Luanda - Estávamos no longínquo ano de 2015, no mês de Junho e o assunto que estava no ar eram  as detenções dos jovens. Escrevi alguns textos em defesa dos companheiros. Estava focado nos jogos militares, aliás no dia 20 tinha recebido dispensa, depois de 24 horas de serviço no quartel, para integrar a seleção de basquetebol da Força Aérea Nacional. Juntei-me tarde ao grupo porque a dispensa foi engavetada pelos dirigentes da unidade de origem mas, fui a tempo de juntar-me ao pessoal.

Fonte: Club-k.net

A DETENÇÃO DO 15° INTEGRANTE DO  PROCESSO DOS 15+2

No dia 22 tínhamos pela frente a Marinha de Guerra Angolana, um "osso duro de roer". Saí de casa concentrado no jogo, ia a bordo da viatura com algumas músicas super alta, descontraído, fone conectado ao rádio do carro. Tudo era com o propósito de tirar o frio da barriga, como tem se dito. Quando estava junto ao a Administração do Cazenga recebo a ligação do Tenente Feliciano Kiako, dos Recursos Humanos. Como tinha o fone conectado ao carro, pelo volante pressionei a tecla para atender. Cumprimentou e perguntou saber a minha localização. Achei muito estranha pergunta e, em milésimos de segundo pensei tudo que podia estar a passar. Pensei comigo mesmo, bem alguma coisa passou-se lá na unidade, ouve segundas ordens, ou então querem abolir a minha dispensa? Não sabem que fui dispensado, até tardiamente para integrar a selecção do Ramo? Diante de muitos questionamentos e viagens decidi responde-lo, Estou aqui junto às comissões do Cazenga, aproximando-me ao Beiral, vou jogar ali naquele recinto do 1 de Maio junto ao INEF. De seguida ele disse " Wei aqui pelas unidades militares correm informações que estás preso juntamente com aqueles Brothers". De seguida, adiantou estamos todos preocupados, " fala ainda estás mesmo onde, aí não tem barrulho e parece-me que estás num sítio fechado".


Como sempre, muito calmo respondi novamente que estava junto ao Beiral e estava a caminho do campo para o primeiro jogo da Força Aérea naquele torneio militar e que a informação que adiantou não era verdade. Expliquei que a silêncio no ambiente em que encontrava-me devia-se ao facto de estar no interior da viatura, com o ar condicionado ligado, telemóvel conectado ao rádio da mesma e que o eco era normal. Pareceu-me que não ficou satisfeito com o que dizia, então decidi desconectar o celular, estacionei e coloquei-o nos ouvidos. Já que não acreditas " Epa vou aumentar a música para ouvires, lá aumentei, agora vou diminuir, diminui. Vou parar um táxi aqui e perguntar para onde vai " . Era a maneira, naquele instante que ocorreu-me para prová-lo. Com o barulho dos vulgos cobradores de Hiaces e a sequência de aumento e redução da música estava provado que não encontrava-me nas masmorras do MPLA, ficou tranquilo e de seguida desejou-me bom jogo e um até já.


Bom, fora de mim em momento algum descartei a possibilidade de ser preso mas, o jogo era prioritário, concentrei-me nele. Tivemos uma brilhante prestação ao vencermos a Marinha de Guerra, modéstia a parte, com uma grande exibição minha ao ser o melhor jogador do encontro. Reunimos ali mesmo no campo, o novo treinador, disse-nos que não recebeu verbas, muito menos alimentação para jogadores, uma prática recorrente. Mas, que estava disposto a trabalhar com aquelas dificuldades, frisou que o arranque do torneio era positivo, ao derrotar a Marinha de Guerra. Pediu que fôssemos em casar descansar, dentro de dois dias teríamos um novo embate, era uma questão de inteirar-se do calendário.


No dia 23, dia reservado ao descanso decidi estar com os amigos aqui no Sequele, numa pequena " farra". O Josemar Teca perguntou-me se tinha conhecimento das detenções que efectuaram, uma vez que o mesmo sabia das fases que estávamos a trilhar, inclusive solicitou-me a inserção dele nos encontros. Respondi que sim, adiantei que a qualquer altura era detido também. Ele disse-me não faz isso é ficamos a abordar o país como sempre. Por volta da meia noite, uma hora da manhã decidimos voltar aos nossos aposentos.

O DIA 24: A DETENÇÃO E A TENTATIVA DE ASSASSINATO


Acompanhava os noticiários matinais num colchão que coloquei na sala, tinha de recuperar-me para os outros jogos, então decidi passar o dia ali mesmo deitado com o filho ali também. Por volta das 07 horas tocou o inter-fone, como estava deitado pedi a minha esposa que atendesse, uma vez que  estava a passar em direcção a cozinha. Pediu que levantasse para atender, aliás, as únicas vezes que toca é para ter comigo, o super ser social-tratável, afável... como ela diz. A ligação caiu. Retomaram e como ela estava próximo do mesmo, desta vez não tinha como, atendeu. Ouvi a palavra 'partiram' e 'muito obrigado' da boca dela.


O nervosismo tomou conta dela e informou-me com uma dureza tal " Eu sempre digo, NÃO deixe os teus objectos a vista. Como julgas que és o dono de Luanda, todos miúdos conheces, não te roubam, és o kota e os putos tomam conta de tudo que é seu... desta vez não deu certo. Partiram o vidro traseiro da viatura e não sei o que levaram, talvez deixaste o  teu fio de ouro, mascote ou a carteira visível" . Levantei-me e segui até a varanda para observar a viatura, pela observação estava tudo nos conformes, não observava na parte  do  vidro partido.


Comecei por observar o meu fio de ouro e a mascote, estavam no lugar onde coloquei na noite anterior, verifiquei igualmente a carteira também estava no sítio. Voltei a varanda para uma apreciação e concluí que não estava partido. Então, comecei  a "colar" tudo. O Kiako ligou-me a dizer que circulavam informações nos quartéis militares que  eu estava preso... . A minha esposa pediu-me que fosse constatar in loco, pela varanda não sentia-se calma. Fiz uma resistência, mas por outro lado sentia que a mesma não estava calma, pois os amigos do alheio tinham 'N' formas de partir o vidro, nem sempre partem na totalidade para abrir uma das portas. Pressentia logo o plano de tudo àquilo, coloquei um  calção e uma camisola. Antes de sair de casa fiz o sinal da cruz, um gesto que dizia, seja o que Deus quiser. Sinal este que foi reconhecido pela esposa depois de um tempo preso.


Aproximei-me da viatura, e fui para a parte de traseira ver o vidro, as observações que fazia a partir da varanda, levaram-me definitivamente ao posicionamento que transmitia a esposa, não estava partido coisa nenhuma. Pressionei ao controle para destrancar e quando colocava a mão na porta saiu um senhor armado a pedir para não mexer mais nada. Os outros vieram a seguir, saindo por tudo quanto era canto dos prédios, um deles disse cuidado - no sentido de que é militar, tem técnicas, pode puxar a arma no carro... . Então, o que colocou me a pistola no corpo pediu que deitasse. Deitei, uns mantiveram a uma certa distância, em caso de reação da minha parte. Julguei que fosse ser fuzilado ali mesmo, ouvi da varanda da residência a minha esposa a gritar " Aiwê meu maridoê". Senti que era a última vez que ouvia a voz de um ser vivo na durante a minha vida, aliás, já tinha partido para o outro mundo.


De seguida  parece  que ouvi o senhor Famoroso , nome que fiquei a saber mais tarde, a pedir as mãos por trás e colocou as algemas e de seguida correr para viatura que estava escondida entre os prédios-Land Cruiser de cor castanha. Até ali voltei a terra , depois da viagem ao outro mundo, falei para mim mesmo até aqui ainda estou vivo. Os chinelos que calçava rebentaram, quando deitei sujei-me todo e, mesmo ao deitar-me o indivíduo empurrou-me pelas costas para deitar rapidamente, isto provocou uns arranhões nos joelhos e na testa. Senti-me capturado e o meu destino na mão dos inimigos.


Já dentro da viatura, haviam outras de escolta que estão a bordo toda equipa que participou na captura, sem saber o destino, o chefe da missão, o super-Intendente perguntou-me a confirmar se realmente era o Osvaldo Kaholo. Respondi que sim , enquanto estava com o telemóvel a ligar para uma pessoa. De seguida ouvi ele a informar a Sua Excelência, que já tinham prendido. A Sua Excelência julgo que pediu um minuto, ligaria de volta, enquanto isso levaram-me até a Unidade número 1 da Centralidade do Sequele. A entidade, tratada por Sua Excelência ligou de volta informar que tinha um homem aí no Sequele que indicaria o local, neste caso o local da minha execução. O chefe da missão perguntou por um nome, nesta altura não prestei a devida atenção, os homens da unidade 1 do Sequele indicaram que era na Unidade 2, no Bloco 9. Chegamos lá, encontramos o homem que sabia dos passos subsequentes, indicou o final do Sequele onde tem um buraco das escavações feitas e de seguida subiu  numa das viaturas. Ouvi o Famoroso a dizer " Osvaldo coragem, a vida é mesmo assim, uns têm de ser sacrificados". Colocavam máscaras pretas na cara-quando capturaram -me não tinham as tais máscaras, ficamos no carro a aguardar as instruções da entidade.


Nestes instantes a minha esposa consegui memorizar a matrícula de uma das viaturas quando capturam-me e iam saindo comigo, faz uma denúncia, dando conta que acabava de ser detido e levado pela polícia para parte incerta. Esta denúncia foi alvo de partilhas extraordinárias e dentro do carro ouvi a ligação da entidade a orientar que o plano alterou-se devido às informações que já circulavam sobre a detenção em sua posse  e com o agravante incluindo a matrícula de uma das viaturas. Pediu então, que levassem para casa e obter todos os elementos possíveis de provas.


Chegamos ao meu prédio, algemado , sujo-pelo facto de ter deitado no momento da captura, os vizinhos observando todo o cenário e bateram a porta da minha residência. A minha esposa sabia que estávamos a subir o edifício , logo alertou que não abria a porta se não fosse apresentado uma declaração que os autorizasse fazer busca e apreensões naquele recinto. O chefe da missão ameaçou a  minha esposa dizendo, cuidado tu és colega, não piora as coisas. Nem com isso a guerreira sentiu-se intimidada, fui eu que pedi insistentemente " vamos provar a essa gente que não temos nada, não fizemos nada, que mesmo assim estão a atropelar sistematicamente a Constituição por eles mesmos aprovados, desde os métodos marginais para a minha detenção..." .


Abriu à porta, ao entrar logo perguntou com uma voz ousada,Quem aqui é que fez a denúncia? Mandei-lhe baixar o tom e moderar a linguagem, alertando que não era na sua residência, chegando mesmo a mandá-lo calar. Uma das vizinhas, com quem temos uma excelente relação pediu-me que não os afrontasse para não piorar as coisas mas, mesmo assim não dei ouvidos. Até que o mesmo chefe disse-me "Senhor Osvaldo está bem, nos viemos aqui só para revistar e levar o que encontrarmos, segundo as orientações de Sua Excelência" . Sua Excelência que referiam-se é o Carrasco do GENERAL ZÉ MARIA, como ficamos a saber mais tarde.

Levaram livros com títulos que julgavam subversivos, computadores, todos telemóveis(quer seja meus como esposa), perguntaram pelas armas e queriam levar as fardas, mesmo estando na água pronto a ser limpa.

TO BE CONTINUED