Luanda - Nesta problemática do acesso às fontes para além da grande responsabilidade que pesa sobre os jornalistas na procura e gestão das mesmas com o único propósito que é o de darem satisfação ao interesse público produzindo e divulgando a melhor e mais credível informação, há uma vertente não menos estruturante que quanto a nós ainda não ganhou a necessária visibilidade para deixar a penumbra onde se encontra.

Fonte: Club-k.net


Esta vertente tem a ver com o desempenho das próprias fontes sobretudo quando elas são oficiais e muito particularmente quando elas estão relacionadas com a gestão do que é público/estatal, sem ignorar todas as outras que respondem pelo sector particular numa perspectiva o mais abrangente possível para incluirmos nele todos os restantes interesses que coabitam no espaço nacional e que vão dos económicos aos sócio-culturais, onde se incluem também os políticos e os religiosos.


Para dar substância a esta a minha preocupação começo por partilhar aqui uma reflexão do jornalista e académico Joaquim Fidalgo, que é em Portugal uma das vozes que mais consulto quando em causa está este tipo de abordagens mais relacionadas com a ética e a deontologia jornalísticas.


O pressuposto para Fidalgo é de que as garantias de acesso às fontes de informação, bem como de liberdade de expressão, devem estar adequadamente previstas nas leis gerais do país, pois procuram servir a generalidade dos cidadãos– e não propriamente conceder privilégios à actividade profissional dos jornalistas.


Não foram certamente os jornalistas e os seus amigos que transformaram a liberdade de imprensa num direito constitucional.


Tal nunca seria possível se não tivesse havido um amplo consenso socio-político quanto a sua importância no contexto do próprio regime democrático.


Já é pacífico hoje dizer que a liberdade de imprensa e o desiderato da boa governação são cada vez mais companheiros da mesma estrada por todo o impacto positivo que o espaço mediático tem tido sobre governantes e governados, onde diariamente todos se encontram sem terem necessidade de marcarem audiências nem de serem revistados pelos chatos dos seguranças ou passar pelos irritantes detectores de metais.


Ora o que nós temos na legislação angolana é quase uma mão cheia de nada quando se trata de chamar a outra parte que necessariamente tem de intervir no processo informativo, pois por mais abertas/transparentes que possam ser as instituições e as organizações, os jornalistas têm sempre de contactar alguém, têm sempre que falar com um responsável, têm sempre que procurar uma fonte disponível na hora para confirmar, desmentir ou apenas esclarecer através de um comentário pontual.
Os jornalistas por regra geral são sempre intermediários e nunca protagonistas, havendo, entretanto, algumas excepções a considerar em função dos acontecimentos, onde os jornalistas são forçados a sair temporariamente da sua zona de conforto.


Todos sabemos que quanto melhor identificadas estiverem as fontes maior credibilidade terá a informação, pois o recurso às fonte anónimas deve ser a excepção e nunca a regra.


Mesmo assim é bom também aqui referir, identificando ou não as fontes, o jornalista é sempre o último responsável pela integridade da informação que elabora/divulga, sendo recomendável em situações mais sensíveis cruzar sempre a informação para não ficar apenas refém de uma fonte seja ela ou não oficial.


Neste âmbito é paradigmático o caso das notícias sobre ocorrências criminais que se fazem citando apenas a fonte policial, quando não temos o repórter no terreno dos factos. Em termos de apuramento da verdade, é um risco muito grande que o jornalista corre, pois as corporações para militares e mesmo as militares são sempre muito ciosas da sua imagem como pessoas colectivas de bem e protectoras dos seus efectivos.


Hoje o estatuto do jornalista em Angola já tem a dignidade de uma lei, sendo por isso de cumprimento obrigatório para toda a sociedade que em circunstância alguma pode alegar desconhecimento da mesma, sobretudo por parte das denominadas entidades.


A Lei sobre o Estatuto do Jornalista que já está em vigor há pelo menos dois anos garante como direitos dos profissionais e só destes, entre vários outros, a liberdade de acesso às fontes de informação, o acesso aos locais públicos, quando no exercício da sua actividade e a garantia do sigilo profissional.


Entre estas prerrogativas gostaria aqui de destacar, por ter muito a ver pela negativa com a nossa realidade, o direito dos jornalistas receberem das fontes de informação tratamento igual, não podendo ser alvo de discriminação em função do órgão para o qual trabalha, nem de avaliações extra-profissionais.


Entendo que uma das garantias deste acesso é a própria disponibilidade das fontes que de uma forma geral é cada vez maior, mas a pensarem sobretudo na salvaguarda dos seus próprios interesses o que é compreensível embora no caso do sector público se coloquem outras exigências por causa das obrigações que o poder público tem para com toda a sociedade em matéria, nomeadamente, de transparência tendo em conta o abrangente principio da legalidade.


A mão cheia de nada de que falava há bocado está contida numa norma que acaba por ser a única que encontramos em toda a legislação da comunicação social em vigor onde as fontes quase que são convidadas a participarem no processo informativo com a opção implícita de aceitarem ou não o convite.

Está no artigo 19º da Lei de Imprensa e reza o seguinte: “As entidades têm o dever de assegurar o acesso às fontes de informação, com vista a garantir aos cidadãos o direito a serem informados, desde que as informações solicitadas não estejam abrangidas pelo disposto no número anterior.”


Este disposto são todos aqueles segredos que a gente já conhece, mas nem sempre reconhece muito bem por causa das interpretações que se podem fazer dos limites impostos à liberdade de imprensa
Mas deixemos os segredos para outra ocasião, que hoje a conversa é outra.


Aqui chegados temos que concluir que de facto tal como aponta Joaquim Fidalgo, as leis gerais do país ainda não garantem efectivamente o acesso dos jornalistas às fontes, uma vez que as entidades apenas têm o dever de assegurar este relacionamento, sem qualquer outra consequência, caso decidam não o fazer ou refugiarem-se numa ordem superior qualquer para nos fecharem a porta na cara, algumas vezes até com algumas ameaças pelo meio para não voltarmos a insistir no assunto.


Em poucas palavras não há pois qualquer obrigação por parte das entidades de colaborarem com a imprensa e muito menos a lei prevê qualquer tipo de responsabilização das mesmas, das muitas que os jornalistas estão sujeitos quando pisam as tais linhas vermelhas, incorrendo até na possibilidade de cometerem crimes e de em consequência irem passar algum tempo numa cadeia.


Por estar hoje aqui e pela primeira vez a falar com a malta da Angop, descobri a propósito da pesquisa que fiz para redigir estas linhas que foi um despacho da Angop que me obrigou, já lá vão 8 anos a ter de esclarecer melhor, num artigo de opinião que publiquei em Abril de 2011 no Semanário Angolense, as minhas ideias sobre esta problemática, ideias estas que quanto a mim se mantêm válidas.


E escrevi este artigo porque senti necessidade de corrigir uma das passagens do despacho onde eu era citado como tendo defendido que a recusa das entidades em colaborar com a imprensa também devia ser criminalizada.


Embora “ipsis verbis” não tenha defendido a criminalização da falta de colaboração das entidades oficiais (públicas e privadas) na prestação de informação de interesse público quando solicitadas pelos jornalistas no exercício da sua actividade, acho que uma das consequências jurídicas desta silenciosa postura deveria ser a absolvição liminar dos acusados em processos que envolvem os chamados crimes de abuso da liberdade de imprensa/direitos de personalidade.


A não ser atendido este pedido, a mencionada falta de colaboração deveria figurar no mínimo, como uma atenuante extraordinária, caso ficasse provada a inocência do queixoso.


É importante esclarecer aqui que nos crimes de difamação, se o demandante for uma personalidade pública no exercício das suas funções, o jornalista tem o direito de fazer prova das suas afirmações.


Acho mesmo que, se na instrução do processo ficasse suficientemente provado que o jornalista só publicou uma determinada informação depois de, sem sucesso, ter tentado contactar todas as partes envolvidas, o mesmo nem sequer deveria ser pronunciado, devendo o processo ser imediatamente arquivado.


Este tipo de responsabilização indirecta das fontes oficiais (públicas e privadas) teria um efeito muito positivo na própria abertura/transparência das instituições e dos seus responsáveis, que é o que a própria Constituição exige no seu artigo 52 ao apontar que “todo o cidadão tem o direito de participar na vida política e na direcção dos assuntos públicos, directamente ou por intermédio de representantes livremente eleitos, e de ser informado sobre os actos do Estado e a gestão dos assuntos públicos nos termos da Constituição e da lei”.


Na altura, já lá vão 8 anos, considerava ser importante que a próxima legislação sobre a imprensa no que fiz respeito à responsabilização das fontes oficiais, resultasse de algum consenso mais sério entre a classe e o poder político em nome de um direito fundamental (direito à informação), mas que acaba por não ter garantias suficientes para ser um direito real/efectivo.


A próxima legislação já é um facto deste 2017, mas de facto como já vimos continuamos a ter apenas um mão cheia de nada numa legislação que apenas penaliza os jornalistas, deixado a outra parte (ou partes) que têm necessariamente de participar neste processo numa zona de absoluto sossego.
Na verdade e conforme já referi o único progresso registado foi o estatuto do jornalista ter sido aprovado como uma lei, o que já permite outras abordagens mais vinculativas que se estendem a toda a sociedade e a todos os seus actores com destaque para as entidades.


Como consequência de todas as mudanças que aconteceram nestes últimos dois anos, sobra-nos a esperança de termos rapidamente um poder judicial cada vez mais independente e capaz de olhar para o fenómeno mediático com outros olhos o que já ficou visível no acórdão da juíza Josina Falcão que em 2018 absolveu Rafael Marques e Mariano Brás dos crimes que vinham sendo acusados na sequência de uma matéria que envolvia o anterior PGR.


Por ser independente o poder judicial tem antes de mais de estar preocupado com a essência do próprio direito que é a realização da justiça. Os magistrados judiciais não têm apenas que aplicar cegamente as leis que são aprovadas pelo poder político, pois muitas destas leis acabam por
contrariar a filosofia do direito.

Reginaldo Silva