Luanda - O projeto de construção de um megacentro político administrativo herdado da anterior governação está a transformar-se no maior teste à popularidade de João Lourenço desde que, há quase dois anos, ascendeu ao poder.

*Gustavo Costa
Fonte: Expresso

O anúncio da promoção deste empreendimento — que compreende, entre outros equipamentos, 28 edifícios ministeriais, 37 casas protocolares, um centro de convenções, um hotel, o Palácio da Cultura e a Expo Luanda — esbarrou na oposição de vários quadrantes da sociedade civil.


No espaço de uma semana, na sequência disso, o ministro da Construção e Obras Públicas viu-se obrigado a vir a terreiro prestar esclarecimentos complementares. Para justificar o empreendimento, Manuel Tavares de Almeida, garantiu a sua implementação sem recurso a fundos públicos mas em momento algum se referiu quer aos custos do arrendamento dos imóveis privados onde funcionam os Ministérios ou ao valor da obra.


Este esforço não foi suficiente para fazer reduzir o tom das críticas da população aos termos do projeto e ao momento escolhido para a execução da obra, que já é visto, em certos meios, como um resort ao estilo do Mónaco. Fernando Pacheco, Presidente do OPSA — Observatório Político e Social de Angola — disse ao Expresso que teria sido “mais sensato ter sido feita uma consulta prévia” dado que “podendo ser boa a ideia, ao ser mal comunicada no atual contexto do país, gera desconfiança”.

Para aquele membro do Conselho da República, ao reconhecer que “continua a haver projetos e programas mal concebidos e executados,” há que “desconfiar de um projeto grande quando não conseguimos gerir bem projetos mais pequenos e mais prioritários e os argumentos não são convincentes”. As inquietações que a construção deste bairro está a gerar levaram um grupo de engenheiros civis, urbanistas e arquitetos a considerar, em carta endereçada ao Presidente, que esta decisão “encapsula a antitese do discurso centrado na boa governação, transparência, descentralização do poder e diminuição das assimetrias”.

 

Também Lopo do Nascimento, dirigente histórico do MPLA, escreveu a João Lourenço persuadindo-o “a abandonar” o projeto para dar vazão a outras prioridades de ordem económica e social. O sentimento de indignação é tanto maior por ocorrer num momento em que, como escreveu Amável Fernandes, diretor da revista “África XXI”, a economia angolana “se assemelha a uma grande embarcação imóvel no horizonte das dunas de onde espreitam os salteadores de náufragos”.


Lourenço anula contratos milionários Mas esta tempestade temporária não abalou as convicções do Presidente na sua cruzada pela moralização da sociedade.


Sem contemplações, mandou cancelar o contrato de limpeza do Palácio Presidencial que havia sido celebrado no passado com uma empresa a que estaria ligado o antigo vice-presidente, Manuel Vicente, o ex- presidente da Sonangol, Francisco Lemos, e o ex-diretor de engenharia da petrolífera angolana, Orlando Veloso. Ao abrigo deste contrato, a ROC-Riverstone Oaks Corporation — através da SG Services Lda, recebeu em dois anos 70 milhões de dólares. Tanto Manuel Vicente quanto Francisco Lemos, contactados pelo Expresso, referem-se “ao contexto” e “complexidades institucionais da época” para justificar a operação.

 

Na mesma linha, João Lourenço pôs também fim à concessão dos Terminais do Porto Comercial do Lobito e do Terminal de segunda linha do porto de Luanda. Os primeiros haviam sido outorgados à Soportos — Transporte e Descarga, SA — entidade cuja titularidade é atribuída a José Mário Cordeiro. O segundo foi outorgado à Casa Militar e estava a ser gerido por uma entidade privada adstrita ao general Hélder Vieira Dias, “Kopelipa”.

 

O ex-embaixador de Angola na Alemanha, general Alberto Neto, aliado de João Lourenço na denúncia de alguns desmandos do anterior presidente José Eduardo dos Santos, viu a mão pesada da Justiça acusá-lo de desvio de fundos da embaixada. Obrigado a devolver cerca de 230 mil dólares, o diplomata que deveria ter sido transferido para Moçambique está agora impedido de exercer qualquer cargo público. “Perdeu a confiança do Presidente”, disse ao Expresso fonte do Palácio.