Luanda - Em finais de Junho do corrente ano, fui convidado para participar num debate sobre a modernização da administração pública angolana e o acesso aos serviços públicos pelos cidadãos. Porém, dado o limitado tempo de antena proporcianado para a análise de tão suculenta e rica temática, logrei aproveitar este ensejo para, com mais pormenores, partilhar a minha visão sobre a importância de modernizarmos a nossa administração pública para melhor servir o cidadão.

Fonte: Club-k.net

A Administração Pública Angolana


A administração pública tem como principal objectivo trabalhar a favor do interesse público velando pelos direitos e interesses dos cidadãos administrados, consistindo num conjunto de serviços e órgãos devidamente estruturados para satisfazerem as necessidades colectivas de uma dada sociedade.


Por esta razão, a administração pública é o principal instrumento de acção do Estado. É através dela que o Estado age e se relaciona com os cidadãos. Não teríamos como pensar na coexistência relacional de um governo e os seus cidadãos sem a intervenção da administração pública.


Para Melo (1999:111), a administração pública pode ser resumida como actividades preponderantemente executórias, definidas por lei como funções do Estado, gerindo recursos para a realização de objectivos voltados para a satisfação de interesses especificamente definidos como públicos.

Estrutura e Composição da Administração Pública Angolana


Organicamente, a administração pública angolana pode ser repartida em três categorias de entidades (art. 201o e 213o CRA), designadamente:

Administração Directa


Administração Central – com competência extensiva a todo território nacional (Presidente da República, Vice-Presidente da República, Ministérios e Secretarias do Estado).

Administração Local – com competência limitada a certas áreas ou circunscrições (Governos Provinciais, Administrações Municipais e Administrações Comunais).

Administração Indirecta do Estado

Nesta categoria integram entes personificados que realizam fins do Estado. São entidades públicas distintas da pessoa colectiva “Estado”, dotadas de personalidade jurídica e autonomia administrativa e financeira ( Institutos Públicos e Empresas Públicas).

Administração Autónoma


Nesta categoria integram entidades que prosseguem fins próprios (Associações Públicas,

Autarquias Locais e Autoridades Tradicionais).


Quanto ao seu funcionamento e interacção com o particular, a administração pública angolana rege-se pelos seguintes princípios:


 Princípio da Prossecução do Interesse Público  Princípio da Legalidade;
 Princípio da Igualdade;
 Princípio da Justiça e da Imparcialidade;
 Princípio da Proporcionalidade;
 Princípio da Informação e da Qualidade;  Princípio da Lealdade;
 Princípio da Integridade;

 Princípio da Competência e Responsabilidade;

 Princípio do Respeito pelo Património Público;

 Princípio da Probidade;

A administração Pública, conforme a estruturação acima apresentada, é composta por órgãos que funcionam de forma interligada. Os órgãos que a compõem tomam as decisões e os órgãos executores e serviços têm a seu cargo a preparação e execução das decisões.

Modernizar a Administração Pública. Porquê?

Na década de 80, os paises da América Latina aperceberam-se de que para alcançarem a prosperidade económica reformando as suas economias e servir melhor os seus cidadãos, sobretudo os mais pobres, era necessário modernizar e reformar urgentemente as suas administrações públicas, para garantir um desenvolvimento económico sustentável. Perceberam também que as suas administrações públicas eram disfuncionais, super-dimesionadas, ineficientes, ineficazes e incapazes de prestar um serviço público com qualidade aos que dele mais necessitavam.


Com esta preocupação, iniciaram então um processo de dignóstico no sentido de identificarem o melhor modelo e ferramentas que os permitissem modernizar este importante aparato público.


Esta realidade não se distancia muito da nossa, a julgar pelas recorrentes reclamações apresentadas pelos utentes dos serviços prestados pela nossa administração pública sobre os quais não me debruçarei aqui por serem do domínio de todos.

A modernização da administração pública, tanto quanto a sua reforma, constituem condição sine qua non para que Angola ultrapasse o subdesenvolvimento e comece a trilhar o caminho do desenvolvimento económico e social sustentável que tanto ansiamos.


Em Angola o processo de modernização tem vindo a ser ensaiado desde a década de 90. Em 1996, lançou-se o Programa de Reforma Institucional e Modernização Administrativa (PRIMA), com o apoio do PNUD. Em 1999, lançamos o Programa de Reforma Administrativa (PREA), cujo objectivo era a desburocratização, descentralização e modernização da administração pública. Em 2002, foi instituido o Programa de Reforço Institucional da Administração (REFORPA), financiado pelo Governo Italiano, o qual visava reforçar a capacidade institucional do Instituto Nacional da Administração Pública (INA), bem como da administração pública angolana em geral, dotando-a de capacidade para responder mais eficiente e eficazmente aos novos desafios colocados pelo processo de modernização em curso nos últimos anos.


A modernização da administração pública angolana é, sem dúvidas, um dos maiores desafios de longo prazo para melhorar a capacidade do Estado visando promover a cidadania, o desenvolvimento económico, a democracia, a trasparência, o combate à corrupção, a boa governação e a justiça social, o que permitirá um adequado acesso dos cidadãos aos serviços públicos prestados pelo Estado.

Passos para a Modernização da Administração Pública


Nos dias que correm, a mudança constitui a única e maior constante nas nossas vidas pessoais, familiares, profissionais, comunitárias e organizacionais. Weik e Quinn (1999), vão mais longe e argumentam que a mudança nunca começa porque ela nunca pára. Trata-se de um processo constante e o melhor seria mesmo designá-la “mudando” para melhor descrevê-la como um processo contínuo.


Para o caso de Angola, dado o actual contexto de mudanças sócio-economicas e políticas, o advento da paz definitiva em 2002, a aprovação da Constituição em 2010, a normalização do processo democrático com a realização de eleições regulares (legislativas e presidenciais) desde 2008 e o normal funcionamento das instituições do Estado, são factos que estimulam o processo de mudança. Aproveitando este balanço é de se recomendar o seguinte:


 É primordial que o Estado procure ajustar correctamente o limite da sua intervenção na economia, pois os actuais níveis de intervenção (económica e política) neste sector tem sido um grande obstáculo ao desenvolvimento do sector empresarial privado. A realização da FILDA é um exemplo;

 O Estado precisa de identificar urgentemente, a nível dos diversos serviços da administração pública, quais os que pode prestar com eficiência e qualidade limitando-se aos mesmos, deslocando os demais serviços a entidades competentes do sector privado devidamente selecionadas;


 Com o apoio das TICs, desburocratizar urgentemente os processos e actos administrativos e exercer maior fiscalização sobre estes;


 Aplicar novas abordagens de gestão na administração pública, tais como o gerencialismo ou nova gerência pública, que consiste na gestão baseada no desempenho e no resultado;


Acabar com os “Chefes” e dar primizia aos quadros com boas competências de liderança, íntegros, honestos, disciplinados e comprometidos com a missão de servir os interesses dos cidadãos;


 Criar mecanismos mais eficazes de controlo e fiscalização sobre os actos administrativos e o desempenho dos funcionários públicos visando a mudança de atitude e comportamento nos serviços públicos.

Simão Pedro, Me
Jurista, Gestor e Consultor Jurídico
Mestre em Gestão de Empresas Públicas e Privadas
Mestrando em Ciência Política e Administração Pública pela Universidade Agostinho Neto. (simãEste endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar.)