Luanda - Ferramentas jurídicas e estratégias políticas simples para o sucesso da grande cruzada contra a corrupção rumo à prosperidade económica de Angola.

Fonte: Club-k.net

Enquadramento: Movido por inquietações vindas de colegas, académicos e angolanos em geral, que se mostram cépticos a respeito do sucesso desta grande cruzada do Estado contra as más práticas na gestão da coisa pública, cabe-me nesta pequena odisseia intelectual partilhar alguns escritos sobre tão badalado assunto analisando-o numa perspectiva meramente académica e jurídica.


Diz o velho adágio que “aprender com os nossos erros é bom e edificador, apesar de sofrível, mas aprender com os erros de outrem é sabedoria”. Ao invés disso, neste exercício procuraremos fazer melhor, vamos aprender com o sucesso dos outros fazendo as devidas adaptações.

 

Conceito de Corrupção e suas Caracteristicas


A transparência Internacional (TI) - uma organização não-governamental internacional que persegue a sua luta por um mundo no qual governos, empresas, a sociedade civil e a vida das pessoas sejam livres de corrupção, entende que a corrupção consiste no abuso de poder em proveito próprio, que afecta a vida daqueles cuja subsistência ou bem estar depende da integridade das pessoas em posições de autoridade.


Para combatermos a corrupção precisamos de ter a certeza se sabemos de facto o que é a corrupção, de que fenómeno se trata e como podemos avaliar. Esta definição, segundo Luís Miranda (2017:237), constitui a primeira dificuldade no estudo do fenómeno da corrupção.

Lutar contra a corrupção é como lutar contra um vício, nunca se recupera totalmente dele. Por exemplo, um alcoólatra será sempre alcoólatra. O que se pode fazer é reduzir os efeitos da bebida. Mas o alcoolismo pode ser recorrente, diz Dan Hough, especialista em combate à corrupção da Universidade de Sussex, na Inglaterra (BBC-Folha).


A corrupção parece totalmente invencível, mas não é. Há casos de sucesso no seu combate. Eliminá-la completamente é impossível, nem os países escandinavos conseguiram fazer isso a 100%. Mas onde as instituições funcionam bem, pode-se promover um bom controle deste fenómeno.


A exemplo de paises onde foram detectados indícios de cleptocracia, tal como o brasil, onde, segundo dados, políticos e empresários se unem para rapar o dinheiro público, tal corrupção empresarial-política é forte onde as instituições jurídicas e sociais funcionam mal. Para se ter uma ideia, o Brasil precisou de 514 anos para levar avante uma operação como a Lava Jato. Foram necessários 512 anos para se chegar a um “mensalão”. Não devemos perder a paciência.


A corrupção tem as suas causas: falta de transparência nos contratos públicos, politização dos altos cargos públicos, financiamento ilegal de campanhas e outros.Um país se torna uma cleptocracia quando a corrupção político- empresarial sistémica instalada não tem o devido controle jurídico e social.

Hong Kong, Filipinas, Índia, Geórgia, Singapura e Botswana, para citar alguns, são exemplos de sucesso no combate à corrupção. O que é que eles fizeram?


Em 1970, Hong Kong tinha uma corrupção sistémica, controlada pelo crime organizado. O povo fez protestos. Em 1974, criou-se a Comissão Independente Contra a Corrupção, com uma equipa bem treinada, com excelentes salários. Esta equipa concentrou-se na repressão, educação e prevenção.


As escolas passaram a ensinar valores, não leis. Mais do que o peso das leis sobre os ombros dos agentes públicos, o fundamental é o peso da ética. Todos foram encorajados a denunciar a corrupção. As investigações passaram a ser mais céleres, com acesso rápido às contas bancárias e confisco de propriedades. Tudo baseado numa forte vontade política, independência da agência, com todos recursos disponiveis e um sistema de justiça eficaz e independente e sem lacunas legislativas, estes foram e são os pontos fortes do programa.


Singapura seguiu um programa parecido. Estes dois países aparecem nos primeiros lugares do ranking da Transparência Internacional, estando entre os 10 menos corruptos do mundo. Não podemos comparar Angola com nenhum desses países. A questão não é só comparar, é aplicar aqui com as devidas adaptações o que eles fazem de correcto.


Botswana, é um dos paises Africanos que melhor classificação obteve na análise do índice de percepção da corrupção feito pela Transparência Internacional, colocando-o na 34o posição. Botswana tem uma democracia multipartidária das mais longínquas do continente africano. É considerado um dos países mais estáveis de África e relativamente livre de corrupção. Por conta disso, possui uma estabilidade económica e financeira robusta e é considerado um dos países com a menor dívida externa no mundo.


Entende-se que cada país tem a sua realidade. As experiências podem servir de inspiração, mas cada um deve desenvolver seu programa de combate à corrupção. O mais sensato e comum é a corrupção ser combatida, principalmente, pelas instituições encarregues pela administração da justiça, as quais devem ser fortalecidas contando com o apoio da sociedade e das instituições políticas.


O Caso de Angola


No relatório sobre o Índice de Percepção da Corrupção, Angola encontra-se na 167o posição, dentre os 180 paises e territórios analisados pela Transparência Internacional. Esta posição classificativa coloca a Angola um grande desafio e um longo caminho a percorrer para vencer a grande empreitada da luta contra a corrupção.

A preocupção de Angola relativamente a corrupção não é de hoje. Fruto desta preocupação política, foi aprovada a Lei n.o3/96 de 5 de Abril, Lei da Alta Autoridade de Combate à Corrupção, tida como uma entidade independente com poderes de fiscalização da implementação de medidas de combate à corrupção.


Em 2010, foi aprovada a Lei no3/10, de 29 de Março – Lei da Probidade Pública, que estabelece as bases e o regime jurídico relativos à moralidade pública e ao respeito pelo património público, por parte do agente público.


Em 2018, foi aprovada a Lei no9/18, Lei do Repatriamento de Recursos Financeiros, que estabelece os termos e as condições de repatriamento dos recursos financeiros domiciliados no exterior do país.

Em finais do mesmo ano, foi aprovado um conjunto de instrumentos que visam prevenir e combater a corrupção tais como:


 A Cartilha de Ética e Conduta na Contratação Pública;

 Guia Prático de Prevenção e Gestão de Riscos de Corrupção e
Infracções Conexas nos Contratos Públicos;

 Guia de Denúncias de Indícios de Corrupção e Infracções Conexas nos
Contratos Públicos;

Diploma sobre o Índice de Percepção Anual de Corrupção na
Contratação Pública;

 Plano de Divulgação e Implementação da Estratégia Integrada de
Moralização da Contratação Pública (2018-2019).


Ademais, Angola incorporou na sua lesgilação interna o Protocolo Contra Corrupção da SADC, a Convenção para Prevenção e Combate à Corrupção da União Africana e a Convenção contra Corrupção das Nações Unidas.


Conclusões e Recomendações


Aqui trazidos, e como tivemos a oportunidade de apreciar, não estamos mal servidos em termos de legislação. Porém, tenho reservas quanto a efectiva aplicação destas ferramentos. Os sinais e medidas em curso atinentes ao combate a corrupção são bastantes encorajadores, sobretudo pelo impulso dado pela vontade política manifestada pelo Presidente da República neste esforço.


Todavia, enquanto operador do direito, entendo que tem havido pouco rigor na fase de investigação dos processos crimes relacionados com prática de actos de corrupção, este facto é visível pelo rumo que têm tomado os processos nas audiências de julgamento, bem como pelo desfecho dos processos findos.


Por uma questão urbanidade e ética profissional, não vamos nesta sede tecer considerações sobre estes processos, deixemos que os órgãos de justiça façam o seu trabalho. Assim sendo, permitam-me apenas deixar três recomendações, a primeira de natureza técnica-jurídica, a segunda de carácter político e estratégico e terceira de cariz social:


a) Da instrução processual. A instrução do processo (crime) tem por fim averiguar a existência de infracções e fazer a investigação dos seus agentes para se determinar a sua responsabilidade.


Ocorre que, atendendo ao direito à informação previsto na CRA, temos vindo a verificar a publicação de acusações feitas no âmbito de processos crimes pelos órgãos de comunicação social.


Este facto novo, acaba por acarretar maior responsabilidade a fase de investigação em instrução preparatória, o que pressupõe que este trabalho deva ser levado a sério; ou seja, há necessidade de se imprimir maior rigor, precisão e responsabilidade nesta fase processual, sob pena de os seus maus resultados colidirem com princípios e direitos fundamentais de primeira geração consagrados na nossa Constituição, tais como o direito ao bom-nome, reputação e imagem (no 1, art. 32.o CRA). Esta situação fará com que o nosso sistema de justiça seja seriamente desacreditado, acabando por afectar todo um trabalho árduo que vem sendo feito no âmbito do combate a corrupção.


b) Da estratégia política. Thomas Dye (1984) define política pública como o que o governo escolhe fazer ou não fazer em resposta à um problema.


Ora, a política pública enquanto estratégia, tem sempre que ver com a acção e actuação do Estado perante um determinado problema que requeira de uma intervenção urgente deste (Estado).


Dito desta maneira, e olhando para o exemplo de sucesso do caso de Hong Kong, constatamos que em função de um programa de combate a corrupção gizado pelo Governo, foi criada uma agência de combate a corrupção, integrada por uma equipa de quadros bem treinados, com bons salários, tendo como missão a repressão, educação e prevenção da corrupção. Foi conferida independência à esta agência e todos os recursos necessários para a realização do seu trabalho.


Transportando isto para a nossa realidade, chama-me atenção a necessidade de se fazer um maior investimento nos órgãos de administração da justiça, independência nas suas acções e decisões, boa remuneração aos seus quadros e técnicos, treinamento/refrescamento contínuo, boas condições de trabalho e todos os recursos necessários para a realização do seu trabalho.


c) Da responsabilidade social. O combate a corrupção não é responsabilidade exclusiva dos órgãos de justiça (Polícia, Tribunais, PGR) nem do Presidente da República, trata-se de uma responsabilidade de toda a sociedade, começando pelas famílias, as escolas, as igrejas, comunidades e outras instituições públicas e privadas.


Não vale contemplarmos os órgãos de justiça de braços cruzados, todos temos que participar neste esforço, dando cada um a sua contribuição no seu campo de acção. As famílias devem preparar os seus membros, passando lições de ética, valores morais e cívicos e bons costumes, ensinando as crianças e jovens a absterem-se desta prática desde a mais tenra idade.


As igrejas, escolas, universidades e empresas devem transmitir lições de ética e bons princípios aos seus membros. Nos ruas, nos mercados e na zunga, todos temos que apoiar esta luta. Pois, cada um de nós pode deixar a sua marca, mas juntos fazemos a diferença. Estaremos juntos no próximo artigo sobre políticas públicas para o combate a corrupção.


Simão Pedro, Me

Advogado
Gestor e Consultor Jurídico
Licenciado em Gestão Internacional de Empresas
Mestre em Gestão e Administração de Empresas Públicas e Privadas
Mestrando em Ciência Política e Administração Pública pela Faculdade de Ciências Soiciais da Universidade Agostinho Neto.
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