Luanda - Maria da Conceição Gonçalves, ou São Gonçalves, como é conhecida, nasceu em 1951, filha de pais portugueses que vieram para o Colonato da Cela (Waku Kungo).

*Rui Ramos
Fonte: JA

O pai, Manuel Gonçalves, agricultor e sapateiro, era especialista em botas mexicanas e caneleiras, que se usavam muito naquele tempo.


Iam pessoas de toda a Angola tirar as medidas para depois irem buscar ou o pai enviar. A mãe, doméstica e costureira, fazia no seu tear lençóis, toalhas de linho, colchas e tapetes.


A felicidade durou pouco. Com apenas sete anos, uma faísca caiu em cima da casa, matando a mãe e o irmão ao mesmo tempo.


“As camas eram de ferro e, de repente, a cama acendeu, um clarão enorme formou-se por cima da minha cabeça, saí a correr, fui apanhada e levada para casa pelos vizinhos.”


A mãe lavava a loiça fora de casa e tinha as mãos na água, apanhou um choque e caiu sobre um barril com água, não havia água canalizada, e as pedras da chaminé caíram por cima dela e agora estava morta. O irmão ficou totalmente preto e queimado.


A partir daí começou a má sina de São Gonçalves, “andar de mão em mão”. Encaminhada para a casa de parentes em Luanda, estudou na Missão de S. Paulo. “Eu era uma criança terrível e era difícil alguém ter paciência para me aturar, por isso fui de novo recambiada para a Cela.”


Em 1961, foi posta aos cuidados de uma professora, que lhe infligiu contínuos maus tratos.

“Batia-me muito na escola e em casa. Eu fazia todo o trabalho de casa, como se fosse criada e até tratava dos animais, cortava lenha com o machado e não comia com eles à mesa.”


Depois de muito batida pela professora, São Gonçalves voltou para casa do pai. “A minha alcunha era “Maria Rapaz”, tudo o que era de rapaz eu lá estava, desde ir aos pássaros com fisga, fazer armadilhas para caçar, andar de bicicleta e de motorizada, trepar às árvores.” Mas aprendeu também a fazer crochet, bordar à mão e à máquina e costura.


São Gonçalves estudou até ao 2.º ano porque na altura não havia mais. Foi inscrita no Colégio de São José de Cluny, mas nunca chegou a ir, faltou o dinheiro para as propinas.


“Os patrões do meu irmão, que entretanto tinha resolvido ir trabalhar para Luanda, passaram pela Cela e levaram-me, puseram-me a dormir com a criada e a fazer os mesmos serviços que ela e nada de me matricularem na escola.” />Nunca teve uma peça de roupa nova, a senhora dava-lhe o que já não queria, ou não servia. Um ano depois o pai foi a Luanda e depara-se com a situação e lá vai São Gonçalves de novo para a Cela.


“Já havia outras escolas mas não me puseram a estudar, talvez por falta de dinheiro, pois o meu pai sozinho não conseguia pagar um colégio”, diz-nos São Gonçalves. Algum tempo depois o irmão chama-os para irem viver em Luanda e foram, alugando tempos depois uma casa no Bairro Popular.


Foi aí que conheceu o marido, tendo casado com apenas 16 anos, e um ano depois nasceu a filha, Carla Cristina Gonçalves Ornelas de Castro, que criou sozinha, pois o casamento durou apenas um ano e meio. “Filha que é o meu maior orgulho e que todo mundo conhece como Carla Castro, locutora da RNA.”


São Gonçalves decide então fazer o que sempre quis, praticar atletismo. “Comecei no Sporting de Luanda e depois fui para o Ferroviário, onde fui recordista de 800 e 1.500 metros de 1973 a 1981.” No Karatê Dô, chegou a cinturão vermelho.


“Trabalhava no Banco Totta Standard de Angola e tirei o curso de Educação Física. Concluído o curso, abandonei o Banco e fui dar aulas na escola 1º de Maio e depois na Njinga Mbandi, fiz cursos de treinadora de atletismo e fiquei como assessora dos técnicos estrangeiros que estavam nessa altura em Angola.”


São Gonçalves abandonou o Desporto e a Educação Física, porque, estando indicada para tirar o curso superior de Treinadora de Atletismo em Leipzig, na Alemanha, por ter sido sempre a melhor classificada em todos os cursos, no seu lugar mandaram outra pessoa.


São Gonçalves é recrutada pela Sonangol e foi trabalhar na Aeronáutica da empresa, como chefe de Reservas e Tráfego e mais tarde de Departamento das Operações Técnicas, onde permaneceu até à reforma, em 2011.


São Gonçalves fez o curso de Operações de Voo, em 1991, na TAP, e a qualificação dos aviões FK-27, FK-50, Beechctaft 200, Boeing 727 e 737 e Airbus 319-320.


“Decidi regressar à Cela e continuar o trabalho do meu pai, a agricultura, suinicultura e avicultura, faço também artesanato e sou secretária executiva da ASNAC-Associação dos Naturais e Amigos da Cela.”