vasto programa de Reforma do Estado, desde que assumiu a Presidência da República, a 26 de Setembro de 2017. Da análise feita deste programa, destacamos três tipos de reformas: a reforma da justiça e do direito (em vigor antes de João Lourenço tomar posse); a reforma administrativa e as reformas económicas e sociais.

3. Teoria Geral da Reforma Administrativa

Segundo se diz na doutrina geral, a expressão “Reforma Administrativa ( ou reforma do Estado ) “, é um chavão utilizado na “linguagem política, quando não se tem mais nada para dizer, mas fica bem dizer, para mostrar que se tem uma política de mudança“. Esse conceito indeterminado, na verdade, é um assunto demasiado sério para ficar somente no discurso político, porque as sociedades estão em constantes mudanças. Daí que, reformar é uma tarefa permanente dos Estados. A reforma administrativa, é entendida como sendo “ um processo de mudança, que facilita o ajustamento das estruturas organizativas e o funcionamento Administrativo do Estado, segundo as exigências do ambiente político e social.


O processo de reforma, não obstante ser diferente de país para país, faz-se sentir um pouco por todo o lado. Via de regra, surpreendemos nas nações mais desenvolvidas do Ocidente, a diminuição do Estado, nos países em vias de desenvolvimento, atende-se à eficiência estadual e, nos outros estados, sobretudo do leste europeu, preocupam-se em tornar o estado, num agente regulador de economia de mercado.


Por outro lado, a reforma administrativa, está estritamente ligada à experiência política de cada país, do ambiente sócio-económico e do momento em que se inicia a reforma. Nas nações mais desenvolvidas, encontram-se alguns factores decisivos para o êxito da reforma, designadamente, a intenção e os objectivos políticos, a experiente administração pública existente, os grupos de pressão social, o desenvolvimento sócio-económico e a inserção do país, ou não, num bloco económico.


Há quem defenda que, as reformas administrativas visam apenas controlar e não curar as enfermidades, que a administração do Estado padece. Nesta senda de pensamento, a reforma administrativa, visa atingir dois objectivos: melhorar o que existe; corrigir as deficiências e o que é feito erradamente ( em conformidade com o Slogan do Partido MPLA - “ melhorar o que está bem e corrigir o que está mal”).


Em termos mundiais, constatamos que, em primeiro lugar, surge a necessidade de redefinir o Estado e as suas funções. Depois dessa premissa fundamental, passa para a fase em que, a atenção se centra nas características administrativas, burocráticas, gestionárias e profissionais, que precisam de ser redefinidas. Quando se examina a reforma administrativa, torna-se necessário observar algumas importantes medidas, nomeadamente, reorganização, desburocratização, privatização e inovação. A primeira, refere-se à reorganização das entidades e estruturas administrativas, para alcançar as metas políticas e programas superiormente estabelecidos. A segunda, está ligada à desburocratização que visam pôr fim às disfunções da burocracia e não eliminar a burocracia em si. Por outro lado, pretende-se transformar os burocratas, em funcionários dedicados e ao serviço das populações. Perspectiva-se também que, a desburocratização aumente a confiança nas instituições públicas e minimize a necessidade dos cidadãos, usarem intermediários, para lidar em seu nome com a burocracia pública, que fomenta à corrupção, tráfico de influência, amiguinhos, nepotismo e outras práticas nefastas, ao bom funcionamento das instituições públicas. A terceira, a privatização, tem como propósito, diminuir a dimensão do sector empresarial do Estado, reduzir as despesas públicas e tornar a economia mais eficiente.


Em quarto lugar, a inovação consiste em fazer algo no aparelho do Estado pela primeira vez, introduzir novos conceitos, ou experimentar medidas revolucionárias. Todavia, o facto de uma medida ser bem sucedida em determinada organização, em determinado período de tempo, não garante o seu sucesso noutra organização, noutro momento. Por isso, os autores da reforma, têm de moldar as propostas à medida de cada situação concreta. Contudo, e lamentavelmente, o que ocorre em muitos casos, é a transposição de programas de reformas administrativas de outras realidades, para determinados países (imitação) e que não resultam, por não corresponder às necessidades dos países onde são aplicadas.

4. Evolução histórica da Reforma Administrativa

A reforma administrativa, tal como é vista hoje, surge nos meados da década de 70, do século passado. Esse processo histórico, acontece porque o então “ Estado de bem-estar”, encontrava-se em crise profunda e o modelo de Administração profissional que lhe dava suporte, não correspondia à demanda. Adoptou-se, na altura, algumas medidas para corrigir o referido modelo de Estado, tais como, a contratação de serviços ao exterior da Administração Pública e a privatização. Em dissonância com a doutrina Keynesiana, os reformadores da época, entenderam que a intervenção massiva do Estado, na economia e na vida social, não estava a dar os resultados esperados. Por isso, fizeram surgir a utilização da gestão privada das mesmas. Aparece com este fenómeno, uma nova tipologia de Administração Pública, assente em novos modelos teóricos, que sustentarão a reforma do Estado. Os eixos fundamentais desta reforma, que teve o seu dealbar na década de 70 do século passado, encontra-se em dois eixos fundamentais: a teoria da escolha pública e o managenalismo. Contudo, estas duas escolhas, possuem princípios conflituantes, de tal sorte que, em muitos países, a reforma do Estado traduziu-se num confronto entre os dois modelos. Mais tarde, já em plena década de 80, surge o “ New Public Management” ( adiante designado por NPM). Este novo figurino, surge com técnicas de gestão privada, como eixo central para o aperfeiçoamento do funcionalismo público. A seguir, no período de transição da década de 80/90, o modelo deu um salto e introduziu a chamada Gestão da Qualidade Total ( adiante TOM), a reengenharia e a reinvenção.


Com essa nova visão da Administração Pública, em que a “privatização do sector público” e a consequente gestão empresarial privada de muitas áreas do mesmo, passou a olhar o cidadão como “consumidor” e os funcionários como “vendedores”. Surge a ideia do utilizador-pagador. Com o conceito de Managenalismo, elimina-se a barreira entre a gestão pública e a gestão privada: o serviço público começou a utilizar métodos de gestão privada. Com esse método, alcançou-se efeitos positivos, tais como, a controlo das despesas, o aumento do grau da responsabilização perante os cidadãos, a flexibilização da gestão, capacidade de inovação, e a clara definição de objectivos e missões. Todavia, este método não obteve os mesmos resultados em todos os países, em virtude das realidades das estruturas administrativas, serem variáveis de país para país. E como não há “bela sem senão”, surpreendemos defeitos visíveis neste modelos, designadamente, a sua falta de fundamentação teórica, a gestão privada não pode sobrepor-se à gestão pública, o sector administrativo do Estado e a NPM não gerou um eficiente sistema de “accountability” (prestação de contas). Nesta conformidade, a partir dos meados dos anos 90, surgiram novos conceitos teóricos sobre gestão pública, baseada na “good governance “ ( boa governação).


A boa governação, é um conceito mais amplo do que a simples reforma administrativa, que assenta em três pilares fundamentais: Estado, Mercado e Sociedade Civil. Com os desafios da globalização, a boa governação, passou a ser uma ideia central nos estados modernos, que implica um Estado de Direito Democrático, que respeita os direitos humanos, o princípio da separação de poderes e a qualidade do serviço público. A economia de mercado, ocupa um destaque fundamental, com a livre concorrência dos agentes económicos, nacionais e estrangeiros, com o combate aos monopólios e com a ausência de barreiras aduaneiras. Por último, a existência de uma sociedade civil forte, que serve de contraponto e complemento das ações do Estado. A boa governação exige ética, rigor, verdade, profissionalismo, responsabilidade, coerência e compromisso, o que coloca os Estados que a praticam, nos antípodas da corrupção, demagogia e manipulação. Os Estados que atingiram níveis de boa governação, cuidam dos mais desfavorecidos e estão em diálogo permanente, com a sociedade civil e com os cidadãos em geral, pois têm ideias claras quanto às verdadeiras causas nacionais e globais .


5. Posição adoptada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico ( OCDE)


A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), adoptou algumas recomendações, a respeito da reforma administrativa, que vale a pena realçar. Para essa organização, cada país, deve equacionar os aspectos ligados à sua reforma administrativa e encontrar soluções adaptadas a cada contexto nacional. Outros sim, devem os países, no âmbito da reforma administrativa, desenvolver uma cultura de mudança, para atingir padrões de comportamento consentâneos aos desafios de cada momento. Devido à dinâmica evolutiva das sociedades, as respostas a dar, devem ser casuísticas, não havendo padrões universais. Cada país, deve criar as suas próprias instituições,adaptáveis ao seu contexto nacional. Para aquela organização, a administração pública deve ser pro-activa, capaz de antever os problemas e, não apenas reagir perante os desafios que a social-democracia coloca.


6. Reforma Administrativa em Angola (proposta)


Para Angola, sem prejuízo do processo em curso ( Reforma da Justiça e do Direito, Reforma Administrativa, Reforma Sócio-Económica), propomos uma reforma do Estado assente nos seguintes eixos fundamentais: recursos humanos, estruturas administrativas e privatizações de serviços.


6.1. Recursos Humanos


No que tange aos recursos humanos existentes na administração pública e outros serviços do Estado, sugerimos o seguinte:


. Redução de funcionários públicos, onde os mesmos são excedentários;

. Reaproveitamento de alguns funcionários para áreas produtivas;

. Reforma antecipada de alguns funcionários, com mais de 30 anos de serviço público;

. Reorganização do regime da carreira profissional;

. Profissionalização do funcionalismo público, promovendo a formação e superação profissional;

. Preenchimento de vagas nas áreas onde há défice de quadros, como nas áreas da saúde, educação e no aparelho judiciário;

. Aposta massiva na educação;

. Fomento da formação profissão dirigida;

. Incremento da investigação científica em determinadas áreas de maior potencialidade e competitividade para Angola em África e no mundo.


6. 2. Estruturas Administrativas


Quando as instituições do Estado, demasiado “gordas” ou com excesso de estruturas, propomos o seguinte :

. Redução de estruturas administrativas supérfluas;

. Redução do número de Ministérios, com a fusão de alguns e extinção de determinados Departamentos Governativos desnecessários;

. Diminuição do número de instituições, quer pela fusão ou eliminação - privilegiando a existência de agências nacionais ou locais;

. Diminuição do número de embaixadas e consulados e estruturas afins.

. Alargamento dos tribunais ;

. Autonomização das províncias ou regiões provinciais, quer através da autarquização das mesmas, ou agrupá-las em regiões sócio-económicas.


6. 3. Privatização de serviços públicos e parcerias público-privadas


No concernente à terciarização dos serviços públicos, hoje em larga medidas confiadas a Estado, excessivamente intervencionista, sugerimos o seguinte:

. Transferência de determinados serviços públicos para o sector privado, como por exemplo, os serviços de notários (entregues a Advogados); certos serviços da segurança social; arrecadação de impostos; inspeção de mercadoria e de automóveis; serviços de autorização ambientais (inspeção e estudo de impacto ambiental), etc

. Efectivação das parcerias público-privadas nos termos da lei aplicável, sobretudo na área de infra-estruturas;

. A redução de impostos;

. O fomento à produção nacional privada

. O incentivo ao investimento privado (nacional e estrangeiro), através da desburocratização dos serviços afins ao investimento.


A reforma do Estado (também designada reforma administrativa),é um processo que urge ser redirecionado, para que possamos guindar Angola, mesmo lutando para combater os níveis elevados de pobreza que temos, não podemos perder de vista o desenvolvimento, e isso só podemos alcançar, com uma visão estratégica e uma aposta no futuro.


Por agora, mais não digo ...

Lazarino Poulson, jurista e especialista em Direito Administrativo