Luanda - O Banco Nacional de Angola não é um Banco Central Independente . Nunca foi, não é actualmente e, esperemos que seja nos próximos tempos.

Fonte: Club-k.net

Esta abordagem não é nova entre nós, mas nunca houve interesse ou vontade política para alterar a natureza jurídica do Banco Nacional de Angola. Mas antes de mais desenvolvimentos, vale a pena questionar: porque dizemos que o BNA não é um Banco Central Independente ?

 

É ainda oportuno, acrescentar outra inquietação : precisamos em Angola de um Banco Central Independente ?

 

Para responder a estas questões, devemos fazer o enquadramento do sentido e alcance do conceito de Banco Central, a sua evolução histórica e a importância para a economia de uma nação. Só depois faremos um contra ponto com a natureza jurídica actual do BNA.

 

Entende -se por Banco Central a entidade independente ou ligada ao Estado cuja função é gerir a polícia económica, ou seja, garantir a estabilidade e o poder de compra da moeda de cada país e do sistema financeiro como um todo. Além disso, tem como objectivo definir as políticas monetárias ( taxas de juros, câmbios, entre outras) e aquelas que regulamentam o sistema financeiro local. O Banco faz isso interferindo mais ou menos no mercado financeiro, vendendo papéis do tesouro, regulando juros e avaliando os riscos económicos para o país.

 

O primeiro banco central que se tem memória é o Banco da Inglaterra. Ele surgiu em 1694, como uma sociedade anónima privada. Como contrapartida de empréstimos para financiar a guerra contra a França, o Rei Wiliam de Orange concedeu ao banco o monopólio de emissão de moeda na região de Londres, dando-lhe assim duas das funções clássica de um banco central: Era o banqueiro do governo e também detinha o monopólio da emissão ( apesar de restrito).


Devido ao prestígio e confiabilidade alcançados pelo Banco da Inglaterra, os outros bancos começaram a prática de ali colocar depósitos e garantias. Nos séculos XVIII e XIX houve uma ploriferação de pequenos bancos rurais na Inglaterra, que para evitar quebras e crise de confiança, mantinham depósitos de garantias nos grandes bancos de Londres, que por sua vez mantinham os seus depósitos no Banco de Inglaterra. Com isso ele se destacou com o eixo do sistema bancário inglês. Por volta dos meados do século XIX, o Banco de Inglaterra começou a fazer liquidação de saldos entre os depósitos que os outros bancos mantinham junto à ele, criando as bases do sistema de compensação bancária e assumindo enfim o terceiro papel tradicional de um banco central: o de Banco dos Bancos.


Seguiu-se que ele era o único banco habilitado a servir como prestamista de última instância quando surgiram crises no sistema financeiro, evitando assim a reação em cadeia provocado pela falência bancária e as crises de confiança. Assim, assumida também mais estes dos papéis tradicionais dos bancos centrais.


Em 1946, a sua importância para o sistema financeiro da Inglaterra foi finalmente reconhecido e o banco foi estatizado, assumindo oficialmente o Status de Banco Central .


Nos moldes do Banco da Inglaterra, os outros bancos centrais da Europa também passaram por diversas fases de até chegarem ao nível de evolução actual, com o Banco Central Europeu.

 

Aqui trazidos, vale a pena, então, dissecar sobre as funções essenciais ou clássicas de um banco central. Para a doutrina dominante, os papéis tradicionais de um banco central são:

i ) Banqueiro do governo: é ele quem guarda as reservas internacionais em ouro ou líquidas ( moedas estrangeiras do governo);

 

ii) Autoridade emissora da moeda, ou monopólio de emissão: é o banco central quem, com exclusividade, emite ou autoriza a emissão do papel moeda de cada país;

 

iii) Executor das políticas monetárias e cambial: é o banco central quem insere ou retira moeda do mercado, regula a taxa de juros e regula a quantidade de moeda estrangeira em circulação no país. Estas operações são conhecidas como open market ou operações de mercado aberto, e consistem principalmente na compra de títulos públicos ou de moeda estrangeira para instituições financeiras previamente selecionadas;

 

Iv) Banco dos Bancos, ou prestamista de última instância: o banco central prevê empréstimos exclusivo aos integrantes do sistema financeiro a fim de regular a liquidez ou mesmo de evitar falência que poderiam causar uma reação em cadeia de falências bancárias. Ele também mantém o depósito compulsórios nos bancos comerciais, regulando assim a multiplicação da moeda escritural no mercado.

Além destes papéis clássicos, há bancos centrais que desempenham o papel de supervisor do sistema sistema financeiro, é o caso do Banco Nacional de Angola.

Posto isto, vamos procurar responder a questão colocada no início: o Banco Nacional de Angola é um Banco Independente?

Precisamos em Angola de um banco central Independente?

Na doutrina e no Direito Comparado, encontramos duas correntes de opinião sobre a posição dos bancos centrais face ao Governo: a corrente da independência e a corrente da dependência.


A corrente da independência é aquela que defende a independência ou autonomia do banco central face ao Governo para que as suas acções garantam a estabilidade da moeda, sobretudo a manutenção do poder de compra. Foi Robert Barro, quem em 1983 defendeu esta tese apoiada num trabalho de 1976 “ Rational expectations and the role of monetary policy” onde ele questiona a validade da “curva de Phillps”. Esta tese ganhou rapidamente muitos entusiastas em todo mundo, tendo o maior modelo de independência entre bancos centrais, o Banco Central Europeu. Sem desprimor pelo contributo teórico de Robert Barro, a independência dos bancos centrais já vem de trás, com realce para o Banco Central da Alemanha ( Bandesbank) e a famosa Reserva Federal Americana ( Informalidade designada por “ Fed”).

 

Por seu turno, a corrente da dependência é defendida na Ásia, sobretudo em países como a China e o Japão. O Banco do Japão, durante o famoso período do milagre económico nipónico, esteve sempre na dependência do governo japonês. Somente a 1 de Abril de 1998, através de uma lei, o Estado nipónico, conferiu “independência” formal ao banco central. Todavia, há quem diga que mesmo essa independência é apenas teórica e formal, pois na prática o Banco do Japão continua sob influência do governo nipónico. Na China a situação é mais clara, o Banco Popular da China depende inteiramente do governo chinês.

Em face destes dois modelos qual deve ser o mais adequado para Angola ?


O Nosso país, fruto da opção política socialista adoptada no início da nossa independência, e que perdurou por vários anos, sempre teve o Banco Nacional de Angola na esfera de influência do Governo. Mesmo no período democrático e até depois da conquista da paz, o BNA foi sempre visto como um “departamento governativo”, tendo inclusive assento no Conselho de Ministros.


Este posicionamento do BNA não tem sido benéfico para a economia angolana. Parte do descalabro económico deriva desta relação “promiscuída” entre a função de regulador e supervisor do mercado financeiro, e a função de política geral do país que se trata em Conselho de Ministros. Sem desprimor para o sucesso da fórmula de dependência que acontece no Japão e na China, todavia, as principais praças financeiras mundiais adoptaram a independência. E mais: os mercados financeiros ocidentais, onde Angola busca fundos e investidores exigem a independência do banco central para garantir a estabilidade monetária do nosso país.


Por isso, no período de reformas em curso, o Estado deve conferir autonomia ao BNA, que se traduz no seguinte:

 

i) autonomia política - o BNA deve estar fora da alçada política do Executivo. Pode participar na definição da política monetária, cambial e financeira do Executivo, mas conservar a sua autonomia de execução, Isto é, o Executivo deixa de intervir na execução destas políticas. O Governador do BNA deixa de participar regularmente nas reuniões do Conselho de Ministérios, podendo fazer somente nas reuniões em que está em pauta aspectos ligados a definição geral das matérias sobre sua alçada;

 

ii) autonomia administrativa e financeira - embora esteja no seus estatutos, o BNA não goza de autonomia administrativa. Dito de outro modo, o Titular do Executivo pode dar ordens e instruções ao Governador do BNA. No quadro da sua independência ou autonomia, o Banco Central deixa de receber ordens e instituições do Executivo. Esta equidistância garante estabilidade monetária e cambial;

 

iii) Mandatos e inamovibilidade - para garantir a verdadeira independência do BNA, o Governador deve ser nomeado para cumprir um mandato períodico e que não deve coincidir com o Mandato do Presidente da República. A candidatura para o cargo de Governador e Vice- Governador do BNA deve partir do Executivo, mas indicado pelo Conselho da Estabilidade Financeira que submete as candidaturas a apreciação da Assembleia Nacional. Esta, por sua vez, aprova os candidatos, com base no currículo e requisitos aprovados por lei própria, e , posteriormente, propõe ao Presidente da República que os nomea. Uma vez nomeados, não podem ser exonerados por convivência de serviço. Para garantir a estabilidade do sistema financeiro, a Direção do BNA ( Governador e Vice-Governador) podem ser, entretanto, destituída por actos que violem a lei ou falhas graves. Essa destituição passa por um processo análogo da nomeação.

 

Mas esta proposta de independência do BNA não implica revisão constitucional, bastando a aprovação de uma nova lei conferindo autonomia ao Banco Central angolano, nos termos do n. 2 do artigo 100 da CRA.

 

Por isso, respondendo as questões colacadas no início: o BNA não é uma entidade independente e precisamos que seja, não só para acedermos aos mercados financeiros internacionais, mas, sobretudo, porque a independência do Banco Central garante maior estabilidade no mercado monetário, cambial e financeiro do nosso país. E se pretendemos edificar um país livre e democrático, a independência do Banco Central também é um dos elementos fundamentais. E com isto término.