Luanda - Os dois cidadãos de nacionalidade turca e georgiana condenados pelo Tribunal Provincial de Luanda (TPL), por envolvimento num acto de terrorismo que visava matar os passageiros da Companhia Aérea Daalo Airline, em Mogadíscio, na Somália, foram absolvidos pelos juízes da Câmara Criminal do Tribunal Supremo.

*Paulo Sérgio
Fonte: OPAIS

Ibrahim Gokhan Karadol e Eljan Tushdiev, de 36 e 29 anos, respectivamente, antigos funcionários do Colégio Esperança Internacional, mais conhecido por “Colégio Turco de Luanda”, haviam sido condenados a penas de 15 anos e 13 anos de prisão maior. Tudo porque os juízes da 14ª Secção de Crimes Comuns do TPL haviam concluído que ambos estiveram envolvidos na explosão, ocorrida no dia 2 de Fevereiro de 2016, na parte da fuselagem da referida aeronave, tendo resultado apenas na morte de Abdisalam Abdullah Borleh “Kamikaze”, o portador da bomba. Caso a mesma ocorresse no momento em que a aeronave já tivesse a fazer o percurso Magadíscio (Somália)-Istambul (Turquia)-Bombaim (Índia), poderia ceifar a vida dos 74 passageiros que estavam a bordo.


Os juízes Joel Leonardo, José Martinho Nunes e Daniel Modesto absolveram-nos ao abrigo do princípio segundo o qual, na dúvida o benefício deve ser do réu (in dúbio pro reo), de acordo com o acórdão do processo n.º 415/17, datado de 7 de Novembro de 2018, a que OPAÍS teve acesso. Declararam que não ficou provado que os actos praticados por ambos em Angola, com vista a ajudar o terrorista Borleh, serviram realmente de meios ou veículos para o atentado contra a aeronave da Companhia Aérea realizado por ele.


Entre os actos a que os juízes fizeram referência, constam a compra do bilhete de passagem de Borleh, feita a partir de Luanda por Eljan, sob as ordens de Ibrahim. “Subsistem dúvidas de que a actividade concreta dos réus, tenha sido apta e idónea para produzir o resultado ocorrido, ficando assim interrompido qualquer nexo causal objectivo entre os actos dos réus e a explosão”, lê-se no documento.


Os juízes justificaram que a verdade material perseguida pelo direito penal, não se compadecendo com presunções, impõe que se assinalasse inequivocamente nos autos a prova do momento, de forma e do modo como realmente os réus se envolveram na queda da aeronave, o que não foi feito.


Como se estivessem a dar uma lição de direito aos juízes da 14ª Secção da Sala Criminal do Tribunal Provincial de Luanda, ressaltam ser necessário que a “decisão esteja orientada por um cristalino juízo de certeza, de acordo com as circunstâncias concretas, mobilizando razões factuais, normativas e o direito”. Acrescentando de seguida que “na dúvida, deve haver firmeza em se libertar criminosos do que privar o direito de liberdade a inocentes”.


A contestação dos advogados

Os juízes do Tribunal Supremo reanalisaram a decisão em respostas a dois recursos interpostos tanto pelo Ministério Público, por imperativo legal, como pelos defensores dos dois arguidos, por não se conformarem com a decisão. A defesa alega que os seus constituintes foram detidos injustamente pelo Serviço de Investigação Criminal (SIC), porquanto apenas eram simples intermediários no processo de compras e venda do bilhete de passagens entre a agência Euroaustral e os passageiros, recebendo 5% por venda de cada bilhete.


Afirmaram que o bilhete de passagem usado pelo kamikaze, que se fez explodir junto do avião em Mogadíscio, foi emitido por Hélder Nuno Arsénio Raimundo, funcionário da Euroaustral, convencido de que era um bilhete normal. A reserva do referido bilhete de passagem foi feita a partir da Turquia para o passageiro embarcar na Somália e foi vendido em Luanda, via online, através do sistema Amadeus.


 Nestes casos, não era necessário os dados dos passageiros nem mesmo fotocópias dos seus passaportes, bastava somente o código de reserva. Os advogados garantiram que os seus constituintes não têm quaisquer relações e nunca tinham ouvido falar do cidadão kamikaze.

 

MP diz ter faltado empenho e cooperação dos Estados envolvidos


O Ministério Público (MP) declarou no recurso que, tendo em conta a complexidade dos crimes de “terrorismo”, faltou maior empenho e cooperação dos Estados directamente envolvidos nos factos, para o esclarecimento, especialmente da Interpol e das autoridades judiciárias da Turquia. “Poderse-ia obter informação relevante para preencher os elementos fundamentais dos delitos que se imputam aos réus, em particular o crime de organização terrorista”, lê-se no documento a que OPAÍS teve acesso.


Em consequência, reconheceu, ficou difícil condensar os elementos essenciais do tipo de terrorismo nos precisos termos da lei em vigor em Angola, tendo em conta que não foram ouvidos os funcionários responsáveis pela emissão dos bilhetes na agência sedeada na Turquia. O outro factor que contribuiu para a incerteza deve-se à não clarificação do destino dado as receitas de intermediação na venda de bilhetes de passagem, por parte dos réus.


“Leva-nos a concluir que a condenação dos réus se baseou em presunções que nem sempre sustentam o nexo de causalidade entre a sua acção e o resultado proibido”, argumentou o Ministério Público. Para esse órgão que representa o garante da legalidade, o Tribunal de Luanda fez um gigantesco esforço para trazer aos autos prova material suficiente para imputar os crimes referidos aos réus. Apesar disso, muitas perguntas ficaram sem resposta, o que prejudica a segurança e certeza jurídica na imputação dos factos aos réus. Esse órgão foi o mesmo que os havia acusado pelos crimes de organização terrorista, terrorismo, terrorismo internacional e financiamento ao terrorismo.

Um dia negro para a Somália


O dia 2 de Fevereiro de 2016 poderia se transformar num dos dias mais tristes da história da Somália, se Kamikase não cometesse um erro ao accionar a bomba, tendo o seu corpo sido projectado há cerca de 40 metros do local da explosão, gerando pânico entre os passageiros. O relógio assinalava 12h15m quando a aeronave da companhia Daalo Airline, que fazia a ligação entre Mogadíscio- Istambul-Bombaim, fez uma aterragem de emergência, 15 minutos depois de ter descolado do aeroporto da capital da Somália.


Momentos antes, o kamikase fez-se passar por pessoa portadora de deficiência que anda em cadeira de rodas. Como se de um passageiro normal se tratasse, entrou no referido aeroporto e na aeronave, quando afinal transportava barras de explosivos escondidas no seu computador portátil.


Para tal, contou com o auxílio do chefe de Segurança do Aeroporto de Mogadíscio. Através de um árduo trabalho de investigação, com o auxílio da Interpol, descobriu- se a origem do bilhete de passagem utilizado pelo kamikaze. Em consequência, o Serviço de Investigação Criminal (SIC) deteve Eljan e Ibrahlm, a 11 de Fevereiro de 2016, quando ambos se encontravam no país com vistos de trabalho atribuídos pelo Serviço de Migração e Estrangeiros, a pedido do colégio Esperança Internacional.