Luanda - Nos últimos dias, temos presenciado um violento ataque ao kwanza, a nossa moeda oficial em circulação. Não temos memória de algo tão bem elaborado e com tantos requintes de malvadez e com contornos de um filme de terror, misturado com as típicas operações clandestinas chefiadas por Henry Kissinger.

Fonte: Jornal de Angola

Em todos os países do mundo organizado, um ataque à moeda é também um ataque à sua cidadania, é um ataque às instituições de direito e, por conseguinte, a nação deve juntar-se à volta do mesmo objectivo, que deve ser combater este inimigo que não é tão invisível assim, pois, sem ter relação com a santa citação, “ele está no meio de nós.”


Muitos de nós vimos e vivemos o tempo em que o kwanza era uma moeda mais descartável do que um guardanapo usado, quando às 7h00 da manhã o pão custava 100 kwanzas e às 17h00 da tarde já custava 300. Eram tempos difíceis em que o kwanza se desvalorizava de forma galopante, mas aí as razões eram explicáveis, pois os bens e serviços eram escassos, os preços cresciam num ápice e o Governo, na altura, tinha de imprimir moeda sempre que precisasse pagar salários à função pública.


Foram tempos maus, mas estávamos numa conjuntura diferente, em guerra interna entre irmãos e no centro da Guerra Fria, mas desta vez é diferente, estamos em paz, a Guerra Fria já não é tão quente assim, contudo, estamos em guerra contra um inimigo silencioso, invisível, que se move sorrateiramente entre nós e manipula os mais distraídos.


A teoria do ataque à moeda ganha força por razões muito palpáveis, sendo que as famílias e as empresas estão em contracção financeira, o que explica a retracção do consumo agregado, pois há uma clara redução na facturação das empresas. É clarividente a queda do poder de compra das pessoas, portanto há uma clara redução da capacidade de poupar das famílias e das empresas.


Sendo o parágrafo acima um dado adquirido, entendemos que os bancos, nesta altura, estarão a captar poucos depósitos das famílias e das empresas. Sabendo que o BNA não permite, e muito bem, que os bancos comerciais mantenham largos montantes de moeda nacional sem razão aparente, estamos perante um fenómeno estranho, pois nas últimas semanas assistimos a uma injecção de kwanzas nos bancos comerciais que é no mínimo estranha e, como já dissemos, não é explicada pelo desempenho normal da economia.


Ora, se estes kwanzas, que de repente inundaram os bancos comerciais, não são falsos, eles estiveram guardados este tempo todo para fins inconfessos, pois são estes kwanzas ocultos que movem o mercado informal, oferecendo cada vez mais kwanzas para um mesmo dólar e, por outro lado, são estes mesmos kwanzas ocultos que em cada leilão do BNA oferecem cada vez mais kwanzas para o mesmo dólar.


A ser verdade o que aqui afirmamos, estamos perante um ataque sem precedentes ao kwanza, que se consubstancia numa manipulação da taxa de câmbio, fazendo com que o kwanza se desvalorize artificialmente e acentue a pressão sobre as reservas internacionais líquidas (RIL) e pressione a taxa de inflação, agravando o poder de compra do cidadão, desvalorizando os salários nacionais e provocando tensões sociais.


Entendemos que esta é a verdadeira intenção, desestabilizar para depois aparecer como salvadora ou salvador da pátria, pois este inimigo invisível sabe que a nossa economia é de matriz importadora, sem produção interna para se defender, e que a única forma de manter a economia funcional é através de uma moeda nacional estável por meio da entrada constante de dólares ou pela limitação das importações que apenas a produção nacional pode proporcionar.


Na prática, este inimigo invisível está a lograr os seus intentos, pois à medida que o kwanza cai face ao dólar, os nossos importadores necessitam de cada vez mais kwanzas para comprarem o mesmo dólar. Assim sendo, importar o que consumimos fica mais caro e, no fim da cadeia, os comerciantes repassam esta alteração cambial para o consumidor final que compra os bens em kwanzas.


Sim, a vida está mais cara e mais difícil e entendemos que o cidadão não é obrigado a entender destes conceitos de economia que aqui estamos a discorrer, mas devemos perceber que a culpa não é de quem governa, mas sim de quem não quer que se governe o país e, principalmente, achamos que o povo (que só quer ver os preços descerem ou pelo menos a não subirem) deve ter consciência de que repassar mensagens nas redes sociais montadas pelos mesmos que querem desestabilizar a economia também não ajuda a sua situação.


Entendemos que o Estado, através do BNA, deve tomar medidas urgentes e cirúrgicas como, por exemplo, analisar os depósitos bancários dos últimos 3 meses e identificar tendências, pois não são muitos os que detêm os chamados “contentores de kwanzas” e, se os estão a pôr no sistema, devem ter registos de entradas de volumes anormais e, sendo assim, é possível identificá-los e monitorizá-los para aferir se, de facto, as suspeitas de acumulação indevida de moeda nacional são verdadeiras.


Por outro lado, é preciso apurar-se junto da banca comercial o que de facto está a acontecer, suspender os leilões do BNA de moeda estrangeira, pois se não se fizer isso a cada leilão que for feito, a taxa irá crescer de forma descontrolada e agravar a situação da economia nacional, pois entendemos que o sacrifício ou a dor de ficar sem envios de ajuda familiar ou comprar divisas para viajar é inferior do que os danos causados por uma taxa de câmbio ridiculamente alta.


Outra medida que achamos pertinente é a troca das notas e moedas, pois é uma forma de o Estado controlar a massa monetária em circulação (o que achamos que hoje o BNA não tem a mínima noção) e, por outro lado, forçar aqueles que acumularam os kwanzas fora do sistema a colocá-los nos bancos, pois, em 3 meses ou pouco mais, as notas antigas devem deixar de valer.


Com esta medida, esperamos que nunca mais seja possível que empresas ou pessoas singulares possam levantar milhões de kwanzas, seja por que razão for. Ninguém deverá fazê-lo, pois se for para fins legais e explicáveis, as empresas e as pessoas têm contas bancárias. Pensamos mesmo que o BNA deveria estabelecer um tecto máximo para os levantamentos em kwanzas.


Para aqueles que defendem que os salários devem ser actualizados à medida que a taxa de câmbio se desvaloriza e os preços sobem, desenganem-se porque aí sim é que quem governa iria perder a luta, pois teria de emitir moeda para pagar salários e entregar o país a um cenário de inflação galopante de que falámos no início, e seria de facto entregar o ouro ao bandido, pois os salários devem estar indexados à produtividade.


Outra chamada de atenção vai para os nossos economistas e comentadores extremo-liberais que sempre advogaram a desvalorização cambial, unicamente porque os livros assim o defendem, sem olhar para factores como estes, que não vêm nos livros de economia mas sim nos livros da vida e prática do dia-a-dia, pois estas situações nos mostram que o mercado sozinho (e para mais um mercado como o nosso) não se consegue guiar sem a ajuda do Estado.


E, a estes economistas dos livros, apenas um apelo: que não prejudiquem, sabendo que não vão ajudar, devem deixar de discursos inflamados e de agitação social, atribuindo a culpa a quem não a tem na verdade, pois são vozes autorizadas e o povo ouve-as e tem em conta. Esperamos que estes personagens ajudem e indiquem o caminho ao Estado para contornar esta situação.