Luanda - Vem se propagando a ideia de que o Imposto de Valor Acrescentado (IVA) é o imposto mais justo. Precisamos desconstruir esta assunção desde o ponto de vista da teoria fiscal. O IVA é um imposto indirecto, está portanto, entre os impostos proporcionais, ou seja, o imposto recai sobre a compra de um bem ou serviço, na base de uma percentagem, no caso angolano foi fixado em 14%. A taxa aplica-se na mesma proporção, quer a compra seja feita por uma pessoa pobre ou seja feita por uma pessoa rica. Uma das características marcantes do imposto indirecto, caso do IVA, é penalizar o pobre e o rico na mesma proporção. Dir-se-á que os produtos da cesta básica, mais consumidos pelas pessoas de baixo rendimento, estão isentos de IVA. Porém, produtos essenciais consumidos, quer pelos pobres, quer pelos ricos, como a água, a electricidade, os serviços de televisão, etc., são tributados na mesma proporção.

Fonte: Club-k.net


O IVA é muito popular em quase todas as jurisdições fiscais no mundo inteiro, pelo facto de ser um imposto muito efectivo desde o ponto de vista de colecta de receitas fiscais, permitindo ao Estado cumprir com a sua função de provedor do bem-estar colectivo. Porquanto, o IVA é retido na fonte pelo sujeito passivo (contribuinte) que vende o bem ou serviço. O facto de envolver dois sujeitos passivos é facilmente tracejável à fonte, permitindo o cruzamento de dados electrónicos entre sujeitos passivos do IVA. Reduz a fraude e o fenómeno da evasão fiscal, o que melhora a arrecadação de receitas, o que é de todo desejável que o Estado seja provido de recursos necessários para financiar acções que proporcionam o desenvolvimento económico e social, o bem último das políticas públicas. Mas, não se tenha ilusão, a realidade angolana é bem diferente das jurisdições fiscais em que o IVA é a maior fonte de receitas, dada a elevada taxa de informalidade e acentuados níveis de pobreza. Quantas pessoas podem comprar produtos como televisões, carros e outros bens industriais no actual contexto de empobrecimento? As vendas de algumas empresas de bebidas e refrigerantes caíram entre 40 a 50% no ano passado.

 

Um outro imposto de retenção na fonte é o imposto de Rendimento de pessoas singulares (IRT), que é progressivo, no sentido de que a tributação agrava-se na medida que o rendimento aumenta. Entretanto, tem pouco peso na estrutura das receitas públicas (3.48%, 3.58% e 3.01%, no OGE de 2016, 2017 e 2018, respectivamente. Devido fundamentalmente à dois factores: i) baixos salários dado que a força de trabalho é pouco qualificada e a isenção dos salários dos efectivos dos órgãos de defesa e segurança (militares e polícias não pagam IRT). O IRT é outro imposto efectivo desde o ponto de vista da colecta, pois tem uma porção de retenção na fonte para os trabalhadores por conta de outrem, é também tracejável à fonte.


O imposto de rendimento de pessoas colectivas, o Imposto Industrial, representou 7,34% em 2017, é inefectivo, a taxa é uniforme para todos os contribuintes, sejam eles micro empresas, ou grandes contribuintes, a taxa de imposto é de 30%, tornando-o menos efectivo. A excepção aplica-se aos casos de benefícios fiscais. Portanto, estamos longe de existir equidade fiscal ou justiça fiscal, quando até em termos de critérios, se pretende diferenciar, nesta primeira fase da implementação do IVA, pretende-se abranger apenas os grandes contribuintes, agravando-se a equidade fiscal desde o ponto de vista da uniformidade de critérios tributários.

 

Uma outra posição assumida publicamente pela autoridade fiscal é a de que a introdução do IVA não vai aumentar os preços. Honestamente, não é minimamente aceitável este argumento, vir de quem vem! A vantagem do IVA em relação ao imposto de consumo, é a eliminação do efeito cascata na cadeia do processo de transmissão de bens e serviços. O facto de o imposto de consumo não fazer o encontro de contas entre o imposto suportado e pago no acto da compra, repercute-se (transfere) na estrutura de custo, consequentemente no preço. O IVA permite o encontro de contas, por se tratar de um imposto do consumidor final. A transformação do imposto de consumo para o IVA incrementa o imposto de 5% para 14%, para os serviços e de 10% para 14% para a produção. Só aqui temos incremento de 9% para um caso e de 4% para o outro. Para além disso, segundo o Regulamento do Imposto do Valor Acrescentado, nesta fase inicial vão existir três grupos de sujeitos passivos do IVA: o regime geral, incluindo os contribuintes inscritos na Repartição dos Grandes Contribuintes e os contribuintes que voluntariamente optarem por aderir ao regime geral, contribuintes com facturação igual ou superior $250 mil dólares americanos; o regime transitório; e o regime de não sujeição. Os dois últimos (o regime transitório e o de não sujeição), vão pagar trimestralmente 7% do volume de vendas, que repercute-se na estrutura do custo. Por outras palavras vai afectar o preço, se no passado, passava para a estrutura de custo 6% (o Imposto de Selo 1% e 5% o Imposto de consumo ou 1% e 10%), passará para a estrutura de custos 7%. Portanto, quer no caso dos sujeitos passivos do regime geral, quer do regime transitório e de não sujeição haverá incremento, que vai passar para a estrutura de custos.

 

Entretanto, o que mais me preocupa é o facto de não ter havido qualquer referência à estudos científicos (inquéritos, artigos científicos do impacto da aplicação do IVA), que, em meu entender, se impunham, para aferirmos quer do conhecimento que os sujeitos passivos do IVA possuem sobre a reforma, as suas expectativas, até mesmo a apreciação independente da capacidade do sujeito activo, a Administração Tributaria operacionalizar a reforma. Temos de uma vez por toda de deixar de tomar decisões de forma intuitiva, em suster as decisões na base da perspectiva apenas dos actores da reforma, até pelo facto de não serem independentes.


Uma reforma deste alcance tem impacto real na vida das pessoas, não pode ser apropriada unicamente pela administração fiscal, antes deve envolver outros actores, particularmente a academia, que já deu mostras de possuir capacidade de o fazer. A redução da capacidade de consumir por parte dos cidadãos, no actual contexto vai agravar negativamente o ritmo de crescimento da economia em si já estagnada, consequentemente o custo de vida das famílias.

 

Os impostos têm também a função de redistribuição da riqueza, tirando aos ricos e passando indirectamente aos pobres, através das políticas da educação, da saúde, da providência e do papel que desempenham na dinamização da actividade económica, pelo efeito que a despesa pública desencadeia na economia. Portanto, não pode ser levada de forma leviana, deve ser resultado de ponderações fundamentadas, com dados fiáveis da realidade que se pretende influenciar. O imposto restringe a capacidade de consumo dos contribuintes, deve-se, por conseguinte, ser tratado com cuidado. O IVA não é o imposto mais justo como se pretende fazer crer, por tributar o pobre e o rico na mesma proporção, é sim, o mais efectivo do ponto de vista da colecta. *Economista e Professor Universitário