Luanda - Temos defendido, nos últimos tempos e em várias ocasiões, a independência do Banco Nacional de Angola ( adiante designado BNA) face ao Executivo.

Fonte: Club-k.net

O Caso Angolano

Esta independência ou autonomia que advogamos para o BNA é condição sine qua non para o nosso Banco dos Bancos ser encarado a nível mundial como um verdadeiro Banco Central, o que permitirá uma melhor inserção do nosso país no sistema financeiro internacional.


Por exemplo, o Banco Central Europeu (BCE) não considera o “Banco Central” um verdadeiro Banco Central, pois não tendo o BNA independência, entende o Regulador financeiro da União Europeia que o Regulador do Sistema Financeiro Angolano ( adiante designado SFA) não exerce e não pode exercer algumas das funções que são acometidas aos bancos centrais, dentre as quais destaca-se a supervisão.


A consequência imediata da retirada do Estatuto de Banco Central ao BNA pelo BCE foi o aumento das exigências que o Regulador do sistema financeiro da União Europeia faz aos bancos da zona euro quando estão expostos à Angola. Esta medida que se traduz na provisão que a banca europeia deve fazer quando investe no mercado angolano, por si ou por investidores ( nacionais ou estrangeiros), através de financiamentos , eleva, com isso, os custos dos investimentos e faz de Angola um mercado de alto risco.


Um caso que relevou a falta de supervisão do BNA foi o famoso caso BESA. Este caso mediático foi, de resto, a gota de água que “sentenciou de morte” o BNA a nível das instâncias financeiras europeias (BCE).


Por conseguinte, a falta ou débil supervisão que o BNA exerce no SFA produz uma série encandeada e em cascata de factos danosos na nossa economia como a diminuição da rede de correspondentes bancários que se regista de um tempo a esta parte.


E uma das questões que a Supervisão do Banco Central visa controlar é a presença e efeitos promíscuos das Pessoas Politicamente Expostas ( adiante designadas de PPE’s) no SFA.


Contudo, antes de abordarmos com algum detalhe a função supervisão de um Banco Central, e o controlo da presença dos PPE’s no SF, vamos, prima face, olhar para as notas essenciais do sentido e alcance da independência de um Banco Central.

A independência de um Banco Central deve ser entendida em várias dimensões , a saber:

a) independência política

A independência política de um Banco Central deve ser compreendida no sentido desta instituição exercer a política monetária e cambial de forma autónoma.

O Governo não deve intervir no dia -a-dia da actividade do Banco Central.


Quando muito, o Banco Central participa na feitura da política financeira, monetária e cambial geral do Governo, mas fica à salvo e a distância das conveniências ordinárias da acção do Governo.


Uma das consequências imediatas da independência política é o Estatuto de Autonomia ou Independência que deve ter o Governador e Vice-Governador do Banco Central.


Este Estatuto pressupõe duas garantias fundamentais da autonomia: mandato periódico e inamovibilidade do seus titulares (Governador e Vice-Governador).


Em boa verdade, o Governador e Vice-Governador podem ser nomeados pelo Presidente da República mas entecedido de um processo de escolha que garanta uma seleção de candidatos cujo profissionalismo e idoneidade sejam consentâneos com os padrões exigidos internacionalmente para o exercício dos referidos cargos.


Quanto ao mandato, deve ser periódico e não deve coincidir com o mandato do Presidente da República.


O Governador e Vice-Governador são inamovíveis e só devem ser removidos dos cargos em casos excepcionais: violação grave da lei e práticas que prejudiquem ( gravemente) o funcionamento do sistema financeiro.

b) independência institucional

Na independência funcional do Banco Central destaca-se a sua autonomia administrativa.


O Governador do Banco Central não deve receber ordens ou instruções do Governo. A sua autonomia face ao Executivo deve permitir o exercício livre das suas funções de modo imparcial e isento, sobretudo para poderem controlar a presença dos PPE’s no SFA.


Contrariamente o que advogam alguns académicos, sobretudo em Angola, o Banco Central, no nosso entender, não deve ser inserido na chamada administração independente, onde se enquadra o CNE, por exemplo.


O Banco Central é uma categoria única.


O Banco Central é uma instituição reguladora do sistema financeiro, por isso, não tem paralelo na organização administrativa.

b) independência funcional

O Banco Central tem várias funções típicas consolidadas ao longo dos tempos, tais como :

I) Banco Emissor: uma das tradicionais funções dos Bancos Centrais a emissão da moeda nacional ou da zona monetária adstrita.
É o Banco Central que tem o monopólio da emissão da moeda.


II) Banco do Estado: o Banco Central cuida das reservas nacionais e internacionais do Estado ou dos Estados, conforme o caso;


III) Executor das políticas monetária e cambial. É o Banco Central que exerce a política monetária através dos vários instrumentos e medidas que pode dispor sempre que achar conveniente para regular e controlar o sistema financeiro ( fixação da taxa de juros, injecção de liquidez na economia, etc).


IV) Banco dos Bancos: o Banco Central é o regulador e supervisor do sistema financeiro num determinado espaço monetário.

São várias vertentes desta função, mas vamos destacar a supervisão, por constituir o mecanismo de controlo das PPPE’s e foi a falta dela que esteve na base de todo reboliço que ditou a retirada do Estatuto internacional de Banco Central ao BNA.

Aqui traduzidos, vamos agora analisar os dois aspectos fundamentais do nosso tema: a Supervisão e as implicações das PPE’s no SFA.


(I)
Supervisão (Prudencial)

Um Banco Central actua continuamente para assegurar a solidez e a eficiência do sistema financeiro e o regular funcionamento das instituições que o compõem.


Para garantir a saúde e o equilíbrio económico-financeiro dessas instituições e para promover a adopção de condutas adequadas na realização de seus negócios, o Banco Central monitora e supervisiona as actividades das instituições, verificando, por exemplo, se estas têm capital suficiente para operar, se estão cumprindo as normas e os regulamentos vigentes, se a sua contabilidade está de acordo com as regras nacionais e internacionais, e ainda se possuem um relacionamento adequado com os seus clientes e usuários. Esse conjunto de actividades chama-se de supervisão.

Um Banco Central adopta em regra por modelo de supervisão baseado em risco e apoiado em dois pilares: monitoramento e supervisão.

O monitoramento do sistema financeiro é realizado por meio de um robusto processo de captura de dados e informações junto às instituições e a outras fontes externas, produzindo continuamente informações em duas vertentes:

i) macroprudencial, que foca na análise do Sistema Financeira como um todo, incluindo a interconetactividade entre os agentes económicos.
O objectivo é avaliar o risco sistémico e subsidiar a tomada de decisões para assegurar a estabilidade do sistema.

ii) microprudencial, que foca no risco de cada instituição individualmente e visa avaliar a insolvência e a liquidez de cada uma delas.

O Processo de supervisão, por sua vez, é organizado de acordo com o escopo e o universo de actuação.
O escopo de supervisão pode ser:

I) Prudencial, com foco na insolvência e na liquidez de cada instituição, ou  II) Conduta, com foco na adequação do relacionamento das instituições com seus clientes e usurários de produtos e serviços financeiros, e na prevenção ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo.

A supervisão prudencial tem como foco na insolvência, na liquidez, no entendimento do modelo de negócios e na viabilidade de cada instituição que compõe o Sistema Financiamento de cada espaço considerado.


Como as instituições que compõem esse universo têm tamanhos e complexidades diferentes, a supervisão de cada instituição é diferenciada, com tratamento proporcional.


Assim, as instituições são agrupadas em segmentos, de acordo com a sua complexidade ( porte, actividade internacional e perfil de risco).


À supervisão de conduta cabe verificar o cumprimento das normas e regulamentos que não estejam directamente vinculados a riscos financeiros, mas que, em caso de não conformidade, possam acarretar risco de reputação às instituições ou ameaçar a adequada disciplina de mercado, com ênfase nos assuntos relacionados a clientes e usuários de produtos e serviços financeiros e à prevenção ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo.

(II)
PPE’s no SFA

Em termos gerais considera-se PPP’s os agentes públicos que desempenham, num determinado período de tempo (1 a 5 anos, varia de país para país ), num determinado país, ou em países, territórios e dependências estrangeirais, cargos, empregos ou funções públicas relevantes, assim como os seus representantes, familiares e outras pessoas do seu relacionamento próximo.


São considerados familiares os parentes, na linha recta até ao primeiro grau, o cônjuge, o companheiro (união de facto) , a companheira, o enteado e a enteada entre outras determinas por lei.


Para efeitos de cargo público, são considerados o Presidente e Vice- Presidente da República, os demais Auxiliares do Titulares do Poder Executivo, Ministros de Estado, Secretário de Estado ou Vice-Ministros ( se existirem), os Governador Provincial, os Deputados à Assembleia Nacional, os Juizes e Procuradores e Oficiais das Forças Armadas e da Polícia Nacional, membros do Banco Central, de empresas públicas e de capitais público, de institutos públicos, das missões diplomáticas e das organizações internacionais entre outras estabelecidas por lei.

O Banco Central deve exercer a supervisão prudencial as PPE’s monitorando as suas movimentações financeiras para prevenir à corrupção e crimes patrimoniais e financeiros associados, que vão desembocar no crime de branqueamento de capitais e, em algumas situações, no de financiamento do terrorismo.


De igualmente, o escrutínio as PPE’s visa evitar que estas exerçam actividade de gestão na banca, que sejam accionistas injustificados de bancos ou que detenham acções de instituições financeiras, ou ainda que sejam os beneficial owners ( os beneficiários efectivos das acções ao portador destas instituições).

(III)
O Caso angolano

Embora o SFA disponha de vários instrumentos jurídicos entre os quais destacamos a Constituição da República de Angola, a Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícitos Estupifacientes e de Substâncias Psicotrópicas, a criminalidade transacional e a supressão do financiamento ao terrorismo, em vigor na República de Angola, a Lei das Instituições Financeiras ( LF), a Lei Orgânica do BNA ( LOBNA), a Lei do Combate ao Branqueamento de Capitais e ao Financiamento do Terrorismo, as Recomendações do GAFI.


Estes instrumentos jurídicos não têm sido suficientes para que o SFA seja credível a nível internacional, porque além da falta de independência do BNA acima referida, há, contudo, a necessidade de ajustar-se alguma desta legislação para se adequar às novas Recomendações do GAFI referentes ao Combate ao Branqueamento de Capitais e do Financiamento do Terrorismo, bem como actualizar os mecanismo de controlo das PPE’s.

Por isso, o BNA não anda bem nestes domínios, apesar de ter dado sinal, ao eliminar no sistema financeiro, recentemente, três bancos, uma medida que se enquadra na supervisão prudencial.


Por isso, o BNA ainda não cumpre de todo com a supervisão isenta e imparcial do SFA.

São três as questões ligadas ao monitoramento e a supervisão prudencial que ainda falta o BNA superar, a saber:


a) Excluir as Pessoas Politicamente Expostas (PPE’s) da Gestão Bancária e de qualquer outra influência perniciosa no SFA.


b) Prevenir a utilização do SFA para efeitos de Branqueamento de Capitais ou Financeiro do Terrorismo, mediante o controlo dos Beneficial Owner ( beneficiários efectivos) das acções ao portador de entidades que fazem parte do Sistema Financeiro angolano;


c) Reforçar o monitoramento e a supervisão prudencial sobretudo no que toca os riscos financeiros e a insolvência das entidades que compõem o sistema financeiro angolano.

Portanto, para termos o BNA com Estatuto de Banco Central reconhecido internacionalmente teremos que primeiro conferir-lhe a independência nos termos acima referidos para que possa exercer livremente com imparcialidade e isenção as funções de um Banco Central, sobretudo a de Supervisão ( Prudencial) condição indispensável para reganhar a confiança do sistema financeiro internacional.
Posto isto, mais não digo...

 

*Pós Graduado em Direito de Comércio Internacional