Luanda - O sentido que é dado ao conceito Patrocínio Judiciário no ordenamento jurídico angolano revela a fugaz estratégia governamental em manter a maioria das pessoas na ignorância e privilegiar uma classe, fazendo da gratuidade do acesso à justiça um direito meramente formal.

Fonte: Club-k.net

Verdade cristalizada com a constatação da falta de programa de informação, quer pública como privada, com a prática assumida como resultante de imposição legal de que só os Advogados Estagiários, sem qualquer experiência para litigar com Advogados, podem ser nomeados para patrocínio judiciário, no valor cabimentado ao programa de assistência judiciária no Orçamento Geral do Estado que no geral não atende os honorários dos Advogados e Advogados Estagiários e os custos decorrentes da sua intervenção.


O conteúdo do direito ao patrocínio judiciário (artigo 29.o da Constituição da República de Angola -CRA) abrange a informação jurídica, apoio judiciário e o direito a escolher um Advogado. Direitos que são concretizados por meios dos órgãos públicos e pela Ordem dos Advogados, entidade responsável pelo exercício da actividade forense.


Esse direito fundamental é regulamentado no Decreto-Lei n.o 15/95, de 10 de Novembro – Patrocínio Judiciário.


O patrocínio judiciário é um instrumento fundamental para concretização dos Estados Democráticos e de direito. Assim, a falta de informação sobre os direitos que os cidadãos têm de aceder à justiça independentemente da sua condição económica, bem como a forma de obter o patrocínio condiciona o seu exercício e inibe o cidadão a recorrer ao programa de assistência judiciária e a privilegiar a justiça por mãos próprias.


Prevalece a errónea e fundamentada percepção de que só os cidadãos desempregados podem fazer recurso ao patrocínio judiciário, que só os Advogados Estagiários podem atender aos pedidos de patrocínio, que as empresas não são contempladas ao patrocínio.


Essa interpretação dada ao Decreto-lei n.o 15/95, de 10 de Novembro afigura-se pretensiosa e atentatória aos direitos e liberdades fundamentais consagrados na CRA, dado que condiciona, limita e valida o tratamento das pessoas consoante a sua condição económica e instrução.

 

O que o legislador pretendeu foi conferir aos cidadãos com um rendimento médio, que não lhe permitesse pagar os serviços de um bom Advogado para o representar e defender e o pagamento de custas e preparos nos tribunais, ter acesso a um Advogado e aos tribunais, conforme se retira da al., c), do n.o 1 do art.9.o do acima mencionado Decreto-lei “...goza de presunção de insuficiência económica...quem tiver rendimentos mensais, proveniente de trabalho, igual ou inferior a três vezes o salário mínimo nacional”.


E as empresas, com maior realce as famigeradas médias, pequenas e micros empresas (Lei n.o 30/11, de 13 de Setembro- Lei das Micros, Pequenas e Médias Empresas), cuja dimensão e volume de negócio justifique, com fundamento no art. 27.o “A assistência judiciária caduca pela...dissolução da pessoa colectiva a quem foi concedida...”.


Hoje com as políticas de incentivo a formalização dos negócios de bancada na porta de casa, a venda ambulante, os programas de criação de pequenos negócios é importante, senão premente, a regulamentação de um regime de patrocínio às empresas.


A olhar pela condição de vida social dos angolanos, a taxa de inflação, a gritante especulação dos preços, a falta de serviços sociais básicos no sector da saúde, educação, assistência social e o nível de desemprego, pode-se inferir que a maior parte da população angolana está em condições de beneficiar de patrocínio judiciário.


Quando o cidadão faz recurso ao patrocínio judiciário tem a expectativa, como é óbvio, de obter um Advogado competente e experiente, capaz de responder profissionalmente as questões advientes da demanda, que possa pleitear em termos iguais com os outros profissionais da profissão.


No ordenamento jurídico português (artigo 40.o da Lei n.o 34/2004, de 29 de Julho) a nomeação do Advogado é precedida da entrega da lista de Advogados ao cidadão para efeito de escolha.


Nos termos do n.o 1 do art. 32.o do Decreto-Lei n.o 15/95, de 10 de Novembro, “A autoridade judiciária a quem incumbir a nomeação solicita ao órgão da Ordem dos Advogados territorialmente competente a indicação de Advogado ou Advogado Estagiário...”;

Como se pode verificar, o legislador foi suficientemente abrangente e previsível ao contemplar tal dever aos Advogados, pois existirá casos que o Advogado Estagiário não terá arcabouço para tal empreitada.


Peca a Ordem dos Advogados pensar que tal tarefa é exclusiva para Advogados Estagiários, como tem sido apanágio das nomeações ao patrocínio judiciário. Quanto a possibilidade de ser o cidadão a indicar o Advogado que gostava ter representado, a única referência legal existente alude a faculdade da autoridade judiciária o fazer, parte final do art. 32.o “A autoridade judiciária a quem incumbir a nomeação solicita ao órgão da Ordem dos Advogados...podendo se assim o entender, restringir a sua solicitação à indicação de um Advogado”.


O que quase nunca ocorre, pois o Juiz dificilmente se mostra preocupado com estas questões de interesse particular, razão pela qual dificilmente se verifica um caso desta natureza, quando muito, mostra algum temor no julgamento sem igualdade formal de meios de defesa, fazendo surgir o funcionário do cartório judicial, sem qualquer preparação, como defensor oficioso.


Portanto, para concretização desse direito na esfera das pessoas com baixo rendimento económico e falta de instrução é urgente a prática dos seguintes actos

a) A implementação de um programa de educação jurídica e informação sobre o direito ao patrocínio judiciário;


b) A alteração do diploma legal para o alargamento do patrocínio aos Advogados e a definição de um quadro legal para os casos de patrocício às empresas;

c) A possibilidade dos cidadãos escolherem quem pretendem ter como Advogado;

d) Aumento considerável da verba cabimentada ao sistema de assistência judiciária;


e) Maior transparência na gestão da verba cabimentada para o programa de assistência e patrocínio judiciário, de modo que os nomeados sejam efectivamente remunerados pelos serviços e os custos administrativos.


De moldes que se possa ver efectivamente assegurado o exercício de um direito constitucional e a concretização de um Estado Democrático e de Direito.