Luanda - Diante da economia quem fala em Ecologia? O governo da província de Benguela embargou administrativamente as obras de instalação de uma fábrica de fertilizantes numa zona urbana, após uma onda de contestação de vários sectores da sociedade que chegaram a recorrer à justiça, por intermédio de uma providência cautelar, com o fundamento do potencial risco que a referida actividade representa para o meio ambiente no qual se incluem as comunidades circundantes.

Fonte: JA

Recentemente, ao falar sobre o assunto, o Presidente da República, João Lourenço, revelou que o referido projecto não estava em conformidade com os procedimentos legais de licenciamento ambiental e reconheceu o direito dos cidadãos a defenderem o meio ambiente sadio para uma melhor qualidade de vida.


Em Angola a organização e a regulação das actividades económicas assentam na garantia geral dos direitos e liberdades económicas. A constituição da República consagra a livre iniciativa económica e empresarial, no entanto, estatui que a mesma deve ser exercida nos termos da lei. Explicitamente, o texto refere que ao Estado cabe adoptar as medidas necessárias para a correcta localização das actividades económicas através de instrumentos de gestão contidos na Lei do Ordenamento do Território e de Urbanismo (Lei 3/04 de 25 de Junho) nomeadamente os planos territoriais. Tais instrumentos jurídicos impedem que sejam edificadas instalações industriais, cuja actividade seja considerada ambientalmente poluente, em áreas que abrigam aglomerados urbanos ou que estejam planificadas para a implementação urbana. As preocupações com o desenvolvimento sustentável e a protecção e defesa do meio ambiente foram igualmente consagrados pelo legislador constitucional e são abordados de forma mais esquematizada na Lei de Bases do Ambiente. Portanto, existe uma política de ordenamento do território cujo âmbito visa assegurar uma adequada organização e utilização do território nacional na perspectiva da sua valorização e cuja finalidade é conseguir um desenvolvimento económico, social e cultural integrado, harmonioso e sustentável do país, das diferentes regiões e aglomerados urbanos.


A indústria de fertilizantes químicos pertence ao ramo do agro-negócio, um segmento que se encontra em notável expansão em todo o mundo, por conta das exigências de um modelo de desenvolvimento capitalista exclusivamente virado para responder as regras de mercado. Os adubos químicos são uma fonte de nitrogénio barata obtida em escala industrial e são facilmente disponibilizadas para as culturas quando aplicados no solo. A sua vantagem em relação a outros fertilizantes nitrogenados, como por exemplo a ureia, é que são mais estáveis e mais eficientes, especialmente em climas quentes.


A produção de fertilizantes incorpora o leque das chamadas actividades de risco, sendo as mesmas caracterizadas pelo permanente perigo de causarem desastres ambientais e a nível mundial há de facto um debate sobre a produção de fertilizantes químicos. A sua matéria-prima são substâncias tóxicas e com potencial de causarem grandes explosões e contaminações ambientais. Em 2013, no Estado do Texas, nos EUA, uma explosão numa fábrica de fertilizantes causou a morte de 15 pessoas. A Chemical Safety Board (C.S.B.) Agência Federal dos E.U.A. afirmou no seu relatório sobre o acidente que o mesmo foi causado pela explosão do nitrato de amónio e que em milhares de comunidades espalhadas pelo país, próximas a fabricas de fertilizantes que armazenam o nitrato de amónio, havia probabilidades que novos incidentes poderiam ocorrer no futuro.


Sem dúvidas, do ponto de vista estritamente económico, a fábrica representa um valor de relevo, dada a aplicação de investimento nacional e estrangeiro, numa altura em que a economia angolana está a esboçar recuperação após um período em que esteve literalmente de rastos. De realçar igualmente o seu potencial de geração de empregos, numa região em que prolifera o desemprego e o sub-emprego.


Mas nem só de pão vive o Homem!

A sociedade de risco, cuja teoria foi desenvolvida por Ulrich Beck, é caracterizada pelo permanente perigo da ocorrência de catástrofes devido ao uso ilimitado do bem ambiental, da sua apropriação e mercantilização, a fim de satisfazer um contínuo e insustentável crescimento económico. Há uma crise ambiental no mundo como reflexo da contra-posição entre os interesses económicos do homem e a preservação do meio ambiente.


Para fazer frente ao aumento dos riscos de catástrofes, o meio ambiente foi inserido no catálogo dos direitos que gozam de protecção jurídica. Em 1998, Angola aprovou uma Lei de Bases do Ambiente, a Lei 5/98 de 19 de Junho, a que se seguiram outros diplomas suplementares, entre os quais o Decreto 51/04 que estabelece o regime da Avaliação de Impacto Ambiental e o Decreto 59/07, de 13 de Julho, que define o regime de licenciamento ambiental. A avaliação de Impacto Ambiental é um instrumento preventivo que, no processo administrativo antecede o licenciamento ambiental e é uma exigência para a sua concessão, uma vez que será a avaliação a determinar com precisão os possíveis impactos da referida actividade. Portanto, sem um parecer favorável da Avaliação de Impacto Ambiental, qualquer licenciamento concedido ao projecto será considerado inválido, nos termos da lei.


A Constituição de 2010 veio finalmente consagrar a protecção do meio ambiente e dos recursos naturais como uma tarefa fundamental do Estado e define no seu art.º. 39º que as pessoas “têm o direito a viver num ambiente sadio e não poluído, bem como o dever de o defender e preservar”. Foi igualmente inserida uma norma que garante que “qualquer cidadão, individualmente ou através de associações de interesse específicos, tem direito de acção judicial, nos casos e termos estabelecidos por lei, que vise anular actos lesivos à saúde pública, ao património público, histórico e cultural, ao meio ambiente e à qualidade de vida, à defesa do consumidor, à legalidade dos actos da administração e demais interesses colectivos”. É a chamada actio popularis que resolve, conjugado com os dispositivos do código de processo civil angolano, o problema da legitimidade para a propositura de qualquer acção judicial e constitui um importante instrumento de exercício da cidadania.


Hodiernamente, a protecção do bem ambiental assume dupla dimensão: uma como um direito subjectivo do indivíduo e outra como um direito da colectividade porque constitui pressuposto da vida humana. Adquire a qualidade de direito fundamental e como tal representa um limite material a qualquer emenda constitucional conferindo-lhes imutabilidade e intangibilidade a fim de impedir qualquer retrocesso ecológico.


Em suma, o bem ambiental deve ser protegido como um bem autónomo independentemente de qualquer interesse económico, seja privado ou do próprio Estado. Ele representa um dos pólos da relação de inter-dependência homem-natureza, porque o homem faz parte da natureza e sem ela não poderá sobreviver.


Com efeito, não estamos perante a aplicação de qualquer decisão judicial de responsabilidade civil, cuja caracterização decorre da imprescindibilidade da ocorrência do dano, que aqui felizmente não se verificou. No caso em apreço impôs-se a protecção do meio ambiente enquanto um macro-bem de interesse supra-individual, face a implantação em meio urbano de um projecto, cuja actividade está catalogada sendo uma actividade de risco. O próprio risco criado pela citada actividade constitui o elemento anti-jurídico.


Saudamos tal decisão porque ela se insere na observância dos princípios da prevenção e da precaução que são basilares no moderno direito ambiental.

 

*Jornalista e docente de Direito do Ambiente e Urbanismo no Instituto Superior Católico de Benguela