Luanda - Dia sim dia também, troco impressões com alguns colegas e entidades de vários extractos sócio-profissionais, sobre o desempenho da comunicação social pública e privada mas, com maior incidência, sobre a postura ‘cabritista’ (melhor dizendo chantagista, aproveitacionista) de certos jornalistas, bem identificados, alguns por sinal com grande competência e protagonismo em Luanda, afinal, a Mutamba, já que o que se faz no interior, quase não tem expressão.

Fonte: Club-k.net

Confesso, estou assustado com o que oiço, porque nalguns casos, tenho imensa dificuldade em distinguir a diferença que vai entre um jornalista que utiliza essa prática, de um bandido, de um criminoso, que no seu exercício profissional, em vez de utilizar as ferramentas que tem (rádios, jornais, televisão e plataformas digitais) para a prestação de um serviço de grande relevância pública, fá-lo para extorquir empresários, gestores de empresas públicas, de bancos privados, secretários de Estado, ministros e governadores provinciais. Pergunto-me, qual é a diferença se comparado com alguém fardado com o uniforme e arma da PN, que está na rua a intimidar e a extorquir um cidadão?


As vítimas, não são escolhidas por acaso. Aliás, basta ver a capa de alguns jornais, semana após semana, mês após mês, ou ouvir atentamente a programação de algumas rádios. Percebe-se, facilmente, que há uma orquestração velada de um projecto chantagista, ensaiado ao pormenor e adoçado com algum masoquismo. Produzem-se inclusive vinhetas (indicativos de programas) e capas de jornais, com extractos de entrevistas descontextualizadas e títulos apimentados com imagens sugerindo envolvimento dos visados em determinados actos, que ferem princípios da boa gestão do erário, ou menos bons da vida privada. E distribuem essas ‘armadilhas’ pelas redes sociais, como que a enviar um recado bem direccionado: “ou pagas, ou o teu nome, a tua imagem vão para a lama”.


Como referi, os visados são escolhidos seguindo um certo critério, que tem como base eventual acesso fácil ao dinheiro, e são na maior parte dos casos, os gestores coptados da anterior governação, cujo exercício, não é novidade, foi manchado por exagerados actos de más práticas.


Mas não foram todos. A maioria, pelo menos até ao momento, não estão citados em processos que corre trâmites na PGR. Mas a forma como se fabricam essas matérias tem como objectivo a intimidação, criar mesmo uma certa instabilidade emocional nos visados. Parece pressão chantagista para receber alguma coisa em troca. Mas, de acordo com a informação que nos chega, se nalguns casos resulta, noutros, as vítimas “estão nem aí”. Até porque também não há mesmo massa. O Kwanza bazou, e tudo leva a crer que o que vem pela frente ainda pode ser muito pior.


Mas esse jornalismo chantagista não é propriamente uma prática nova. Entre nós, a alta visibilidade sim, é coisa recente, e resulta também do elevado índice de corrupção que comandou o país. Alguns jornalistas julgaram poder encontrar também aí a sua oportunidade para enriquecer, até porque o próprio poder ajudou o empobrecimento da maioria com o favorecimento de um pequeno grupo, o do sector público. E há mesmo quem enriqueceu.


Chatô (Chateaubriand de Assis), um politico, escritor, jornalista, empresário que se tornou no rei da comunicação social no Brasil entre os anos 30 e 60 (do século passado), foi sem dúvida o grande mestre das técnicas que ainda hoje funcionam nos subterrâneos da política e dos interesses de agentes económicos, para atacar e derrubar adversários, ou assegurar a sobrevivência dos muitos órgãos de comunicação que possuía, quando não tinha dinheiro para pagar a produção e os salários do seu pessoal. No nosso caso, o objectivo dos ataques às vítimas, serve interesses pessoais e profissionais. Por exemplo, para pagamento de viagens em gozo de férias, para a impressão de uma edição na gráfica, mas também para terminar a obra lá em casa.


Vai daí, pedem-se audiências com o propósito inicial de se fazer entrevistas, que depois se percebe tratar-se apenas de um truque para colocar o pedido directamente à vitima. Na conversa, forçada, até se intercede em favor de negócios de empresários nacionais e estrangeiros.


A última de que temos conhecimento, é que se atacou directamente a família de um dos visados, para que a mensagem seja mais impactante. A estratégia de desespero, foi tocar na parte mais sensível, mais vulnerável, não importa se a matéria fabricada criará um conflito conjugal, se destruirá uma família, ou se manchará a honra da vítima. Vale tudo!


Não sei onde vamos parar, até porque, com a fuga do Kwanza, aumentam as dificuldades de acesso ao dinheiro, e essas sangessugas metidas à jornalistas, serão forçadas a aumentar a sua pressão porque é disso que depende a sua sustentação. Por outro lado, com a cumplicidade de quem está no poder, a ERCA não exerce o seu papel de regulador de coisa alguma. Tornou-se na extensão ou em mais uma instituição que acoberta a mediocridade no jornalismo. Provavelmente, porque interessa a alguém manter esse status, para justificar ao mundo que em Angola se exerce o pleno respeito ao exercício da liberdade de expressão. Que disparate!


Essa anarquia, essa observância gritante de falta de respeito à princípios básicos e da ética jornalística, permite a sobrevivência dos ‘kamikazes’ que invadiram a comunicação social, transformando-a numa pocilga onde quem está limpo, acaba por ficar sujo porque está misturado. Deontologia, profissionalismo e a sã consciência? O que significa isso para eles? Não importa os resultados, desde que isso satisfaça o seu ego e as suas necessidades.


Mas, não se pense que esse comportamento miserável de uns tantos jornalistas, só se observa em órgãos privados. Infelizmente, também montou a tenda e acampou em vários órgãos públicos envolvendo até pessoas afectas ao Gabinete do ministro da Comunicação Social. Por lá, também vegetam alguns ‘micheiros’, que colocam impedimento à divulgação de informação institucional nos órgãos públicos, quando ela não é tratada nas produtoras de que são proprietários, assalariados ou avençados. Estão-se nas tinhas para a estratégia da própria governação, porque o ‘olhometro’ para o dinheiro fala mais alto que o engajamento e a entrega em prol da Pátria. Já se fartou de receber, mas não dá nada em troca. Triste, mais é verdade!


Mais coisa menos coisa, aqui chegados, não é difícil concluir que estamos ferrados. Ainda assim, não nos peçam para nos escondermos no silêncio cobarde, porque fazê-lo, seria como que manifestar a nossa solidariedade para com essa nova classe de chulos, que silenciosamente, se implantou no jornalismo. Isso não fazemos.


É claro também que isso deixa de ser uma questão só para abordagem pela classe. É um caso que exige a intervenção do SIC “para que se faça Justiça”. E esperamos que o faça, quanto antes, porque os direitos que se devem salvaguardar, estão dos dois lados. Do nosso, que temos a responsabilidade de informar, de comunicar; de quem recebe, de quem consome a informação, de todos aqueles para quem comunicamos. Merecemos respeito, mas também a outra parte e esse princípio deve assentar, sobretudo, na competência e no profissionalismo.


O bom jornalista não pede dinheiro a quem quer que seja. Menos ainda, a quem supostamente terá atentado contra alguma lei ou regra. Faz, apenas, o seu trabalho, ouvindo as partes, comunicando sem tomar partido. Com isenção, sem formar juízo em favor de uma das partes, pois as conclusões, deixa-as para quem consome a informação. Jornalismo, não é propriamente um negócio. A gestão dos órgãos sim. Mas os gestores não têm que ser trambiqueiros. Há regras que são sagradas.


Tudo o resto que se faça em contrário, deixa de ser jornalismo. É cabritismo e é preciso desamarrá-lo da nossa árvore, para que vá comer noutra freguesia.