Luanda - Se Raul Danda fosse de Malanje, diria que as palavras quase insultuosas de Fernando Heitor sobre o primeiro, caracterizando-o como “traidor”, “apadrinhado de Samakuva”, com um “discurso radical e fortemente regionalista”, entre outros atributos, se devem aos resquícios da velha rivalidade entre malanjinos e catetenses.

Fonte: JA

Longe disso e se calhar apenas por ter sido escolhido ou, como Fernando Heitor escreveu num dos artigos que saiu no portal Club K, por ter sido “apadrinhado por Samakuva”, Raul Danda passou a ser encarado nos moldes em que o economista e consultor o faz.


Mas afinal porquê e para quê, quando até Fernando Heitor diz não pretender influenciar o sentido de voto dos delegados ao congresso, lança todo esse fel contra uma figura que se apresenta como um potencial sucessor de Isaías Samakuva?


Independentemente do passado recente do posicionamento do antigo radialista da Vorgan e da RNA, que deve ser devidamente contextualizado à luz do que o país viveu, e da possibilidade, real ou imaginária de Raul Danda vir a ser eleito ou não presidente da UNITA, não fica bem a ninguém que militou na UNITA tratar desrespeitosamente quem se apresenta agora como possível líder daquele partido. Esse tratamento que Fernando Heitor dispensa a Raul Danda podia até ser congelado, para não dizer mesmo abandonado em nome da tolerância, respeito, razoabilidade, para uma fase posterior a esta em que os nomes que foram aprovados pelo partido como candidatos à sucessão de Isaías Samakuva devem ser vistos como potenciais líderes.


Parece já pessoal a forma, politicamente desaconselhável, como Fernando Heitor se refere a Raul Danda, enquanto candidato à presidência da UNITA. Chega a ser até desrespeitoso para com os membros do chamado “Comité de Sábios” que, à última da hora, decidiu favoravelmente pelas candidaturas que se encontravam “pendentes”, a de Raul Danda e a de Adalberto da Costa Júnior.


Há dias, no debate da TV Zimbo, Fernando Heitor foi o primeiro telespectador a ligar para o painel e colocar em causa a candidatura de Danda com palavras menos simpáticas, dando claramente a entender que, mesmo tendo renunciado à militância na UNITA, não vê com bons olhos a possibilidade de o actual vice-presidente da UNITA assumir a liderança daquela formação política.


E depois chegou a contradizer-se, quando, no fim da sua intervenção ao telefone, acabou por dizer que “não pretendia influenciar o sentido de voto de nenhum candidato”, mesmo tendo já feito negativamente contra o antigo chefe da bancada parlamentar dos “maninhos”. Ora, Fernando Heitor pode até não gostar de Raul Danda, mas, em respeito aos seus “40 anos consecutivos de militância e lealdade à UNITA”, devia guiar-se pela razoabilidade, franqueza e pelos valores que acompanham o partido que Danda pode vir a presidir.


Independentemente do percurso de Danda, sobretudo no tratamento que este deu à figura de Jonas Savimbi, num contexto próprio, parte do passivo da própria UNITA, de que Jonas Savimbi nunca omitiu, assumiu sempre publicamente, que para muitos no seio do partido do Galo Negro já faz parte do passado, que as pessoas devem estar viradas para o futuro. Salvo se isso fizer parte de alguma agenda pessoal ou de grupo, ao que tudo indica, declarada para não ver Raul Danda eleito como presidente da UNITA, não faz qualquer sentido Fernando Heitor vir a público asperejar a figura do actual vice-presidente da UNITA. O que é que ganha Fernando Heitor com essa agenda, numa altura de campanha eleitoral para o XIII Congresso da UNITA, quando o próprio já assumiu que não pretende influenciar o sentido de voto?


Não fica bem para a credibilidade e imagem de Fernando Heitor, nesta ou em qualquer outra altura, estar a insultar uma figura que pode ser o futuro presidente da UNITA. E acho que a própria UNITA devia vir a público, ou através de canais apropriados, censurar Fernando Heitor, porque, afinal, está a ser feita contra uma pessoa que pode ser eleita dirigente máximo daquele partido.


O “facto de ter sido um militante leal deste partido durante 40 anos consecutivos e por ter ocupado neste partido e por este partido vários cargos de direcção”, como escreveu Fernando Heitor, há dias, num dos artigos sobre as candidaturas, devia levar ao economista e político a gerir, para bem da imagem do partido e da sua credibilidade, o lado pessoal e eventualmente menos bom das relações que o ligam ou não a outros dirigentes da UNITA. Apesar da renúncia da militância, posição que naturalmente coloca Fernando Heitor numa posição confortável para fazer o exercício que faz, na verdade, era bom ouvir vozes como a do general Lucamba Gato que pediu tolerância.


Sem prejuízo para o direito que assiste ao antigo vice-ministro das Finanças, nomeado pela UNITA no antigo Governo de Unidade e Reconciliação Nacional (GURN), vale a pena reflectir sobre os conselhos de Gato quando pede que “a campanha eleitoral tem de ser a expressão acabada da tolerância, da urbanidade e do saber estar em política. O pior que pode estar acontecer à UNITA, neste momento em que os candidatos e apoiantes “afinam” a máquina de campanha de cada candidatura, é a lavagem de roupa suja em hasta pública. Esperamos que o pior tenha sido o que já foi dado a ver, a ouvir e que, daqui para frente, até ao dia 15 de Novembro, não sejamos mais surpreendidos com ataques baixos, insultos, insinuações que apenas acabam por “beliscar” o espírito que todos os militantes pretendem com o actual processo de sucessão de Isaías Samakuva.


A UNITA não ganha se os seus militantes e ex-militantes, aproveitando-se da eventual inimizade ou desgosto, natural e compreensível entre os homens, não forem capazes de fazer uma gestão dos egos que eleve o partido do Galo Negro como um projecto congregador, em vez de grupos, interesses e pessoas, dentro e fora, que se digladiam. Se a UNITA for, como alegam os fundadores e continuadores, um projecto que transcende as quesílias pessoais, acredito que Fernando Heitor e Raul Danda vão ser capazes de fazer as pazes, independentemente da actual circunstância, própria dos momentos da política, em que até parecem estar a competir para o mesmo fim.