Luanda - "Rosa", como é tratada em casa, ultrapassou todos os estigmas, estudou, trabalhou sempre e agora vai frequentar o curso superior de Psicologia. Marcelina Faria Contreiras Manecas nasceu no Cazenga, Luanda, em 1983, filha mais velha de António Elvino Contreiras, natural de Ndalatando, e de Lucrécia Ngueve Faria, natural do Andulo, Bié.

*Rui Ramos
Fonte: JA

A vitória sobre o preconceito

O pai era operário na Edinba e a mãe vendia jinguba na porta de casa e tecidos pré-lavados adquiridos na Textang 2.


Marcelina Manecas fez a escola primária na antiga escola 1 de Junho, na Mabor, e começa a sentir as primeiras contrariedades da vida na quarta classe, pois a sua visão era deficiente e não havia a preocupação de a enviar a uma consulta de oftalmologia.


O albinismo de Marcelina Manecas custou-lhe desde muito cedo a discriminação, a chacota e atitudes preconceituosas de colegas e da sociedade. O estigma «kilombo» foi deixando marcas mas Marcelina Manecas sempre foi muito forte para ultrapassar a injustiça.


Em casa as coisas não andavam bem entre os pais, o que afectava a vida dos nove filhos, passou a não haver água nem alimentação e por isso a jovem Marcelina Manecas desmoralizou e deixou de frequentar com assiduidade a escola. As crianças viviam da caridade de uma vizinha que cozinhava algumas vezes para eles.


"Sentia-me apagada, sem o apoio dos meus pais, os professores não compreendiam, expulsavam-me, eu pedia «Deixem-me só entrar na sala, os meus pais estão de viagem", mas eles não deixavam e reprovei três vezes na terceira classe e duas vezes na quarta classe.


Já com 15 anos e a frequentar a quinta classe, Marcelina Manecas engravida e alguma família do namorado não a aceita por ter albinismo.


Mas o tio mais velho do namorado aceita Marcelina Manecas e eles vão viver numa casa de papelão, inacabada, as chamadas "desfiadas", na Mabor, perto da escola "Matagatos", com a filha Stela.


Marcelina Manecas e o namorado eram sustentados por um vizinho enfermeiro que lhes levava algumas vezes restos de peixe deteriorado, que lhes provocava problemas de alergia na pele.


Um dia um primo incentivou o companheiro de Marcelina Manecas a vender no Hoji ya Henda e então ele passa a ir ao Roque Santeiro, a pé, para trazer produtos para o Hoji ya Henda, vendia e com o lucro regressava ao Roque para comprar mais produtos.


Marcelina Manecas estava concebida do segundo filho quando vai a uma igreja e passa a ser aconselhada por um pastor. Já depois do nascimento do segundo filho, Pedro, o companheiro começa a beber álcool e deixa de trabalhar, provocando uma profunda crise em casa que dura quase um ano, quando Marcelina Manecas consegue levar o companheiro à igreja. Com os conselhos do pastor, o companheiro reconsidera e deixou de beber.


Era 2006 Marcelina Manecas, com pouco mais de 20 anos, pensa em prosseguir os estudos, mas tinha de pagar 60 dólares para recomeçar, conseguiu com muito esforço e frequenta a sexta classe, até à nona, quando pára, por falta de condições, pois estudava à noite por já ser adulta e tinha de deixar os dois filhos com alguém.


Um dia, estava Marcelina Manecas a vender bolinhos na rua, aparece-lhe a organização Save the Children, que a convida a coordenar a creche comunitária perto do cemitério do 14, emprego que dura quatro anos, até se inscrever numa fábrica de fardamentos na Textang 2, onde trabalha até hoje.


Marcelina Manecas é um monumento à força de vontade, por isso incentiva o marido, em 2008, a construir uma casa na Pedreira. Ao mesmo tempo que dá à luz duas gémeas, Marcelina Manecas pensa em voltar a estudar mas a vala do rio seco é um obstáculo à frequência das aulas na nova escola pública do bairro.


A força de Marcelina Manecas arrasta os obstáculos e ela recomeça a estudar, à noite, vencendo profundas dificuldades, e acaba a décima segunda classe na vertente económico-jurídicas em 2017 no Puniv 470 do Paraíso. Marcelina Manecas, com o esforço do trabalho conjunto do casal, abre na sua casa o salão de Beleza "Jóia".


Marcelina Manecas recebeu-nos em sua casa, na Pedreira, chorou quando recordou a sua juventude e sorriu quando nos anunciou que pretende matricular-se na Universidade no próximo ano lectivo, no curso de Psicologia. "Já indaguei algumas Universidades em Cacuaco e vou começar a frequentar o preparatório no Puniv."


"As pessoas têm de mudar de mentalidade ", diz Marcelina Manecas, que recorda com dor a discriminação e o preconceito de que tem sido alvo, ela e as filhas com albinismo, tanto na escola como na rua. "Já chamaram Kilombo aos meus filhos, mas eu expliquei-lhes que a palavra é nobre e não é um insulto", conta Marcelina Manecas, que, enternecida, nos declarou: "Ultrapassei tudo, as minhas dores diminuíram."