Lisboa - Isabel dos Santos é acusada de ter instrumentalizado a parte angolana do conselho de administração do Banco de Fomento Angola que também é partilhado com os espanhóis do La Caixa

Fonte: Lusa

"Houve um aproveitamento e má-fé por parte do meu sucessor [Carlos Saturnino], que quis em algum momento, por razões muito próprias suas, eu acho que foram razões pessoais não foram razões empresariais, criar um clima de desconfiança sobre a anterior gestão", aponta Isabel dos Santos


A empresária angolana Isabel dos Santos afirma que aceitou liderar a Sonangol porque era "preciso salvar" a petrolífera e não para "resolver problemas financeiros" seus ou da família, negando ainda ter ordenado qualquer transferência depois de afastada de funções.

 

Em entrevista à agência Lusa, à margem de uma visita que realizou nos últimos dias a Cabo Verde, Isabel dos Santos revelou pela primeira vez a cópia de um comprovativo da ordem de pagamento para a transferência da Sociedade Nacional de Combustíveis de Angola (Sonangol) a favor da Mater Business Solutions, nos Emiratos Árabes Unidos, efetivada com data de 15 de novembro de 2017 e ordenada antes de ser exonerada.

 

"Eu acho que houve um aproveitamento e má-fé por parte do meu sucessor [Carlos Saturnino], que quis em algum momento, por razões muito próprias suas, eu acho que foram razões pessoais não foram razões empresariais, criar um clima de desconfiança sobre a anterior gestão", criticou Isabel dos Santos, garantido que apesar de efetivada naquele dia, a transferência internacional não foi imediata, tendo a ordem sido dada a "13 ou 14 de novembro", ficando em processamento até ao dia 15 de novembro, dia em que foi afastada.

 

"E nós não tínhamos a mínima ideia que não haveríamos de continuar na Sonangol, e em que data seria dada ordem de exoneração. Aliás, fomos apanhados de surpresa. Não era de não esperar, porque sabíamos que talvez, possivelmente, teríamos perdido a confiança do acionista e que o novo Governo podia ter outros planos para a Sonangol", recordou.

 

Em 28 de fevereiro de 2018, Carlos Saturnino, então presidente do conselho de administração da Sonangol, denunciou a existência de uma transferência de 38 milhões de dólares (34,4 milhões de euros) feita pela administração cessante, liderada por Isabel dos Santos, após a sua exoneração.

 

"Eu quando fui para a Sonangol fui com um grande sentido de dever e sobretudo com um espírito de missão. Eu já trabalho há mais de 20 anos, já construi vários negócios de maneira bem-sucedida, portanto, com certeza que não iria para a Sonangol para ser o meu primeiro emprego ou para efetivamente resolver problemas financeiros meus ou da minha família", afirmou.

 

Em 15 de novembro de 2017, cerca de 18 meses depois de nomeada pelo ex-Presidente José Eduardo dos Santos, pai da empresária, Isabel dos Santos foi exonerada do cargo de presidente do conselho de administração da Sonangol por João Lourenço, que tinha assumido as funções de chefe de Estado angolano há cerca de um mês e meio e que no mesmo dia nomeou para o cargo Carlos Saturnino.

 

Em causa naquela transferência, assegura agora Isabel dos Santos, estavam trabalhos de consultoria encomendados no âmbito da reestruturação da Sonangol: "[A transferência] não foi efetuada depois de eu ter saído da Sonangol, de forma alguma, e sobretudo eram sobre trabalhos que tinham sido feitos, que estavam realizados e sobre faturas que eram faturas antigas. Faturas do mês de setembro, faturas do mês de outubro, faturas do mês de agosto". "Isto nem sequer seria possível, eu nem fisicamente tinha acesso aos edifícios, aos computadores", garantiu.

 

Em março de 2018, a Procuradoria-Geral da República de Angola anunciou a abertura de um inquérito para apurar as denúncias feitas por Carlos Saturnino (afastado da Sonangol em maio último), mas não foi conhecido qualquer desenvolvimento desde então.

 

Ainda assim, a empresária afirma que "independentemente" de quem liderava a Sonangol, estes "são contratos que existem", são "contratos com a empresa" e que é por isso que "são honrados".

 

Sobre a decisão de aceitar, em junho de 2016, o convite do pai e chefe de Estado de então, José Eduardo dos Santos, para liderar a petrolífera angolana, garante que ficou a dever-se à necessidade de "salvar a empresa", mas que representou "algum custo pessoal e reputacional".

 

Ainda assim, diz que voltaria a aceitar o desafio: "Voltaria porque acredito que nós fizemos um trabalho extraordinário. Nós quando chegamos à empresa não havia dinheiro para pagar salários. Eu, como angolana, sempre admirei a Sonangol, achei e acreditei que era a maior empresa do nosso país, que era realmente o nosso pilar, era a empresa que nos inspira, era o nosso orgulho, e eu não tinha noção efetivamente que não havia dinheiro sequer para pagar salários".

 

Acrescenta que quando chegou à Sonangol a petrolífera tinha uma dívida de quase 20.000 milhões de dólares (18.100 milhões de euros) e que os contratos com a banca estavam a entrar em incumprimento. Aponta mesmo o exemplo da carta de "um dos maiores bancos de Inglaterra" que recebeu ao terceiro dia em funções, dando 48 horas para um pagamento.

 

"Pagamento que não havia. Nem imagina, eu tive de me enfiar num avião, ir fazer uma reunião de urgência com este banco e dizer: 'olhe, dê-me tempo. Preciso de 15 dias, preciso de 10 dias, deixe-nos encontrar soluções'. E trabalhamos muito arduamente com o setor financeiro, trabalhamos muito arduamente com a banca, trabalhamos muito forte na restruturação", disse, garantindo que nos 18 meses em funções, no âmbito da reestruturação da maior empresa angolana, cortou 40% nos custos e reduziu a dívida para metade. "Fizemos uma diferença muito grande. Portanto, não tenho arrependimento nenhum", assumiu.

 

A exoneração de 2017 explica com a anunciada privatização da petrolífera estatal angolana: "O Governo pretende privatizar a Sonangol, nós não fomos um 'board', um conselho de administração, que foi colocado para privatização, nós fomos colocados para reestruturação. Efetivamente, hoje entendo que o projeto era privatizar a Sonangol e nós também não teríamos sido, eu pessoalmente não teria sido, o 'board' certo para esse trabalho", disse ainda.

 

Além da reestruturação do grupo Sonangol, garante que em 18 meses de gestão foram feitos, com o apoio da consultoria externa, vários projetos, como a criação da Agência Nacional de Petróleos, entretanto criada.

 

"É uma iniciativa que partiu de mim, da minha equipa (...) e foi implementada. Esta aí hoje e existe", afirmou. "Eu faço esta entrevista hoje porque emprego muita gente e gosto de pensar que eu tenho responsabilidade no ganha pão de muitas famílias, portanto é importante que as coisas sejam postas claramente e que seja visível que nós trabalhamos na Sonangol com espírito de missão, com espírito de salvar a empresa, e conseguimos. A empresa está lá", concluiu.