Lisboa - O empresário congolês Sindika Dokolo alertou que os "desejos de mudança" na República Democrática do Congo (RDCongo) estão a ser ameaçados pelo braço de ferro entre os apoiantes do "omnipresente" ex-Presidente Kabila e o novo chefe de Estado, Félix Tshisekedi.

Fonte: Lusa

Casado com a empresária angolana Isabel dos Santos, Sindika Dokolo, de 47 anos, é um dos maiores colecionadores de arte do continente africano e foi dos principais opositores ao regime de quase de duas décadas do anterior Presidente da RDCongo, Joseph Kabila.

Atualmente, praticamente dez meses após as eleições gerais de 2018, que levaram Félix Tshisekedi à Presidência da RDCongo, Sindika Dokolo afirma que o poder que direta e indiretamente Kabila ainda detém é relevante.

"Tem ainda um poder de resistência muito forte. Então, é um jogo de braço de ferro, mais ou menos, que está a acontecer hoje em dia entre o universo do que era o Presidente Kabila com o que se pretende agora, através das reformas que pretende implementar o Presidente Tshisekedi", começou por explicar, em entrevista à agência Lusa, durante uma visita à cidade da Praia.

Até às eleições de 30 dezembro de 2018 - às quais Joseph Kabila não concorreu diretamente - as críticas de Sindika Dokolo ao regime congolês valeram-lhe um exílio de cinco anos, após processos movidos em Kinshasa visando a sua detenção. Apenas em maio último conseguiu regressar ao país, já com Félix Tshisekedi como Presidente da República, que o recebeu no Palácio Presidencial.

"No Congo estamos a sair de um momento difícil, que é uma transição política que não foi pacífica, houve uma grande resistência, uma instrumentalização também de vários órgãos de soberania, como a Comissão Eleitoral, o Tribunal Constitucional, etc", enfatizou Sindika.

Félix Tshisekedi, vencedor das eleições presidenciais congolesas de dezembro - envoltas em várias polémicas sobre a transparência do processo -, foi empossado em janeiro, sucedendo Joseph Kabila, tendo sido considerada a primeira transição pacífica no poder desde a independência da Bélgica, em 1960.

"As eleições foram deliberadamente sabotadas, o que cria uma série de problemas, de legitimidade, de capacidade de reforma, etc. Mas pelo menos conseguiu-se alcançar um objetivo importante, que era respeitar o direito sagrado dos congoleses de escolherem livremente a sua liderança e tivemos ao mais alto nível do poder uma alternância com a entrada do novo Presidente Tshisekedi", admitiu.

Sobre Félix Tshisekedi, o empresário, filho do milionário congolês Augustin Dokolo Sanu e da dinamarquesa Hanne Taabbel Kruse, afirma que "encarna de uma certa forma" a vontade popular de "reforma, de mudança, para com os hábitos do passado e do legado político" do seu antecessor, Joseph Kabila.

"Claramente que o grande desafio deste mandato vai ser materializar essa esperança de mudança para um Estado de Direito, uma Justiça credível e independente, acabar com essa instrumentalização das nossas instituições. É isso que vai ser o grande desafio do Presidente Tshisekedi agora", apontou ainda Sindika Dokolo.

O empresário e colecionador de arte contemporânea reconhece que os sinais em torno de Tshisekedi "são positivos": "Mas agora, o problema, no caso do Congo, é a omnipresença, ainda muito perto do centro do poder, da influência do Presidente Kabila".

Segundo Sindika Dokolo, apesar de não ter concorrido às eleições de dezembro, através da coligação Frente Comum pelo Congo (FCC) Kabila controla mais de 60% dos eleitos ao parlamento congolês, 80% dos representantes ao Senado e 24 das 26 províncias do país, pelo que prefere esperar para ver a determinação e força que Tshisekedi terá para afastar em definitivo o ex-Presidente do centro do poder.

"Isso só o futuro o dirá. O que eu posso dizer é que eu, como muitos dos meus compatriotas, especialmente jovens da sociedade civil, estamos envolvidos para ajudar justamente essas forças de restauração do Estado de Direito, de grandes reformas da Justiça, menos peso da política na vida nacional", sublinhou.

"O grande problema do Congo é que é um país de 100 milhões de habitantes, mas em bancarrota total. Ou seja, um país com rendimentos de cinco bilhões de dólares [cinco mil milhões de dólares], o que não é nada, não é suficiente para pagar os professores os médicos, as estradas, o Exército", explicou.

Justificou o seu envolvimento na vida política da RDCongo "por uma questão de princípio patriótico", reconhecendo que o grande desafio da sociedade civil "é apoiar e reforçar essas forças de mudança" e "desencorajar" o "regresso dessas forças negativas".

"O grande problema é realmente apoiar essa vontade de transformação da sociedade, de mudança de mentalidades, de uma melhor gestão, mas transparente, para poder ver uma descolagem da economia congolesa", sublinhou.

Questionado pela Lusa, Sindika Dokolo não se compromete com uma eventual carreira política.

"No Congo as pessoas não estão habituadas a quem faz o que disse e anuncia o que vai fazer. E foi exatamente o caso. O meu paradigma foi sempre dizer que no Congo temos políticos a mais, não precisamos de mais políticos. O que é preciso é melhores cidadãos".

Afirma que o desenvolvimento de uma cultura de "cidadania mais envolvida, mais exigente, mas consciente dos seus direitos e da inviolabilidade dos mesmos" é o desafio a que se propõe, no âmbito da "grande luta para o desenvolvimento" do país, disponibilizando para tal o "conhecimento e a bagagem profissional e intelectual" que diz ter.

"Acho que tenho outras maneiras mais construtivas de ajudar a agenda económica e desenvolvimento do meu país, nomeadamente ao nível da criação de emprego, da criação de uma classe empresarial nacional, que hoje em dia infelizmente não existe (...) A minha prioridade é envolver-me na sociedade civil e continuar a encorajar a tomada de iniciativa da sociedade civil congolesa e ao mesmo tempo ser um dos atores dessa nova classe empresarial que vai querer criar valor, criar riqueza, criar emprego", concluiu Dokolo.